Nenhum outro encontro foi tão disputado. Horas antes de Anitta chegar, um auditório de Harvard, uma das universidades mais importantes do planeta, já estava lotado à espera da grande diva do funk.
Funk, não pop, ela fez questão de enfatizar durante sua fala no evento organizado por alunos brasileiros de Harvard e do MIT. Nas primeiras fileiras, empresários do calibre de Jorge Paulo Lemann, dono de uma fortuna de bilhões de dólares, e outros que fizeram só o seu primeiro bilhão.
O dia de frio e tempestade de neve em Boston traiu a primavera que está no calendário, mas Anitta foi a embaixatriz do calor. Não cantou, a não ser uns versos meio esgoelados de Downtown quando pediram uma palhinha. Talvez porque o tema fosse um tanto frio como o clima.
Não foram suas curvas, nem o bumbum estrela de seus clipes, que a levaram a Harvard. A questão era como essa garota dos subúrbios do Rio de Janeiro se tornou uma das maiores celebridades de um país continental como o Brasil e passou a ditar tendências na indústria musical.
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E, em bom português carioca, Anitta começou desancando a bossa nova. “É muito difícil você cantar sobre o barquinho que vai, a tardinha que cai se você nunca viu essas coisas. O funkeiro canta a realidade dele. Se ele acorda, abre a janela e vê gente armada e se drogando, gente se prostituindo, essa é a realidade dele”, ela resumiu. Na visão sem filtro cor-de-rosa da artista, as letras do funk só vão mudar quando for outra a realidade dos morros. “Para mudar o contexto da letra do funk, você precisa mudar a realidade de quem está vivendo essa realidade.”
Anitta, no caso, esboçou ali os princípios de uma voluptuosa realpolitik, argumentando que, ao não esconder a verdade sobre suas plásticas – a mais notória delas redesenhou seu nariz –, ela mostrava que até aqueles que servem de exemplo para os seus seguidores têm imperfeições. “O nosso país é o segundo país que mais faz cirurgias plásticas. Quando a gente finge que é possível ter uma vida sem erro, sem consertos, você ilude o público. Tanto que, na hora de o público votar, ele vai procurar a pessoa que melhor sabe fingir, então vai votar errado”, ela disse.
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Tudo em Anitta, do nariz esculpido à jaqueta mais Versace impossível e saltos pretos nos pés, é calculadíssimo. Diante de um público que sabe usar calculadoras científicas, ela falou em números. Tuítes, compartilhamentos, downloads. Ela conta que construiu a estratégia de vendas de todas as suas canções buscando um nicho estreito entre música latino-americana, daí cantar em espanhol, e os hits do pop americano. “Fui para a rua e comecei a pesquisar com o povo. Descobri o reggaeton assim”, disse. “Sou o Pedro Álvares Cabral do reggaeton. O reggaeton já estava lá, e eu não conhecia. Os três grandes mercados digitais são os de língua inglesa, espanhola e portuguesa, por causa do Brasil.”
Não demorou até o momento em que ela gravou com os colombianos Maluma e J Balvin, dois astros do gênero latino que ensaiam suas carreiras já um tanto meteóricas. Mas Anitta estava de olho nos números. Ela buscava um equilíbrio entre letras em espanhol e inglês e frases de efeito em português – entre elas, a indispensável “vai, malandra”. Sua insistência com as rádios americanas em tocar esses híbridos, aliás, catapultou suas obras nos Estados Unidos.
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