As lojas de aplicativos da Apple e do Google são a fonte primária de acesso a serviços de milhares de empresas ao redor do mundo| Foto: Bigstock
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O desfecho da recente batalha travada no Twitter por Elon Musk mostra que a Apple continua mandando no mundo dos aplicativos, junto com o Google, e até o homem mais rico do mundo precisa ceder para manter a boa vizinhança. No início desta semana, Musk criticou a Apple por censura e cobrança de taxas excessivas, alegando que eles ameaçaram “retirar o Twitter de sua App Store”, sem explicações. Dois dias depois de iniciar a guerra, no entanto, Musk fez uma visita amigável à sede da empresa. “Obrigado, Tim Cook, por me receber para um passeio na linda sede da Apple”, tuitou na noite da quarta-feira (30), com um vídeo do local.

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“Boa conversa. Entre outras coisas, resolvemos o mal-entendido sobre a possível remoção do Twitter da App Store. Tim deixou claro que a Apple nunca pensou em fazer isso”, completou Elon Musk, sem dar detalhes se o Twitter cedeu em algum ponto em suas regras de moderação. Mas o esforço de Musk em chegar a um acordo com a Apple se justifica.

Em janeiro de 2021, a Apple retirou de sua loja online o aplicativo da rede social Parler. O motivo era a suposta falta de rigor nas moderações dos comentários, num momento em que manifestantes haviam invadido o Capitólio e apoiadores dos ocupantes utilizavam a plataforma para defendê-los. A queda de braço durou dois meses, ao final dos quais a Parler mudou sua política de controle de posts e respostas. Vencedora, a Apple devolveu o acesso de seus clientes ao serviço.

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Na última segunda-feira (28), Elon Musk postou que “A Apple praticamente parou de anunciar no Twitter. Eles odeiam a liberdade de expressão na América?”, marcando o CEO da Big Tech: “O que está acontecendo aqui, Tim Cook?”. No mesmo dia, ele abriu uma enquete na rede social, perguntando se “A Apple deve publicar todas as ações de censura tomadas que afetam seus clientes”. Foram mais de 2,2 milhões de votos e quase 85% responderam afirmativamente.

Em resposta a Musk, surgiram denúncias de censura como a da LBRY, dona da plataforma alternativa de vídeos Odyssey. “Durante a Covid, a Apple exigiu que nossos aplicativos filtrassem o retorno de alguns termos de pesquisa. Se não filtrássemos os termos, nossos aplicativos não seriam permitidos na loja. A Apple pode fazer bons produtos, mas eles se opõem à liberdade de expressão há algum tempo”, dizia o post, compartilhado pelo dono do Twitter.

Dias antes, Phil Schiller, executivo da Apple, que lidera os eventos da companhia e gerencia a loja de aplicativos, deletou sua conta no Twitter sem aviso prévio nem explicação, o que sugeriu que Musk tinha motivos para estar preocupado.

A Apple não produz posts no Twitter. Historicamente, a empresa não é ativa em redes sociais. Mas anuncia em todas as mais importantes, de forma consistente e expressiva. De acordo com o jornal The Washington Post, no primeiro quadrimestre de 2022, investiu US$ 48 milhões em anúncios no Twitter, mais do que qualquer um dos anunciantes da rede social.

Aliás, desde que Musk formalizou a compra da rede social, metade dos cem principais anunciantes parou de anunciar na empresa, segundo um levantamento realizado pela ONG Media Matters for America. Somadas, essas empresas investiram US$ 2 bilhões na plataforma desde 2020.

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Ecossistema digital

Mas o impacto vai além dos anúncios. Mais do que isso: as lojas de aplicativos da Apple e do Google são a fonte primária de acesso a serviços de milhares de empresas ao redor do mundo. Se suas lojas deixam de fornecer um determinado aplicativo, a tendência é que ele esteja condenado a desaparecer, ou no mínimo encontre dificuldade em ganhar escala. Atualmente, o Google veicula 3,5 bilhões de aplicativos, a Apple 1,6 bilhão e a Amazon, 483 milhões. Mas a Apple entrega melhor rentabilidade média a seus parceiros.

“No novo conceito de ecossistema digital, temos plataformas construídas sobre outras plataformas, que criam valor de forma conjunta”, avalia Nicolo Zingales, professor de Direito e Regulação da Informação, coordenador do Núcleo de e-Commerce da FGV Direito Rio e organizador do livro A aplicação do direito antitruste em ecossistemas digitais: desafios e propostas.

Não é o mesmo que acontecia com as cadeias produtivas industriais, ele descreve. “Antes uma empresa recebia insumos de várias outras e fazia produtos para consumidores finais. Hoje, as empresas que lideram as megaplataformas, como a Apple Store, estabelecem regras contratuais e padrões técnicos que seus fornecedores precisam cumprir, obrigatoriamente”, compara.

Acontece que os distribuidores são cientes de seu poder. “As plataformas querem ampla publicidade dos termos de uso e da aplicação de regras”, explica o professor. “Por isso muitas marcas resolveram sair do Twitter. Não querem ter conteúdo associado a plataformas que não seguem a pressão regulatória do mercado”, explica.

Por isso mesmo, antes da visita amigável de Musk à Apple, o governador da Flórida, Ron DeSantis, já havia reagido: “Musk abriu a rede social para a liberdade de expressão e está restaurando muitas contas que foram injusta e ilegitimamente suspensas”, alegou. “Se a Apple reagir retirando o aplicativo de sua loja, seria um grande erro e uma demonstração de poder exercido por um monopólio que se apresentaria como um desafio para o Congresso dos Estados Unidos”.

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Situação sem saída

Outro episódio deixa claro o quanto Musk se viu preocupado com a pressão da Apple. Em 2020, quando a Epic Games, desenvolvedora do jogo Fortnite, um dos mais populares do planeta, resolveu driblar as regras de cobrança da Apple Store e acabou banida da loja. Em reação, entrou com um processo antitruste contra a Apple.

Acabou vencendo, em setembro de 2021, mas ainda assim foi condenada a pagar US$ 3,6 milhões que não haviam sido recolhidos para a empresa de Cupertino. A decisão condenou também a Apple a permitir que os desenvolvedores de aplicativos incluíssem botões redirecionando o usuário para um ambiente de pagamento externo, mas a empresa recorreu antes que se visse obrigada a aderir à medida, e a decisão do tribunal a respeito deste tema em específico foi suspensa até novo julgamento.

Musk também tem comentado a respeito das exigências financeiras da Apple, que retira até 30% dos valores veiculados pelos aplicativos comercializados na loja. “Você sabia que a Apple coloca um imposto secreto de 30% em tudo que você compra na App Store?”, protestou.

“A Apple cobra este valor e não oferece alternativas. Não há forma de anunciar apps sem pagar o percentual”, explica Zingales. De fato, foi esta a principal motivação para a Epic Games entrar com seu processo.

Procurada pela reportagem, a Apple não se manifestou.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]