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Roma publicou no último dia 17 de maio as novas Normas para Proceder no Discernimento de Presumidos Fenômenos Sobrenaturais (1). O documento propõe uma gama de seis possíveis juízos pelos quais a Igreja pode formular seu discernimento sobre as manifestações sobrenaturais que são levadas ao seu conhecimento (aparições, visões místicas, mensagens, estigmas e outros). Um aspecto significativo desse texto é que Roma se abstém de dar reconhecimento oficial e definitivo a eventos extraordinários (com raras exceções); a Santa Sé se limitará, na melhor das hipóteses, a um simples “nihil obstat” [nada obsta], o que significa, segundo as palavras de Bento XVI, que os fiéis “estão autorizados a aderir a elas de maneira prudente”. Em outras palavras, “é uma ajuda, que nos é oferecida, mas não é obrigatório fazer uso dela” (2). E o documento insiste: “tais fenômenos não se tornam objetos de fé – isto é, os fiéis não são obrigados a dar seu assentimento a eles”.
Discretamente encoberta nessa restrição e nesse conselho está toda uma herança cristã da relação com a verdade. Ao barrar o caminho a um regime de “certeza moral”, convidando-nos a viver ao lado de uma forma de dúvida e de incerteza, o Dicastério faz eco a uma linha muito sutil que a Igreja Católica traçou ao longo de sua história, entre um amor apaixonado pela verdade e um senso de contingência das coisas.
A Igreja Católica defende ardentemente a causa da verdade. Ela foi fundada por Aquele que se declarou ser a Verdade e, seguindo Seus passos, ela não tergiversa quando a verdade é atacada, seja em seu conteúdo ou em seu próprio princípio. Ela não tem escrúpulos em defender a existência da verdade mesmo em áreas em que o homem moderno foi tentado a excluí-la, como a ação moral.
Dessa forma, ela pôde nos presentear com um texto tão prodigioso quanto Veritatis splendor, no qual encontramos estas linhas: “Nenhum homem pode evitar as perguntas fundamentais: o que devo fazer? Como posso discernir o bem do mal? A resposta só é possível graças ao esplendor da verdade que ilumina as profundezas do espírito humano”.
Ela reafirma “algumas verdades fundamentais da doutrina católica”, a importância da lei natural, a universalidade e a validade permanente dos mandamentos morais, contra as tentações relativistas ou mundanas.
E Bento XVI concorda em Caritas in veritate: “Sem a verdade, acabamos com uma visão empírica e cética da vida, incapaz de se elevar acima do agir, porque não conseguimos captar os valores – e às vezes nem mesmo o significado das coisas – que nos permitiriam julgá-la e orientá-la. A fidelidade ao homem exige a fidelidade à verdade que é a única garantia da liberdade”. Portanto, a Igreja não é abertamente suspeita de não buscar e amar a verdade o suficiente.
Ao mesmo tempo, ela nos educa até certo ponto e nos ensina a purificar nosso relacionamento com a verdade de qualquer tendência dogmática. De fato, ela preserva o sentido de contingência das coisas. Ela aceita que, em certas áreas, estamos mais próximos da verdade do que de possuí-la. Às vezes, temos de suspender nosso julgamento, não tomar uma decisão, avançar nas areias movediças da incerteza, tatear nosso caminho, viver “em uma estadia enquanto procuramos um lar” (3), reconhecer a finitude de nossa inteligência que rapidamente se vê sobrecarregada, e aceitar a intranquilidade existencial que se segue.
O mesmo vale para a política, que a Igreja Católica baliza por princípios amplos que são muitos pontos de referência fixos, porém mantém-se o domínio da contingência, um espaço que, no concreto da ação e da decisão, não é objeto de uma verdade completamente definida, mas deixa amplo lugar à particularidade das situações e ao juízo prudencial do homem que, armado de sua razão natural, busca o bem comum e o meio-termo adequado.
A atitude que se segue é dupla: uma disciplina da mente que deve evitar absolutizar o que é apenas relativo, e uma vigilância prática em nosso relacionamento com os outros, para que não queiramos sempre conquistá-los para nossa opinião a qualquer custo. Outro processo de aprendizagem decorre disso: travar uma guerra contra nossos reflexos primários, que nos inclinam a amar a uniformidade e a conformidade, a fim de redescobrir o gosto pela diversidade nessas áreas cinzentas de contingência, sem querer achatar toda opinião ou apagar toda sensibilidade que difere da nossa. É esse o sentido de “Há muitas moradas na casa de meu Pai” (Jo 14,2).
Talvez seja isso também que o texto de Roma sobre as novas Normas esteja tentando nos ensinar: ninguém é obrigado a ter uma devoção a um determinado santo ou a um determinado local de peregrinação. As cruzadas daqueles que tentam, por exemplo, nos convencer a todo custo de que alguma revelação mística é autenticamente divina, ou que alguma aparição é uma farsa completa, parecem, portanto, vãs ou excessivas.
Ainda mais porque, de modo geral, a dúvida, quando colocada em seu devido lugar, não aniquila a fé, mas coexiste estreitamente com ela. Joseph Ratzinger colocou isso da seguinte forma: “o crente será sempre ameaçado pela descrença e o descrente sempre será ameaçado pela fé [...]. É impossível evitar o dilema da condição humana”.(4) Portanto, é melhor aprender a lidar com ela cuidadosamente do que evitá-la em todas as suas formas.
Élisabeth Geffroy é professora de Filosofia, formada na École normale supérieure de Paris.
©2024 La Nef. Publicado com permissão. Original em francês: “Aimer la vérité, mais apprendre à fréquenter le doute”.