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Efeito da pandemia

Aparecida, a cidade onde mais de 70% da população está desempregada

A Basílica de Aparecida sem fiéis, por causa da pandemia (Foto: Divulgação)

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Quem anda pelas ruas de Aparecida, pequena cidade localizada no Vale do Paraíba, em São Paulo, hoje mal a reconhece. Antes, sempre lotada de romeiros, que vinham de todo o país à Basílica de Nossa Senhora Aparecida para pagar promessas feitas à santa, em agradecimento às graças recebidas, ou fazer novos pedidos, hoje é um lugar deserto.

A jornada de fé movimentava um comércio forte, desde a venda de santinhos e medalhas, até hotéis e restaurantes. A cidade é repleta de empresas de pequeno porte e milhares de empregos informais gerados pela comercialização dos mais diversos serviços e produtos com foco no turismo religioso.

Considerado o maior centro de peregrinação religiosa da América Latina, de acordo com a prefeitura, Aparecida recebe todos os anos 13 milhões de peregrinos. Em 2020 esse número caiu para 3 milhões, uma queda de quase 80%.

Segundo dados da Secretaria de Comércio, Indústrias e Serviços de Aparecida, a cidade de pouco mais de 36 mil habitantes possui uma feira livre com cerca de 2.300 licenças, gerando quase cinco mil empregos diretos. Se forem considerados todos os trabalhadores informais que dependem dessas feiras, como montadores de barracas e vigias noturnos, esse número chega a seis mil.

A pasta ainda acrescenta que o alto número de trabalhos informais dificulta a precisão de quantas pessoas estão sem trabalho, mas diante das estimativas acredita-se que 70% a 80% dos aparecidenses estão sem trabalho. Um levantamento feito com as imobiliárias da cidade, aponta que chega a 70% a inadimplência com os aluguéis em Aparecida.

Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), apontam que Aparecida acumula uma perda de 14% de empregos formais ao longo de 2020 entre admissões e demissões.

Batalha Judicial

No dia 08 de março a justiça derrubou a liminar que permitia que Aparecida operasse na fase laranja, determinando que voltasse à fase vermelha decretada pelo governo estadual. De acordo com esse decreto, que vai até dia 30 de março, apenas serviços considerados essenciais (farmácias, supermercados, postos de gasolina, hospitais e outros poucos serviços) poderão funcionar. Com isso, foi novamente ordenado o fechamento total do comércio da cidade.

Em entrevista à rádio Jovem Pan, o prefeito, Luiz Carlos Siqueira (Podemos), disse que a situação da cidade é uma tragédia e que perdeu ao longo do último ano cerca de 12 milhões de peregrinos e que 70% da população está desempregada.

“Nossa cidade vive em função da fé, da peregrinação. Nosso sócio econômico se sustenta aos pés da Mãe Aparecida, da padroeira do Brasil, nós não temos outra atividade aqui”, afirmou.

“É uma tragédia, uma tristeza viver aqui. Uma tristeza muito maior estar na condição de prefeito governando uma cidade hoje que passa fome. Uma cidade que não tem mais liquidez. Eu não tenho mais recursos próprios, porque se as pessoas não têm mais dinheiro para comer, muito menos elas terão dinheiro para pagar os tributos”, disse o prefeito.

Sem renda

Pessoas de todos os níveis da cadeia que era sustentada pelos turistas foram atingidas pela crise. É o caso de Welington Gervásio, de 24 anos, montador de barracas na feira, que se viu sem nenhuma renda após o fechamento do comércio. Até pouco tempo atrás, ele ainda conseguia doações dos seus clientes. Mas, segundo ele, agora nem a isso pode mais recorrer. Welington afirma que está em desespero, pois não tem dinheiro nem para comprar o leite do filho.

“Nem eu e nem minha esposa temos carteira assinada. Tá difícil o negócio. Quando estava a feira funcionando eu tirava R$ 500,00 por semana, agora não vejo mais nem um real.”

Welington conta que ele e sua esposa procuraram ajuda na assistência social da cidade, para receberem o Bolsa Família, mas foi informado que a aprovação demora de seis meses a um ano.

A autônoma Francilene de Sousa, de 41 anos, também sentiu o baque da crise, mesmo sendo moradora de Guaratinguetá, cidade vizinha a Aparecida. Ela conta que toda a sua renda e a dos seus pais, que já são idosos, dependem do turismo religioso. Francilene vende tortinhas e marmitas, a mãe vende terços no estacionamento da Basílica, e o pai é vendedor ambulante.

Criando três filhos sozinha e dividindo o pouco de doações que recebe com os pais, Francilene revela o seu pior medo: a fome.

“Minha preocupação, além desse vírus e da proibição do governo [estadual] em não deixar o povo trabalhar, é morrermos de fome. Pois a fome dói, a fome também mata.”

Rose Fernandes, de 41 anos, vendedora de imagens religiosas, também narra uma situação dramática. Sem conseguir vender os seus produtos e correndo o risco de ser despejada de onde mora, Rose está sem comida, apenas com uma pequena quantidade de arroz que recebeu de doação para se alimentar.

“Não sei o que fazer. Tem muita gente passando fome e eu já fico preocupada porque estou ficando sem nada”.

O empresário do ramo hoteleiro Tiago Henrique, de 34 anos, é mais um que se vê numa situação difícil. Ele conta que não recebe mais nenhum hóspede devido ao lockdown e que isso tem afetado duramente a sua renda, pois não consegue trabalhar. Para ele, o ‘lockdown’ decretado foi uma medida absurda, devido aos números da pandemia na cidade. Isso, segundo ele, fez com que a cidade ficasse na miséria.

Até mesmo gente que vive em outros estados se vê em dificuldade. É o caso da mineira Elaine Martins, de 44 anos, que é moradora de Belo Horizonte, mas organiza excursões de romeiros para Aparecida há mais de dez anos. Elaine conta que parte importante de sua renda vem dessas excursões, mas o que mais lhe dói é não poder mais visitar a cidade da santa que é devota.

“Percebo um vazio dentro de nós. Vejo em reportagens a cidade vazia e isto dá uma tristeza por não poder estar indo até a casa de nossa mãezinha! É muito triste ver esta situação. Eu peço muito a Deus para que tudo isso passe logo, que volte a vida normal e possamos visitar a cidade novamente,”

UTIs lotadas

A Santa Casa de Aparecida informou à reportagem que o hospital está superlotado e não há nenhum leito disponível. Funcionários falam de uma situação desesperadora pois, além do grande número de pacientes, há também falta de funcionários.

Segundo boletim epidemiológico produzido pela Santa Casa e publicado pela prefeitura na última sexta-feira, dia 19, o hospital está com 46 leitos ocupados, sendo 32 pacientes da cidade de Aparecida e 14 de outros municípios. Atualmente quatro pacientes fazem o uso de respirador mecânico. A cidade contabiliza 1.811 casos confirmados, 68 pessoas em isolamento domiciliar e 43 óbitos.

Os dados sobre o número de leitos disponíveis foram solicitados, mas não foram enviados até a publicação desta reportagem.

Missas virtuais

O Santuário Nacional de Aparecida nos informou que a basílica segue aberta para visitação, mas seguindo todas normas e protocolos sanitários do governo do Estado de São Paulo e contando com controle de acesso para garantir a redução de fiéis nos espaços.

A realização de missas está restrita, sem a participação do público. As celebrações estão sendo transmitidas pela Rede Aparecida de Comunicação e pelas redes sociais do Santuário Nacional.

Como ajudar

Diante da repercussão da fala do prefeito, milhares de pessoas entraram em contato com a cidade para fazer doações. O Fundo Social de Aparecida então anunciou que estaria recebendo e distribuindo doações para as pessoas em situação de vulnerabilidade.

O Fundo Social de Aparecida informa que os interessados podem entregar alimentos, roupas, produtos de higiene e materiais no Centro Educacional do Jovem Aprendiz (CEJA/CEMEP) que fica na Rua Simplício Soares, s/n, Centro, Antigo Mercado Municipal.

As doações de recursos financeiros podem ser depositadas no Banco do Brasil, Ag: 1451-6, C/C: 3320-0, CNPJ: 46.680.518/0001-14. Mais informações pelo telefone (12) 3104-4000 (ramal 4045). Ao realizar o depósito é necessário informar o número da conta e o CNPJ da Prefeitura Municipal.

"As doações serão destinadas às famílias que vivem em situação de vulnerabilidade social na cidade", informa o Fundo.

Segundo nota enviada pela prefeitura, a Secretaria de Desenvolvimento Social e Promoção Social, por meio dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), está oferecendo suporte às famílias carentes de Aparecida. As unidades estão atendendo todas as famílias que apresentam situação de vulnerabilidade. Até então os cadastros apontavam 2.500 famílias.

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