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Millennials

Antinatalismo: preocupação com o planeta ou imaturidade de uma geração supersensível?

Jovens usam celular encostados em uma parede.
A ideia de que as pessoas deveria parar de se reproduzir vem ganhando força entre os “millennials”. (Foto: viewapart/Bigstock)

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Os millennials, jovens nascidos nos anos finais do século XX, fazem parte de uma das gerações mais suscetíveis de todos os tempos a problemas psicológicos, como a ansiedade. E é justamente entre esse grupo que vem ganhando força uma ideia no mínimo controversa: a de que as pessoas deveriam parar de se reproduzir.

É o antinatalismo, uma corrente que prega que a vida humana só traz malefícios tanto para as pessoas, na forma de sofrimento, quanto para a natureza, na forma de consumo desenfreado de recursos.

Mas essa atitude, no fundo, pode ser apenas o reflexo de uma mentalidade de pessoas que não querem crescer e nem assumir as responsabilidades da vida adulta.

O principal defensor dessa ideia obtusa é o filósofo David Benatar, cuja obra mais citada sobre o assunto é o livro Better Never to Have Been – The Harm of Coming to Existence [Melhor Nunca Ter Sido – Os Prejuízos de Vir à Existência].

O autor deixa claro seu ponto de vista já nas primeiras frases do prefácio do livro. “Cada um de nós foi prejudicado por ter sido trazido à existência.

Esse dano não pode ser desprezado, porque a qualidade até mesmo das melhores vidas é muito ruim – e consideravelmente pior do que a maioria das pessoas reconhece que é.”

Benatar trata o nascimento de crianças como um problema moral, e tem sua crença principal no fato de que a vida humana é totalmente sem significado e repleta de sofrimento. Por esses motivos, deveria ser evitada sempre que possível.

Mas há um detalhe importante nesse argumento: a vida de um ser consciente não pode ser tirada, porque com isso mais sofrimento seria gerado.

Então tudo bem, para Benatar, que fetos que ainda não tenham atingido o ponto de consciência sejam abortados – mais do que uma permissão ao aborto, para ele a interrupção dessa existência deveria ser tratada como uma obrigação moral das pessoas.

Por mais triste que isso possa parecer, tal forma de pensamento tem encontrado eco entre os millennials, como mostram pesquisas feitas em países como a Espanha e a Austrália.

Neste último, uma em cada seis mulheres com idades entre 30 e 44 anos escolheram não ter filhos. Já na Espanha, 12% dos jovens nascidos entre 1985 e 1999 não querem ter filhos.

Dentre este mesmo público, pesquisas apontam que a maioria se preocupa mais com ter um bom trabalho, mesmo que não estejam interessadas em estudar e se formar, e desfrutar de mais tempo livre do que criar a própria família.

Os motivos para a escolha de não ter filhos variam: “as crianças dão muito trabalho,” “limitam o tempo livre” ou “custam muito dinheiro” estavam entre as mais presentes entre os espanhóis.

Neste último item está, talvez, uma das ideias mais presentes entre os millenials, a de que como não será possível sobreviver no planeta no futuro por causa do clima não faz sentido trazer mais crianças à luz.

Esta, pelo menos, é a argumentação da ativista espanhola Audrey García, que chegou ao extremo de fazer a retirada do útero porque, como disse em entrevista à BBC, não acha ético ter um filho biológico.

“Simplesmente não é ético em um mundo superpovoado, onde falta água e comida para muitas pessoas, onde estamos destruindo o meio ambiente, onde não paramos de consumir mais e mais recursos”, disse García.

Antes de ser antinatalista, García já era adepta do veganismo. As ideias, segundo a percepção da ativista espanhola, parecem se complementar já que ela mesma se definiu como uma ativista contra o sofrimento animal.

“Luto contra todo tipo de exploração animal. Se eu tivesse filhos, seria responsável por criar uma cadeia sem fim de humanos que vão consumir produtos animais, porque não posso garantir de forma nenhuma que meus filhos e netos sejam veganos. Ter filhos significaria necessariamente aumentar o sofrimento animal,” declarou ela.

Essa preocupação com o meio ambiente se baseia em pesquisas que mostram que o impacto ambiental de uma criança é de aproximadamente 58 toneladas de CO2 para cada ano de vida dos pais.

A título de comparação, a mesma pesquisa apontou que um ano sem carro resulta numa redução de 2,4 toneladas de CO2. É um número alto, como o divulgado pela organização Global Footprint Network, que mostrou que todos os recursos naturais consumidos depois do dia 22 de agosto de 2020 não conseguirão ser repostos pelo planeta dentro do mesmo ano.

Na prática, já entramos no “cheque especial” da Terra, já que, segundo uma ferramenta da própria organização, os brasileiros em média precisariam de mais de um planeta para sustentar o próprio estilo de vida.

Para o professor de Economia Tyler Cowen, porém, a visão é outra. Ter mais filhos, afirma, pode não ser parte do problema, e sim da solução.

Para aqueles que não querem ter filhos, mas acreditam que é possível reverter as mudanças climáticas, Cowen sugere que com mais crianças no mundo é mais provável que entre esses novos cidadãos surja alguém com capacidade para encontrar esse remédio climático.

“Mais pessoas, de acordo com o economista vendedor do Nobel Paul Romer, criam mercados maiores para a inovação. Existem mais remédios para doenças comuns do que para doenças raras, precisamente porque o tamanho desse mercado é maior. Com mais crianças, aumenta-se a demanda por remédios para a mudança climática,” avaliou.

Sortuda por não ter filhos

A jornalista Ann Neumann cuidou do pai em seus últimos dias de vida quando ele esteve em um tratamento de saúde.

A experiência, descrita no livro The Good Death [A Boa Morte], parece ter impactado bastante a vida dela a ponto de Neumann ter escrito um artigo em que descreve o pavor que sentiu por ter se apaixonado por um homem pela primeira vez em 20 anos.

“Eu soube que estava em sérios problemas quando me encontrei pacientemente, e talvez até feliz, passando as camisas dele. Quem diabos eu me tornei? Em um flash, percebi que era uma mulher cuidando de um homem,” escreveu em um artigo publicado no The Guardian.

“Tarefas domésticas, em particular aquelas feitas para servir um homem, são para mim um sinal bem claro para correr no sentido oposto. Fuja, é uma armadilha! Cuidar é a principal droga de entrada na vida de uma mulher. Começa pegando a roupa na máquina de lavar, e a próxima coisa que você verá é você mesma nocauteada e tentando entender onde foi parar sua carreira como escritora. Nunca fique grávida, este é o conselho mais notável que meu pai divorciado já me deu,” afirmou.

Entre outras amarguras, a autora, que celebra a liberdade trazida pela própria escolha, culpa o capitalismo por “incentivar a mítica família tradicional” ao enxergar a falta dos pais como uma crise nas famílias, criticar o divórcio e os filhos fora do casamento.

Neumann se diz uma mulher de sorte por não ter tido filhos, após décadas de controle de natalidade e dois abortos.

“Se tempo é dinheiro, tempo é crianças também. As mães de hoje podem ter de tudo – uma carreira, um casamento, uma casa bonita e limpa, plano de saúde, crianças amorosas – mas só se puderem pagar por uma empregada doméstica, algo necessário para que isso aconteça. Sem crianças, eu pude direcionar meu tempo e minha atenção ao meu trabalho e à minha comunidade,” disse a escritora.

Nascimento não consentido

O indiano Raphael Samuel foi ainda mais longe em sua estranha jornada antinatalista: ele quer processar os próprios pais porque, segundo ele, não pediu para nascer. E por isso deveria receber uma espécie de indenização por toda a vida.

Seus pais são advogados, e em entrevista à BBC, Samuel disse que a mãe recebeu bem a história do processo. “Ela disse que tudo bem, mas não espere que eu vá pegar leve com você. Eu vou te destruir no tribunal”, comentou.

Samuel defende que a Terra seria um lugar mais feliz se a humanidade fosse extinta. “Não existe sentido na humanidade. São tantas pessoas sofrendo. A existência humana é totalmente sem sentido. Eu queria não ter nascido. Mas não é que eu não esteja feliz com a minha vida. Minha vida é boa, mas eu preferiria não estar aqui. É como se [a vida] fosse um quarto legal, mas eu não queria estar dentro desse quarto,” descreveu o empresário, de 28 anos.

Por que isso é errado

O filósofo David Benatar tenta impor alguma lógica em seu pensamento estabelecendo uma assimetria entre a presença e a ausência de sentimentos bons e maus. “Para uma pessoa que já existe, a presença de algo ruim é ruim, e a presença de algo bom é bom,” começa ele.

“Mas compare com um cenário no qual essa pessoa nunca existiu – então, a ausência de algo ruim seria boa, e a ausência de algo bom não é necessariamente ruim porque não haveria ninguém a ser privado das coisas boas,” conclui.

Benatar defende essa assimetria como uma espécie de golpe definitivo na crença a favor da existência humana. “Dessa forma, todo o desprazer, toda a miséria e todo o sofrimento deixariam de existir, sem nenhum custo,” ratificou.

Mas a assimetria de Benatar é falha ao dizer que a ausência de algo bom não seria necessariamente ruim por não ter ninguém a ser privado das coisas boas, e ao mesmo tempo assumir que a ausência de coisas ruins seria boa. Mas boa para quem, se não haveria ninguém a ser importunado pelas coisas ruins?

No mais, há os que defendem que a Terra será um planeta inviável daqui a alguns anos, e que a falta de recursos seria algo crítico e irreversível. Tal ideia se baseia no pensamento de Thomas Malthus, um economista do século XVIII que trabalhou, entre outros temas, com a teoria demográfica.

Em seus estudos, Malthus determinou que a produção de alimentos crescia em um ritmo mais lento do que a população, e que em cerca de dois séculos o número de pessoas no planeta teria crescido 28 vezes mais do que a produção de alimentos.

Mas, como bem observou o pesquisador Ricardo Borin em artigo publicado no Instituto Liberal, Malthus estava errado. “O aumento populacional fomenta a divisão do trabalho, a qual possibilita a especialização nos mais diferentes campos laborais  —  inclusive a produção de alimentos. Ou seja, a escassez alimentícia anunciada por Malthus  —  e propagada por ‘cavaleiros do Apocalipse’ preocupados apenas com suas contas bancárias  —  não se confirmou justamente por conta do elemento que deveria ser seu catalisador: a expansão da população humana”, apontou.

Sobre a afirmação de que a vida humana é uma eterna sucessão de sofrimento, dor e angústia, Borin compartilha do mesmo pensamento do economista Tyler Cowen: a vida que vivemos hoje é muito mais confortável do que a de gerações passadas.

“Os pais que tiveram filhos em tempos medievais”, lembra o economista, “nasceram antes dos antibióticos e das vacinas. De todas as crianças que já existiram, esses nasceram em condições muito difíceis”, pontuou.

Talvez tudo isso seja, como bem definiu o filósofo Luiz Felipe Pondé, um sinal de imaturidade.

Em artigo publicado na Folha de São Paulo, Pondé afirma que “a antinatalista se leva muito a sério e se vê como um ser sublime que quer salvar o mundo através do que é, na verdade, pura preguiça, narcisismo, falta de amadurecimento, recusa de responsabilidade e por aí vai. A antinatalista é uma mimada que mente sobre o seu próprio ato”, definiu.

Pondé classifica o antinatalismo como uma “modinha” mais comum em ambientes onde há uma certa estabilidade financeira.

Segundo o filósofo, esses jovens estariam adiando atitudes compreendidas como marcadores de vida adulta, como morar sozinho, se autossustentar, estabelecer vínculos afetivos de média duração e ter filhos.

“No meio dessa atitude, os antinatalistas seriam uma espécie radical, em recusar a vida adulta e as responsabilidades. A maior responsabilidade que existe é quando você coloca alguém no mundo. Essas pessoas que fazem a histerectomia total dizendo que o fazem em nome da humanidade ou em nome dos animais que vão ser sacrificados pela humanidade, na verdade acho que o fazem em nome dos problemas psicológicos que elas provavelmente têm ou em nome da própria vontade de não ser responsável por nada”, concluiu o filósofo.

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