Em manifestação na Cidade do México, venezuelanos protestam contra os resultados do Conselho Nacional Eleitoral, deu vitória ao ditador da Venezuela Nicolás Maduro.| Foto: EFE / José Méndez
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Você já aliviou sanções sobre um governo inimigo apenas para vê-lo causar um banho de sangue pouco tempo depois? Já reverteu as políticas criadas por seu antecessor somente para acabar numa situação pior do que antes?

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Se isso soa familiar, você não está sozinho; esses cenários estão prestes a se repetir – mais uma vez – para Joe Biden, desta vez na Venezuela, que balança à beira de uma potencial guerra civil na esteira de uma eleição amplamente considerada pela comunidade internacional como manipulada pelo ditador Nicolás Maduro.

Embora não se possa atribuir a Biden a responsabilidade pelos eventos na Venezuela, a influência americana reflete claramente os fracassos da política externa durante sua administração.

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Em outubro passado, após 18 meses de intensas negociações no Catar, o Governo Biden anunciou uma pausa temporária das sanções às exportações de ouro e petróleo venezuelano por seis meses. Na teoria, a contrapartida foi a libertação de cinco presos políticos pelo regime de Maduro e a celebração de um acordo por eleições livres e justas no país – o Acordo de Barbados.

Na prática, a reversão das sanções, impostas à Venezuela durante o Governo Trump, teve como objetivo facilitar a compra de petróleo venezuelano pelos Estados Unidos numa tentativa de baixar os preços dos combustíveis e resgatar a economia americana de uma espiral inflacionária.

Portanto, Joe Biden não se preocupou em exigir qualquer monitoramento internacional das eleições venezuelanas, reformas profundas da legislação eleitoral ou medidas de transparência – se contentando com o acordo mais básico que fizesse o petróleo fluir.

Um ex-alto funcionário dos EUA descreveu as concessões como sendo “de uma generosidade impressionante”, segundo o Financial Times. Na época, a oposição venezuelana alertou que o governo americano era ingênuo ao acreditar que Maduro pretendia realizar eleições livres e que aliviar as sanções apenas impulsionaria uma “explosão da corrupção”.

O Departamento de Estado de Biden rapidamente rebateu essas críticas, insistindo que o acordo colocava em vigor uma “nova estrutura de incentivos”, sob a qual o regime de Maduro não precisaria mais recorrer ao mercado negro para exportar suas commodities, supostamente tornando as transações mais lucrativas e alinhando interesses entre americanos e venezuelanos. Uma garantia frágil como admitiu uma fonte anônima do congresso americano ao Financial Times: “Estamos traçando uma linha na areia, para tentar evitar escalada autoritária”.

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Vale lembrar que em setembro de 2023, um mês antes de aliviar as sanções sobre a Venezuela, o Governo Biden aprovou a liberação de US$ 6 bilhões em ativos iranianos congelados, em um acordo que trocou cinco prisioneiros iranianos por cinco americanos detidos no Irã.

O diplomata americano responsável pelo acordo, Brett McGurk, assegurou ao mundo que o dinheiro seria usado apenas para fins estritamente humanitários. No entanto, apenas um mês depois, o grupo terrorista Hamas, financiado pelo Irã, lançou os mortais ataques de 7 de outubro a Israel, desencadeando o conflito em andamento na região.

Agora, às vésperas das eleições na Venezuela, Maduro prometeu literalmente um “banho de sangue” caso saísse perdedor — e tudo indica que ele segue disposto a cumprir sua promessa.

Assim como com o Irã, as tentativas de Biden de apaziguar uma ditadura brutal falhou novamente com Maduro. Só que agora, as consequências estão se desdobrando a apenas 2.000 quilômetros das fronteiras dos Estados Unidos – aproximadamente metade da distância entre Los Angeles e Nova York.

Conforme aconteceu com a situação na fronteira dos EUA com o México – onde o afã de Biden em reverter as políticas da era Trump acabou causando tantos problemas que ele foi obrigado a retomar muitas das políticas descartadas – as sanções à Venezuela foram restabelecidas em abril passado, quando provavelmente já era tarde demais.

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À medida que as tensões políticas aumentam, também aumenta o risco de uma imigração em massa de venezuelanos para os Estados Unidos, uma situação que há muito tempo preocupa políticos e especialistas. Apesar disso, a vice-presidente Kamala Harris – apontada como ‘chefe da fronteira’ por Joe Biden – tem preferido se concentrar em outras questões, como a promoção do aborto, em vez de lidar com “questões complexas como imigração”, segundo reportagem da Associated Press.

Para piorar a situação, Maduro é considerado o maior aliado de Vladimir Putin no continente, com Venezuela e Rússia cooperando cada vez mais em áreas como óleo & gás e defesa, e realizando exercícios militares conjuntos nos últimos anos.

Em dezembro passado, a ditadura venezuelana aprovou com sucesso um referendo nacional buscando anexar a região rica em petróleo do Essequibo, pertencente à vizinha Guiana — um território que se estende por 85.000 quilômetros quadrados, aproximadamente a área do estado do Rio Grande do Norte.

Desde a realização do referendo, a Venezuela tem enviado tropas e armamentos e construído infraestrutura militar na região da fronteira com a Guiana. Em resposta, em maio passado, dois caças F-18 da Marinha dos EUA realizaram um voo sobre Georgetown, a capital da Guiana, em uma demonstração de força e apoio de Washington.

No entanto, uma mensagem muito mais significativa do que a imagem de dois caças sobrevoando a Guiana emerge ao analisarmos os eventos recentes, da retirada desastrosa do Afeganistão às guerras em curso na Ucrânia e em Gaza, até a ameaça iminente de guerra civil na Venezuela: os erros de política externa do Governo Biden não apenas estão se acumulando, mas também se aproximando cada vez mais de suas fronteiras.

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* Jefferson Vieira é economista com uma década de experiência no mercado financeiro e em organizações multilaterais, baseado na Europa.