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Climatologia

“Brasil inabitável em 50 anos” foi mais um fiasco do alarmismo ambiental

Notícia de junho de jornal argentino sem referência científica virou um "telefone sem fio" sobre aquecimento global na imprensa brasileira.
Notícia de junho de jornal argentino sem referência científica virou um "telefone sem fio" sobre aquecimento global na imprensa brasileira. (Foto: Eli Vieira com Dall-E)

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Na semana passada, mais de 100 veículos de comunicação brasileiros publicaram a notícia de que o país ficaria inabitável daqui a 50 anos por causa das elevadas temperaturas causadas pelo aquecimento global, atribuindo a conclusão à Nasa. Há um problema: a alegação é falsa, é uma má interpretação de um estudo de 2020.

O primeiro veículo a dar a manchete no Brasil, na manhã do último domingo (21), foi o jornal O Globo, e a notícia foi transmitida para outros veículos pela agência de notícias do jornal. A revista Exame, por exemplo, replicou a reportagem, mas depois a apagou. O Globo fez alterações na reportagem, inclusive na assinatura: na primeira versão, a notícia era assinada pelo jornal argentino La Nacion.

A reportagem original em espanhol, assinada pelo veículo e não por um indivíduo, é do dia 18 de junho e diz que, além do Brasil, “entre três e cinco décadas” ficariam inabitáveis “regiões da Ásia, China e Estados Unidos”.

O “telefone sem fio” midiático brasileiro terminou na quinta-feira (25), quando o site G1, também do grupo Globo, desmentiu a manchete: “especialistas dizem que estudo da Nasa não diz isso e que dado foi distorcido”.

Onde estava o erro

Embora não haja menção na reportagem do La Nacion, o G1 credita a origem da informação a um estudo de 2020 publicado na revista Science Advances, do grupo Nature. “O trabalho faz alertas importantes sobre o aumento de eventos com temperaturas e umidade além do suportável”, diz o veículo, mas “não cita o Brasil, não tem dados relevantes sobre a América Latina, e muito menos diz que esses locais ficariam inabitáveis em determinado período”.

“Geralmente é a mídia que, por superficialidade ou em busca de gerar interesse sobre uma notícia, acaba passando do ponto”, disse à reportagemo meteorologista Leandro Cardoso.

De fato, como mostrou a Gazeta do Povo em agosto, dados de acompanhamento da imprensa provam que, enquanto menções a queimadas, geralmente no contexto do aquecimento global, cresceram quase cinco vezes na mídia de língua inglesa desde 2010, a área total queimada no planeta diminuiu.

“Tais estudos costumam ser mais comedidos e conter as advertências típicas da linguagem científica acerca de resultados chocantes”, afirmou Cardoso, “destacando as incertezas envolvidas”. O especialista cita outros exageros vistos na imprensa: “desaparecimento da Amazônia, fim da água potável no Brasil ou no mundo... em sua maioria, previsões cujos prazos expiraram há vários anos, e que não encontravam respaldo no conhecimento científico acumulado até então”.

“Vale a máxima de que proposições extraordinárias exigem evidências extraordinárias”, disse Cardoso. A máxima foi formulada pelo astrônomo Carl Sagan, um dos maiores divulgadores de ciência do século XX.

O Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC) “sequer sugere algo assim”, afirmou o meteorologista brasileiro, “que algum lugar do planeta será inabitável aos humanos em um futuro próximo”.

O que diz o estudo que foi deturpado

O trabalho mencionado pelo G1 foi liderado por Radley M. Horton, do Departamento de Ciências da Terra e Ambientais da Universidade Columbia, Nova York. Os cientistas consideraram uma medida chamada “temperatura de bulbo úmido” — o método consiste em estimar a sensação térmica do ar para humanos, e considera a menor temperatura na qual o ar pode ser resfriado pela evaporação da água. O “bulbo” referido é o do termômetro.

Aos 35º de temperatura de bulbo úmido, não adianta tentar usar água para se refrescar, inclusive pelo suor, e a vida humana entra em perigo. Se o aquecimento global gerar eventos de tempo com extremo calor úmido, portanto, isso é um grande problema.

Isso já era conhecido. A inovação do estudo foi olhar registros climáticos de quando a temperatura de bulbo úmido se elevou em torno ou acima de 35º. Os autores concluíram que isso tem aumentado em frequência nas últimas décadas, e esses eventos costumam acontecer em áreas costeiras subtropicais (que ficam entre as zonas tropicas e as zonas temperadas do planeta).

No resumo dos eventos de extremo calor úmido entre 1979 e 2017, o Brasil não é uma área campeã de registros. Aliás, no estudo, nenhum dos registros no Brasil em todo esse período ultrapassa a temperatura de bulbo úmido de 33º. Isso só foi registrado em eventos isolados na Austrália, noroeste da Índia, no Golfo Pérsico e no México.

A sugestão do estudo que esses eventos vão ficar mais frequentes por causa do aquecimento global depende de modelos climáticos, que variam em plausibilidade e com frequência presumem níveis maiores de emissão de gases de efeito estufa que os atuais, e o estudo não diz que nenhum país ficará completamente inabitável.

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