Traficantes fazem circular por aplicativos de mensagem vídeos de execução e ostentação de força. Por isso, quando uma imagem de uma carreata tão armada quanto o Estado Islâmico começou a circular pelos celulares, as pessoas ficaram preocupadas a ponto de sair espalhando por aí. Jornalistas apuraram e, para alívio geral, a polícia disse que era só a gravação do clipe do MC 50, que usava de simulacros.
Ah, bom, assim, tudo bem! Pode entrar todo mundo numa BMW, ostentar simulacros de armamento pesado e sair gritando por aí que é o “Bonde do Jacaré”, na frente de um monte de criança. “Bonde” é como os cariocas chamam o comboio paramilitar de traficantes, que amiúde fazem rondas ostensivas. Um BOPE do tráfico.
O funkproibidão é liberado
Os cariocas estão familiarizados com um tipo de música chamado “proibidão”, que é o funk de propaganda de facções narcotraficantes. O que esse incidente na favela do Jacarezinho mostra é que, ao menos na prática, não há nenhuma razão para chamar os proibidões de proibidão.
É verdade que a censura é uma arma perigosa na mão do Estado, e que ela deve ser usada com cautela. É verdade, também, que não é correto criminalizar um gênero musical, e que isso teria um precedente na história do samba, já que andar por aí com violão e pandeiro era indício do crime de vadiagem.
Mas se não pudermos punir quem celebra bonde com imagens de fuzil na mão, puniremos o quê? E o fato de o vídeo ter passado por real, não indica nada acerca da normalização do tráfico no quotidiano do carioca?
Guerra ao Compadre Washington
Quando falamos em criminalizar algo relativo ao funk, logo aparecem intelectuais querendo dizer que o funk é a arte do pobre, e fazer paralelo com a prisão de sambista. Táti Quebra-Barraco e Valeska Popozuda súbito viram Chicas Buarques do feminismo, autênticos gênios do morro. Nas palavras de um esteta publicado pelo pessoal ligado ao GT “Educação em Direitos Humanos” da UFABC, “Tati [Quebra-Barraco, no poema Dako é bom] entra na grade complexa definida por Foucault pois o acidente enunciativo, em seu ruído ambíguo, expressa um objeto interditado: o sexo anal. Além disso, a expressividade do acidente é feita em dois lugares impróprios: ficcionalmente, em uma loja que é lugar frequentado por família pobre e predominantemente cristã, e, como ato enunciativo, na poesia, música, funk – o que, segundo a moral vigente, como um efeito dominó, esta enunciação contribui para deslegitimar a música como poesia, o funk como música e Tati como funkeira e artista respeitável.”
Mas todo mundo sabe que pobre não ouve só funk, que na mesma família de Táti, como o autor mesmo disse, tem um monte de cristão. E, podemos acrescentar, tem um monte de música com temática evangélica, chamada no Brasil de “música gospel” independentemente do ritmo. Não obstante, nunca veremos intelectuais destrinchando o cancioneiro de Aline Barros, botando algum filósofo canônico no meio. “A graça em Santo Agostinho e Ressuscita-me, de Aline Barros”, não é um paper de bom tom. Chique é Foucault Quebra Barraco.
Todo mundo sabe que essa mesma elite progressista que bate palma para funkeiro gosta de demonizar o crente, tachando-o de fundamentalista, obscurantista, repressor da sexualidade. Seja como for, progressista não tenta proibir show evangélico por causa do conteúdo das músicas. Mas o pior é que há, mesmo, um gênero musical perseguido por elites que detêm poder sobre a polícia: o pagode baiano, que desperta furor das feministas.
Em 2012, com o apoio do Ministério Público, a Assembleia Legislativa da Bahia aprovou o Projeto de Lei Antibaixaria, da petista Luíza Maia. A lei proíbe que músicas que “desvalorizem” a mulher sejam contratadas pelo poder público. Na Bahia, estado turístico, os shows estatais são frequentes e importantes, e certamente não deixaram de existir com a lei. Ao cabo, o gestor público ganhou amarras legais que o impedem de decidir o artista com base na popularidade de suas músicas, e pode ter que prestar contas a adoráveis coletivos feministas empoderados pelo Ministério Público.
A sanha progressista contra o pagode baiano se estende à iniciativa privada. Em 2014, o CONAR mandou retirar do ar uma propaganda em que o pagodeiro Compadre Washington por ser desrespeitosa à mulher, já que dizia a palavra “ordinária”. Depois, voltou atrás a pedidos. Mas o Ministério Público da Bahia -- aquele, que cortou o bifinho das crianças pobres -- em 2017 mandou recomendações expressas para que a banda É o Tchan!, integrada pelo Compadre Washington, retirasse das portas dos banheiros as inscrições “Inocentes” e “Ordinárias”, para indicar banheiros masculino e feminino. Tudo isso em nome do “enfrentamento a injustiças históricas e práticas desrespeitosas sofridas especialmente por mulheres, homossexuais, negros, comunidades religiosas de matrizes africanas e grupos sociais oprimidos.” Será que o Compadre Washington seria declarado branco por um tribunal racial das universidades federais?
Pois é. Parece que, anos após lutar contra Washington, DC, a esquerda brasileira se arrefeceu, passou a imitar tudo quanto venha da esquerda dos EUA, e reservou todo o antiamericanismo para a luta contra Washington, o Compadre.
Os proibidões têm precedente mexicano
Em países onde os cérebros encarregados da segurança pública são mais sérios, o fenômeno da propaganda musical de narcotraficantes é visto com preocupação. Vanessa Neumann, em "Lucros de Sangue" (Editora Matrix, 2018), traz um panorama latino-americano e até jihadista do uso de música para levar os jovens pobres às armas. “Os cartéis de drogas utilizam a narcocultura, ou seja, a cultura do narcotráfico. A narcocultura tem ampla penetração: engloba todas as mídias e meios culturais existentes, da música ao jornalismo e ao grafite. O videoclipe da música 'El movimiento Alterado – Carteles Unidos, Volume 5' teve quase 3,7 milhões de visualizações no YouTube; o clipe celebra a violência do cartel de Sinaloa (o cartel de El Chapo Guzmán) – com descrições de decapitações, por exemplo –, insistindo que ‘os cartéis unidos lutam para proteger a sua terra’. Isso significa proteção contra o governo: em outras palavras, os Carteles Unidos se posicionam como uma insurgência.”
Quem morre com isso são aqueles jovens que, em consonância com a demografia brasileira, são de maioria parda. Depois, intelectuais ociosos pegam essa estatística, dizem que são todos negros, alegam que isso prova o racismo estrutural e pedem cota racial em universidade. E o Ministério Público, que vê tudo isso, vai correr atrás do Compadre Washington ou brigar pra tirar o bife das crianças.
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