Um dos anúncios comprados pela Rússia que o Facebook compartilhou com investigadores parlamentares na segunda-feira (2) mostrava fotos de uma mulher negra armada “atirando a seco” com um rifle – puxando o gatilho da arma sem uma bala dentro dela, de acordo com pessoas familiarizadas com a investigação. Os investigadores acreditam que o anúncio pode ter sido criado para encorajar a militância afro-americana e alimentar o medo em comunidades brancas. No entanto, o propósito exato do anúncio permanece obscuro para os investigadores.
A tática aparente destaca a forma como os russos utilizaram plataformas de tecnologia dos Estados Unidos para atingir americanos com mensagens altamente personalizadas e por vezes contraditórias para explorar as divisões na sociedade americana nos últimos dois anos.
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O anúncio estava entre mais de 3 mil outros anúncios do Facebook entregues a investigadores parlamentares que a empresa diz terem sido comprados por 470 perfis e páginas controladas por uma “troll farm” russa, a Internet Research Agency, localizada em São Petesburgo (as “fazendas de trolls” se dedicam a criar conflitos na internet através de comentários provocativos).
O universo completo de palavras e imagens contidos nesses anúncios ainda não veio a público, mas as primeiras revelações trazidas pelo Washington Post e outros veículos de imprensa mostraram que a campanha russa buscou, com frequência, agravar as fraturas já existentes na sociedade americana, enquanto também ajudou a impulsionar a campanha eleitoral de Donald Trump.
Entre os anúncios do Facebook que os parlamentares tiveram acesso estavam aqueles contendo fotos de Hillary Clinton atrás do que pareciam ser as grades de uma prisão. A imagem reverberava os pedidos de Trump e seus seguidores durante os comícios de campanha, que diziam “prendam-na” – prender Clinton por utilizar um e-mail pessoal enquanto era Secretária de Estado.
A campanha de desinformação russa incluía anúncios com imagens e linguagem grosseira sobre imigrantes ilegais. Outros destacavam grupos de direitos civis como o Black Lives Matter e o apoio de eleitores muçulmanos à campanha de Clinton.
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“Esses anúncios são propaganda racista, pura e simples”, diz Malkia Cyril, uma ativista do Black Lives Matter em Oakland, na Califórnia, e diretora executiva da organização sem fins lucrativos Center for Media Justice.
“É irrelevante se eles parecem ser contra ou a favor dos direitos civis dos negros. O objetivo deles é subverter a democracia para todos usando estereótipos contra os negros – uma ideia tão antiga quanto os Estados Unidos”.
As ferramentas desenvolvidas pelo Facebook e outras empresas americanas em anos recentes deram aos anunciantes um poder sem precedentes para identificar pessoas suscetíveis às suas mensagens e mostrar-lhes anúncios dirigidos repetidamente, ao longo de semanas ou meses, enquanto elas navegam pela internet.
A liberação de informações para o Congresso é parte de uma ampla investigação do governo sobre como agentes russos utilizaram o Facebook, Twitter, Google e outras plataformas de tecnologia. Essas empresas passaram a sofrer com uma crescente pressão por parte do Congresso para investigarem o envolvimento russo e estão diante da possibilidade de serem submetidas a novas regulações que poderiam afetar seu gigantesco negócio de anúncios.
Além de revelar os anúncios, o Facebook está fornecendo aos legisladores informações sobre quais usuários foram alvos, o total de visualizações e cliques que os anúncios receberam, e os métodos de pagamento utilizados pelos agentes russos. Os anúncios foram vistos dezenas de milhões de vezes, segundo fontes familiarizadas com a investigação.
“A questão é que nós estaremos indo em frente amanhã para ajudar o Congresso a entender a interferência estrangeira na plataforma de anúncios e fazer melhorias nela em busca de um aprimoramento na transparência”, disse Joel Kaplan, vice-presidente do Facebook para política pública nos Estados Unidos, em uma entrevista conferida no domingo.
“Estamos comprometidos a fazer a nossa parte para prevenir esse tipo de interferência maliciosa”.
A empresa reconheceu que muitos dos anúncios postados pelos agentes russos para disseminar divisões culturais não seriam cobertos pelas novas salvaguardas que serão aplicadas a anúncios que mencionam candidatos.
O Facebook disse que a maioria dos anúncios adquiridos pelas 470 páginas e contas associadas com a Internet Research Agency russa focavam em questões sociais e não nomeavam os candidatos.
A empresa também disse que liberaria mais informações sobre propagandas políticas no Facebook e que estava acrescentando medidas de segurança para fechar o cerco contra a intromissão estrangeira nos seus sistemas de anúncio. O Facebook deu poucos detalhes sobre o que essas medidas de segurança fariam, dizendo apenas que estava acrescentando novos requerimentos de documentação pelos quais os anunciantes teriam que provar que são organizações políticas legítimas antes de comprar anúncios. O Facebook também declarou que está planejando contratar mais mil revisores de propaganda nos próximos meses (o Facebook também está em processo de contratar milhares de revisores para examinar outros tipos de conteúdo, como discursos de ódio e vídeos ao vivo).
Mudança nas regras
O Facebook agora exige que os grupos que publicam anúncios políticos na rede social devem postar cópias de todos os anúncios que adquiriram. Essa mudança, anunciada mais cedo pelo CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, é algo que vinha sendo pedido há muito tempo pelos defensores de uma transparência no governo.
Tais defensores disseram que é injusto que, diferentemente de emissoras de TV, o Facebook e outras companhias online não estejam sujeitos às exigências federais de revelar os nomes dos grupos que estão comprando anúncios políticos em suas plataformas e a quantia investida, mesmo em um momento em que as redes sociais ocupam uma parcela cada vez maior dos orçamentos de publicidade em campanhas políticas e os anunciantes políticos se tornam alguns dos maiores anunciantes do Facebook.
A decisão do Facebook de revelar o conteúdo dos anúncios vai além das exigências atuais impostas às emissoras.
As campanhas políticas atualmente investem cerca de 25 a 35% dos seus orçamentos em publicidade online, e a maior parte desta quantia sendo destinada ao Google e ao Facebook, segundo Zac Moffatt, chefe executivo da empresa de estratégia digital pró-Republicana Targeted Victory. Moffatt disse que a decisão do Facebook de publicar o conteúdo dos anúncios incentivará outras companhias online a fazer o mesmo. A decisão também pode aumentar os lucros do Facebook, pois dar visibilidade aos investimentos online encorajaria os anunciantes políticos a destinar valores ainda maiores para equipararem-se a seus rivais.
A ação do Facebook é um distanciamento de sua prática habitual, na qual os usuários da rede social podem ver apenas os anúncios e postagens que o algoritmo da empresa destina diretamente a eles.
O Twitter disse na semana passada que também havia fechado 201 contas ligadas aos mesmos agentes russos que postaram milhares de anúncios políticos no Facebook. O Google está conduzindo sua própria investigação interna a respeito da interferência russa.
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