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As aventuras de Theodore Dalrymple como catador de lixo na Paris pós-lockdown

O médico Theodore Dalrymple resolveu andar pelas ruas de Paris catando lixo para investigar o modo de vida na cidade pós-pandemia. (Foto: Pixabay)

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O governo francês e a cidade de Paris discordam quanto à abertura ou interdição dos parques e jardins públicos da cidade —há 169 deles. O governo federal defende que eles permaneçam fechados, enquanto a cidade defende a reabertura. Confesso que não entendo a lógico de manter os parques fechados enquanto lojas, shoppings e ruas estreitas estão abertos.

O governo teme que, sem restrições, as pessoas serão irresponsáveis, embora haja sinais de que muitas não serão, e as provas que baseiam o fechamento dos parques são para lá de questionáveis. A cidade quer abrir os parques aos poucos, o que não faz muito sentido: as pessoas têm a se aglomerar menos quando há mais espaço disponível, não?

Por enquanto, contudo, tenho de me contentar com caminhadas pelas ruas e decidi combinar exercício físico com o dever cívico, por isso ando com uma haste de catar lixo tirando a sujeira jogada na sarjeta e nas folhagens diante dos prédios.

“Chapeau!” (Bravo!) gritou uma mulher da sua sacada. Um homem que passava num carro de luxo preto não ficou tão impressionado: ao passar bem devagar por mim, ele me olhou como se eu tivesse fugido de um hospício. Acho que ele não era exatamente criterioso quanto ao seu próprio lixo.

O trabalho, ou atividade, é fascinante e até que agradável — desde que você use luvas. Ele permite que se tenha uma visão diferente, senão da sociedade exatamente, ao menos da forma como as pessoas vivem. Todo pedaço de lixo na rua ou nos jardins foi um ato de desprezo, indiferença ou hostilidade em relação à sociedade como um todo, ao espaço público. A calçada perto do meu apartamento exibe um slogan pichado: A rua pertence a todos. Isso dá a todos, claro, o direito a jogar lixo por aí.

Durante a pandemia de Covid-19, talvez fosse de se esperar que as pessoas jogassem máscaras e luvas na rua depois de tê-las usado. Havia, claro, os detritos comuns do homem contemporâneo (e sobretudo da juventude contemporânea), incapaz de andar por alguns metros sem consumir chocolate, refrigerante, hambúrguer, cerveja, água ou sanduíche: nenhum caroço de maçã ou casca de laranja entre eles.

Havia ainda os panfletos publicitários que todos recentemente recebemos, oferecendo serviços de encanador ou avaliação gratuita de imóveis — esses vão diretamente da caixa do correio para a rua. Havia recibos de supermercados, embalagens de remédio vazias (Lipitor, hidroxicloroquina), isqueiros descartáveis, caixas de todos os tamanhos e pedaços de incenso queimados.

Interessante foi o espaço entre alguns arbustos em frente ao meu apartamento, que eu tinha limpado no dia anterior — ele agora estava cheio de latas de cerveja, embalagens de preservativos e três pequenos frascos de metadona. Quanta coisa acontece à noite e nem nos damos conta! Talvez eu deva comprar binóculos de visão noturna para investigar melhor.

Devo acrescentar ainda que 2 metros quadrados de habitação por aqui custam o equivalente a um ano da renda média de uma família na França.

Theodore Dalrymple é médico e escritor.

© 2020 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês

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