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Entrevista

Antônio Risério: “Cada vitória dos movimentos identitários é um fracasso”

No livro "Sobre o relativismo pós-moderno e a fantasia fascista da esquerda identitária", o antropólogo Antônio Risério expõe a farsa identitária. (Foto: Divulgação)

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O escritor e antropólogo Antônio Risério é um velho conhecido da esquerda brasileira. Com mestrado na Universidade Federal da Bahia, ele trabalhou no Ministério da Cultura em 2004 e participou das campanhas dos ex-presidentes Lula e Dilma, nas quais atuou no núcleo de criação e estratégia.

No fim de 2019, Risério publicou o livro Sobre o relativismo pós-moderno e a fantasia fascista da esquerda identitária, no qual defende que a luta pelas pautas identitárias (em outras palavras, os direitos das minorias), tão importantes nas lutas da esquerda nas décadas de 1960 e 1970, se desvirtuou e passou a se aproximar perigosamente do fascismo, isolando a sociedade em verdadeiros guetos nos quais impera um pensamento único de superioridade da causa.

Para o autor, esse fenômeno é o responsável por criar um estado de coisas no qual é impossível avançar em debates importantes, uma vez que argumentos dissidentes são subjugados pela verdade única do identitarismo, ainda que esses preceitos não correspondam aos fatos históricos ou à realidade objetiva.

Dono de um estilo leve, Risério consegue, com seu texto, fazer uma crítica à esquerda vinda da própria esquerda, demonstrando preocupação com esse cerceamento do pensamento que considera antidemocrático.

Nesta conversa, o escritor baiano explica como os movimentos identitários operam, os efeitos do fanatismo e expõe as formas que podem ser usadas para combatê-lo.

Há, nas universidades, diversas cadeiras e especializações voltados ao estudo de minorias. Defender movimentos identitários é lucrativo?

Deve ser. Vejo com simpatia ações como a Parada Gay. O que alerto é que estes movimentos estão criando reservas de mercado e é evidente que existe um discurso programaticamente pessimista para dizer que nada mudou, que tudo é a mesma droga, porque é isso o que garante as fontes de financiamento. Se eles disserem que as coisas estão mudando, perdem muito do discurso e das fontes de financiamento.

Se a base do pensamento identitário é a crença na existência de um solo histórico imutável, que limita a visualização de transformações posteriores, isso não torna a luta identitária uma eterna perseguição a um ideal impossível?

Eles [os movimentos identitários] não querem resolver nada. A razão de ser da vida deles é ficar nessa confusão e cada vitória deles é um fracasso, uma derrota, pois aponta para o próprio fim. Cada avanço nesta situação é feito para que a luta dê certo, mas, no caso dos identitários, cada vez que dá certo é um problema, porque dissolve o meio de vida e o ganha pão deles, porque eles acham que estão no mundo para isso. Eles falam que é para transformar, mas, toda vez que há uma transformação, fazem de conta que nada aconteceu, porque precisam ficar parados no tempo, senão o movimento perde sua razão de ser. Você luta para liberar a maconha, digamos. Na hora em que ela for liberada, não é mais necessário lutar por isso, mas parece que eles não aceitam que essas coisas terminem. Aí a insistência em dizer que tudo é horrível e que as coisas estão piores, o que é uma grande mentira. A situação da mulher, hoje, é muito melhor do que a do século passado, não tem comparação.

Seu livro descreve duas fases do movimento identitário: a busca pelo reconhecimento do outro e a posterior rejeição dele. Em que momento ocorre essa mudança?

Toda a esquerda, todas as forças democráticas lutaram por isso na década de 1970. A mudança ocorre a partir da década de 1980. Eles não querem mais saber do outro e é assim que vão se afirmando vitoriosamente. Eles rejeitam a autoridade.

Qual a importância do ensino da história comparada?

É importante saber, por exemplo, que a situação da mulher melhorou em relação ao século passado. Quando você compara outros povos, vê que a grande opressão que reina sobre as mulheres no mundo de hoje é muçulmana. Mas a grande luta da mulher é contra um ocidente patriarcal que não existe mais. Então se você conhecer outras sociedades ou outras culturas, não vai cair nessa. As culturas africanas eram todas escravagistas, extraíam o clitóris das mulheres para que elas não tivessem orgasmos e as feministas não se preocupam com isso porque os negros também são vítimas. Os identitários perdoam os crimes identitários e colocam todas as culpas nesse tal de ocidente patriarcal. O negro põe a culpa no ocidente branco, parece algo de desenho animado. O problema desse maniqueísmo é que eles são o bem e o resto é o mal. E isso é coisa de fanatismo.

O que pode ser feito para combater esse fanatismo?

Primeiro as pessoas precisam tomar posições claras em relação a isso. No Brasil, políticos, artistas e intelectuais fazem vista grossa. Ninguém foi para a discussão [com os movimentos identitários]. Eles falam, por exemplo, que certas coisas aconteceram na história do Brasil e cadê os historiadores para dizerem que isso tudo é falso? São poucos os que fazem isso. Posso dar poucos exemplos como o Manolo Florentino, historiador que encara essa discussão, mas eles são raros e a maioria prefere se recolher. Os políticos não vão se meter. Um ex-deputado, amigo meu, disse uma vez: “você pode tomar estas atitudes, mas eu não porque sou político”. Que maluquice é essa? Justamente por ser político é que ele precisa se pronunciar. O político só pensa em voto e não quer briga com movimentos negros ou feministas. Pouco importa se concordam ou não com aquilo. Nós já tivemos políticos e jornalistas e intelectuais e artistas mais sérios no Brasil. Eles fazem vista grossa.

A longo prazo, quais as consequências da continuidade do pensamento sectarista nos movimentos identitários?

Na verdade, isso tende a ficar para trás. Pense em uma moda, só que é uma moda que está causando estragos enormes na sociedade por ter fragmentado tudo. Veja as gerações mais novas, aqui no Brasil, as pessoas mais preparadas, mais inteligentes, mais estudiosas. Nenhuma delas leva o identitarismo a sério. A tendência é que isso fique para trás.

Você descreve o processo de cerceamento dos pensamentos contrários como algo semelhante à criação de guetos. Este fenômeno se limita aos movimentos identitários de esquerda ou pode ser visto também em outros espectros ideológicos?

É algo presente em várias áreas, como política ou religião. Vejo tanto nos petistas quanto nos evangélicos, nos bolsonaristas, todos fechados em seus guetos mentais. São as polarizações que dividem o Brasil hoje.

Os movimentos identitários realmente defendem as minorias ou as minorias não passam de massa de manobra?

Não sei se chamaria de massa de manobra. É engraçado que há uma série de inversões em uma suposta luta libertária que é, na verdade, autoritária, na qual a intolerância se disfarça de tolerância. Inverteram tudo. O erro básico de ser identitário é que eles acham que são o bem e que o mundo é o mal, que eles são moralmente superiores ao resto da humanidade. Ali está a verdade absoluta, na qual ninguém pode tocar porque a verdade já foi revelada. É um pensamento antigo e reacionário e, claro, fadado a ser superado, porque não há abertura para o movimento real da vida.

O discurso racialista no Brasil, hoje, é importado dos Estados Unidos. Há um porém: diferentemente daquele país, somos um povo muito mais miscigenado. Como isso influencia o neomovimento negro?

Eles não conseguem ler o Brasil e têm uma imagem falsificada do país, divididos em brancos e pretos. No entanto, o número de mestiços cresce a cada dia. Eles criam uma fantasia e a maior parte do povo não se reconhece nela. A questão de cotas, por exemplo, é uma confusão. Eles nunca conseguem ver quem é ou não preto, porque, claro, o brasileiro é misturado. A faixa que eles carregaram na avenida Paulista, que dizia que miscigenação é genocídio, é uma grande mentira, porque foi carregada por mestiços. Se aquelas pessoas, mestiças, estavam vivas, é porque não se trata de genocídio.

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