Em um mundo abalado por conflitos armados e com o ressurgimento de tensões comerciais provocadas pelo novo governo dos Estados Unidos, as relações entre as grandes potências se encontram em um momento delicado. No entanto, um país se destaca por sua habilidade em manter boas relações com todos: a Arábia Saudita. Além de ser o principal aliado dos Estados Unidos (com exceção de Israel) na instável região do Oriente Médio, o país árabe cultiva laços sólidos com a Rússia, enviou ajuda humanitária à Ucrânia e mantém fortes vínculos com a China, o Reino Unido e diversos países da União Europeia. Além disso, exerce uma liderança inquestionável entre as nações árabes e no mundo islâmico.
Ignacio Gutiérrez de Terán, professor de Estudos Árabes e Islâmicos da Universidade Autônoma de Madri, destaca que o sucesso diplomático da Arábia Saudita se deve à sua priorização das relações econômicas em detrimento de alianças políticas, além de sua habilidade em atuar como mediador em uma região de grande importância estratégica. O professor ressalta que essa postura é compartilhada por outros países, como os Emirados Árabes Unidos e o Catar. Um dos pontos fortes da Arábia Saudita, segundo ele, é a boa relação do presidente dos EUA, Donald Trump, com o príncipe herdeiro e líder de fato do país, Mohammed Bin Salman.
Essa proximidade permitiu que o reino se tornasse o anfitrião das negociações para solucionar a guerra na Ucrânia. Representantes dos EUA e da Rússia se reuniram em Riad em meados de fevereiro, seguidos pela delegação ucraniana na cidade saudita de Jedá, na última terça-feira (11). Após o encontro, o secretário de Estado americano, Marco Rubio, anunciou que a Ucrânia aceitou um plano de cessar-fogo que seria apresentado aos russos.
Aliado fiel dos EUA no Oriente Médio
Embora a Turquia também tenha atuado como mediadora entre Ucrânia e Rússia durante a guerra, Gutiérrez de Terán explica que os americanos buscavam um mediador externo à região para aumentar as chances de diálogo com os russos. A localização da Turquia, com fronteira no Mar Negro com os dois países em conflito, e sua participação na OTAN, poderiam gerar interesses conflitantes, enquanto a Arábia Saudita não teria motivos para apoiar nenhum dos lados.
A Arábia Saudita se mantém como um aliado fiel dos EUA há décadas, e sua relação com Trump não foi abalada desde seu retorno à Casa Branca. O presidente americano escolheu o país para sua primeira visita internacional em 2017, e continuou seus negócios pessoais na região após perder as eleições de 2020. A relação entre Trump e Bin Salman se manteve sólida mesmo após a CIA concluir que o príncipe ordenou o assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi no consulado da Arábia Saudita em Istambul.
Ao assumir a presidência, Joe Biden buscou isolar Bin Salman internacionalmente por esse e outros casos de violações de direitos humanos. No entanto, a guerra na Ucrânia e seus efeitos nos preços dos combustíveis, além da ameaça nuclear iraniana, levaram Biden a viajar a Riad e a estreitar laços com o príncipe. Os EUA retomaram a longa tradição de cooperação com a monarquia saudita, com destaque para a segurança e estabilidade regionais. A Arábia Saudita importa 80% de seu armamento dos EUA.
Gaza: peça-chave para os Acordos de Abraham
Bin Salman também convocou uma cúpula de países árabes em Riad em 20 de fevereiro para discutir um plano de reconstrução de Gaza após o fim do conflito. O objetivo era apresentar uma alternativa ao controverso plano de Trump, que propunha a realocação permanente dos habitantes de Gaza na Jordânia e no Egito. O plano árabe foi aprovado em março, mas rejeitado pelos EUA.
A boa relação da Arábia Saudita com o governo americano pode colocar Bin Salman em posição de renegociar o assunto. "Se eles garantirem a Trump que arcarão com os custos do plano e neutralizarem o Hamas, uma exigência não explícita de Riad, mas que supomos ser um de seus postulados, Washington não criará grandes obstáculos", opina Gutiérrez de Terán.
Trump pode estar negociando a inclusão da Arábia Saudita nos Acordos de Abraham, considerados um de seus maiores feitos diplomáticos. A assinatura de paz e o estabelecimento de relações diplomáticas de Israel com Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sudão representaram um marco histórico, normalizando as relações com países árabes pela primeira vez desde os acordos com Jordânia (1994) e Egito (1978).
No entanto, a Arábia Saudita exige a criação de um Estado palestino como condição para normalizar as relações com Israel. Gutiérrez de Terán afirma que os sauditas precisam de contrapartidas do governo israelense, como a retirada total de Gaza, garantias de que não haverá expulsões e a redução da tensão na Cisjordânia. Embora as negociações já possam estar em andamento, o principal obstáculo é o atual governo israelense, relutante em fazer concessões aos palestinos.
"Visão 2030": a estratégia de soft power de Bin Salman
Desde sua fundação em 1727, a Arábia Saudita baseou sua legitimidade política na doutrina wahabita, uma vertente do salafismo caracterizada pela aplicação rigorosa da lei islâmica. Com o crescimento dessa corrente na segunda metade do século XX, o reino expandiu sua influência no mundo islâmico financiando escolas e instituições religiosas em outros países, inclusive na Europa. Também apoiou grupos extremistas salafistas em conflitos regionais, como a guerra na Síria.
Em 2015, o rei Salman nomeou seu filho Mohammed como príncipe herdeiro, rompendo com a tradição de sucessão entre irmãos. Em 2016, o príncipe apresentou seu projeto para o futuro da Arábia Saudita: "Visão 2030". O plano visa reduzir a dependência do petróleo, diversificar a economia e atrair investimentos estrangeiros.
A abertura econômica foi acompanhada pela redução do financiamento a instituições religiosas salafistas e pela promoção de um islamismo moderado. Reformas sociais foram implementadas para atenuar as rígidas imposições religiosas e promover estilos de vida mais liberais, com ênfase nos direitos das mulheres, que até 2017 eram as únicas no mundo proibidas de dirigir. Essas medidas visam atrair investidores ocidentais e abrir o país para mercados importantes como o chinês.
Uma das estratégias de Bin Salman é o "sportswashing", que consiste em atrair celebridades do esporte, como Cristiano Ronaldo, Jon Rahm e Rafael Nadal, e sediar eventos como a Copa do Mundo de 2034. O reino também investe em festivais de música eletrônica, infraestrutura e tecnologia, financiando projetos no exterior e impulsionando o turismo.
Seguindo o plano do príncipe herdeiro, a Arábia Saudita se posiciona como um ator geopolítico crucial, utilizando estratégias diplomáticas e econômicas e ferramentas de poder brando para projetar uma imagem social mais liberal no cenário interno e externo.
©2025 Aceprensa. Publicado com permissão. Original em espanhol: Arabia Saudí: cómo convertirse en un actor geopolítico clave
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