Muito da crítica às mudanças no sistema de justiça criminal tem se concentrado na falta de respostas sérias à violência armada. Mas um aspecto amplamente ignorado diz respeito à transgressão da lei em outras áreas menos ameaçadoras à vida: infrações de trânsito, o uso do transporte público sem pagar tarifa e roubos de carros e lojas.
A agência de jornalismo investigativo ProPublica descobriu que, entre 2015 e 2019, domicílios de Chicago situados em áreas de maioria negra e hispânica receberam um número de multas em semáforos cerca de duas vezes maior do que o registrado em áreas habitadas predominantemente por brancos.
Em Rochester, Nova York, autoridades eliminaram o programa de câmeras em semáforos porque motoristas de bairros de baixa renda receberam a maioria das multas e o prejuízo financeiro superava os benefícios sociais. Miami também encerrou seu programa em meio a reclamações de residentes de baixa renda que se sentiam injustamente sobrecarregados com as multas.
Já Chicago fez um ajuste: suspendeu a regulamentação que previa que, após cinco infrações, a carteira de motorista não seria mais suspensa, restabelecendo 11 mil motoristas.
Várias cidades instituíram restrições às paradas de motoristas por parte de policias. Devido à reforma do sistema de fianças, alguns motoristas parados podem ter não comparecido a audiências judiciais. Outros têm violações de trânsito não pagas ou outras questões legais pendentes. Nesses casos, há a possibilidade de paradas de trânsito comuns terminarem em confrontos violentos.
Dois incidentes graves conhecidos – envolvendo Rayshard Brooks [homem negro baleado por um policial branco, em Atlanta, há três anos, após ser encontrado em seu carro dormindo] e Daunte Wright [jovem de cor negra de Minnesota, morto em 2021 por uma agente de polícia branca que alegou ter confundido um disparador de choque elétrico com sua pistola e atirou sem querer no rapaz] – começaram com paradas simples que se tornaram mortais porque os suspeitos tinham sérias acusações pendentes. Como resultado, muitas cidades, incluindo Filadélfia, Minneapolis e Los Angeles, impuseram restrições substanciais à possibilidade de policiais pararem carros por infrações consideradas menores.
A reforma da justiça criminal também descriminalizou substancialmente os roubos de lojas. Em muitos lugares, furtos de menos de US$ 950 (R$ 4.488 na cotação atual) são considerados apenas contravenções, um valor que o conselho editorial do jornal The New York Times considera muito baixo. Como resultado, o roubo por infratores reincidentes se tornou mais comum.
Só neste ano, a polícia de Nova York concluiu que 327 pessoas são responsáveis por um terço de todas as prisões por furtos em lojas. Empresas se adaptaram trancando algumas mercadorias e, em alguns bairros, fechando unidades franqueadas. Em muitos dos estabelecimentos que seguiram abertos, os funcionários foram orientados a não confrontar os ladrões ou chamar a polícia. A varejista de roupas esportivas Lululemon, por exemplo, demitiu dois funcionários que perseguiram um ladrão.
Também houve um aumento dramático nos roubos de carros. A emissora pública de rádio NPR informou que 405 automóveis foram roubados em Minneapolis em 2020 – mais que o triplo do número registrado em 2019. Outras cidades também tiveram aumentos significativos nesse sentido. No ano passado, em Chicago, foram registrados 1,4 mil crimes desse tipo. A polícia da cidade afirma que jovens estavam envolvidos em quase metade dos incidentes, a maioria deles entre 15 e 20 anos.
Em pelo menos algumas cidades, o aumento pode ser atribuído à reforma da justiça criminal. Uma das mudanças marcantes feitas pelo promotor distrital de Filadélfia, Larry Krasner, foi reduzir o roubo ao status de contravenção quando envolve propriedades no valor de menos de US$ 50 mil (o equivalente a R$ 237 mil). Em 2022, houve 1,3 mil roubos de carros na região, contra 404 em 2021 e 225 em 2019. E em dezembro de 2021, até a congressista democrata Mary Gay Scanlon teve seu veículo levado.
Estudos mostram que nem todos esses roubos de automóveis são estimulados por necessidades financeiras. O jornalista Jerald McNair, do Chicago Tribune, entrevistou 50 ladrões de carros e descobriu que uma parcela deles não era motivada por problemas econômicos: "Eles estão fazendo isso pela emoção ou empolgação".
Na revista Washingtonian, a repórter Sylvie McNamara relatou algo semelhante: "Os jovens simplesmente roubaram carros por entretenimento. Eles passeiam em carros roubados e publicam nas redes sociais, para depois escapar com consequências limitadas, devido a lei branda. Mais tarde, reincidem repetidamente e sem remorso".
Ecoando esse ponto de vista, o chefe de polícia do Distrito de Columbia, Robert Contee, explicou: "Eles têm amigos que os veem enquanto fazem isso. Tivemos casos de jovens que roubaram veículos e, enquanto estavam sendo perseguidos pela polícia, transmitiram tudo ao vivo, dando risada".
Outra ilegalidade que se tornou comum é a cometida pelos fare-beaters – pessoas que evitam pagar a tarifa no transporte público. Em Nova York, estima-se que 700 mil pessoas, mais de um terço dos passageiros, embarquem nos ônibus diariamente sem pagar porque não há fiscalização.
Os motoristas de ônibus são ordenados a não confrontar os "fura-catracas" nova-iorquinos, e devem apenas a contabilizar quantas pessoas cometeram esse tipo de infração. Já nas linhas de metrô, monitoradas pela polícia, "apenas" 13% dos passageiros são fare-beaters. Como resultado, o sistema de transporte perdeu US$ 690 milhões (R$ 3,27 bilhões) em 2022, um aumento de 38% em relação ao ano anterior.
A cidade, no entanto, está sob pressão para encontrar uma alternativa à fiscalização policial, uma vez que negros e latinos recebem 73% das intimações emitidas. Molly Griffard, advogada da entidade sem fins lucrativos Legal Aid Society [Sociedade de Assistência Jurídica], afirmou que os recursos dedicados à evasão de tarifas deveriam ser direcionados para abordar as causas fundamentais desse comportamento.
Seattle reduziu suas ações de fiscalização em resposta às preocupações com a equidade. Essas pressões levaram Nova York a tornar as viagens de ônibus gratuitas em cinco rotas que passam por bairros mais pobres. Mas embora a pobreza e a falta de moradia certamente contribuam para a evasão de tarifas nas duas cidades, há evidências da existência de uma gentrificação dos fare-beaters.
É o que relata Dorothy Moses Schulz, pesquisadora da área de segurança pública, ao site City Journal: "Janno Lieber, chefe da Autoridade Metropolitana de Transporte, recentemente reclamou que as câmeras de segurança capturaram 'incontáveis imagens de pessoas com roupas de grife, segurando bebidas de cafeterias caras, atravessando os portões de emergência em Wall Street ou no Upper East Side'. A reclamação ecoa a de Peter Rogoff, chefe da agência governamental Sound Transit de Seattle e Tacoma. Ele recentemente criticou passageiros que compram entradas e cervejas nos jogos dos Mariners, mas não pagam suas tarifas depois".
Embora seja importante ter uma abordagem equilibrada para a aplicação da lei, a falta de vontade de responsabilizar indivíduos por comportamentos ilegais criou um ambiente em que a ilegalidade se tornou comum. Isso resultou em permitir que infrações de trânsito, roubos de lojas, sequestros de carros e evasão de tarifas fiquem impunes. É esse o admirável novo mundo que os defensores da justiça social imaginaram?
© 2023 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês: Lawlessness Is Spreading in Our Cities
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