Dubai diz acolher estrangeiros, mas alguns acabam na prisão por ofensas que poucos ocidentais sonhariam ser crimes| Foto: The New York Times/NYT

Um eletricista escocês chamado Jamie Harron, que fazia turismo em Dubai, foi condenado a três meses de cadeia porque tocou em um homem em um bar.

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O britânico David Haigh, técnico de um time de futebol profissional, passou sete meses na prisão por causa de um tweet que ele afirma não ter escrito – porque já estava na cadeia e sem acesso a um celular.  

Scott Richards, trabalhador humanitário australiano que estava morando em Dubai, foi preso por tentar conseguir dinheiro para comprar dois cobertores para crianças afegãs que passavam frio, porque ele não faz parte de uma organização de caridade reconhecida.  

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Um dos sete emirados dos Emirados Árabes Unidos, Dubai pretende ser um local acolhedor para estrangeiros. Seus incentivadores dizem que é o quarto destino de turismo mais visitado do mundo e que possui pelo menos 12 vezes mais moradores de fora do que nativos.  

Um sistema legal baseado em uma interpretação linha dura da Sharia, no entanto, frequentemente acaba colocando os estrangeiros na cadeia por ofensas que a maioria dos ocidentais nem sonharia serem crimes. Exemplos recentes citados por advogados incluem dar as mãos em público; publicar elogios no Facebook para uma instituição de caridade que se opõe à caça à raposa; beber álcool sem licença; e compartilhar um quarto de hotel com uma pessoa do sexo oposto (que não seja o marido ou a mulher).  

Em geral, as autoridades de Dubai ignoram quando esses comportamentos são cometidos por estrangeiros – mas às vezes não. Os hotéis não pedem licenças de casamento aos casais. Dubai tem uma vida noturna animada, com vários bares gays e clubes onde prostitutas do leste europeu conquistam clientes abertamente.  

No entanto, a coabitação é crime, a homossexualidade está sujeita à pena de morte (embora raramente seja imposta) e a prostituição pode ser punida com chibatadas e até com coisas piores. 

 Mesmo as vítimas de crimes violentos podem ser acusadas de ofensas morais: gays que delataram ataques foram para a cadeia junto com os acusados, e mulheres que relataram estupros podem acabar presas por adultério se não tiverem quatro testemunhas do sexo masculino para corroborar sua história.  

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‘Fachada’

A advogada britânica Radha Stirling afirma ter representado centenas de ocidentais presos em Dubai por comportamentos que normalmente são permitidos por lá. "Quando você está lá, a fachada é que tudo isso é legal, todo mundo está fazendo, e você pensa que está tudo bem. Mas, se ofender alguém, acaba tendo que responder por isso", explica Stirling, que administra o grupo Detained in Dubai (Preso em Dubai), com sede em Londres, que divulga essas histórias.  

Dois casos recentes que foram parar nas mãos de Stirling despertaram uma ira generalizada na Grã-Bretanha, que possui mais cidadãos vivendo em Dubai do que qualquer outro país ocidental. 

Harron, de 27 anos, o eletricista que fazia turismo por lá, foi preso e condenado a três meses de cadeia por indecência pública por supostamente tocar o quadril de um homem quando passou por ele em um bar lotado. E um britânico de Leicester, Jamil Ahmed Mukadam, de 23 anos, está sendo julgado por fazer o gesto com o dedo do meio para um motorista de Dubai que ele diz que estava grudado nele. 

Consultor de computadores, Mukadam estava em um carro alugado, então levou um tempo até a polícia chegar a ele. Mas, seis meses depois, em setembro, foi preso no aeroporto ao retornar a Dubai. Ele agora está solto sob fiança, sem passaporte, esperando o julgamento.  

Se for condenado por fazer o "gesto obsceno", pode passar seis meses na cadeia. Mukadam diz que visitava Dubai frequentemente com a mulher e que gostava da cidade, principalmente do tipo de comida halal que eles preparam, mas que não planeja retornar. 

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 "Não há nenhuma chance de eu voltar para cá. Não colocaria meus pés de novo aqui, não da maneira como fui tratado", afirma.  

Sem desculpas

Em geral, os emirados não se desculpam pelas contradições do país.  

"A cultura ocidental é diferente da cultura árabe", explicou o juiz Ahmad Saif, chefe da corte civil de Dubai, em uma entrevista ao jornal The National, de Abu Dhabi. "Nos países deles, mostrar o dedo do meio ou insultar outra pessoa não é aceitável, mas não é punido pela lei. A cultura para quem vive nos Emirados Árabes é muito diferente. No fim, somos muçulmanos e cometer esses atos não é aceitável." 

Alguns cidadãos reconhecem que suas leis não acompanharam a rápida mudança da sociedade. 

"Não é razoável esperar que um país vá alertar cada visitante sobre seu conjunto completo de regras e regulamentos. Em um período curto de tempo, Dubai se desenvolveu muito e se tornou um dos lugares mais diversificados do mundo. Dito isso, as leis em geral são feitas para acomodar as necessidades da sociedade, e os Emirados Árabes, como a maioria dos outros países, ainda precisam fazer algumas mudanças", disse por e-mail o advogado Essam Tamimi, de Dubai. 

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As autoridades de Dubai não responderam aos pedidos de comentários para esta reportagem. 

Arbitrariedade

Os críticos reclamam que o sistema jurídico dos emirados está voltado contra os estrangeiros, e que tanto a Anistia Internacional quanto a Human Rights Watch já acusaram o país de detenções arbitrárias e abuso de prisioneiros. 

Haigh, ex-diretor do Clube de Futebol Leeds United e sócio da firma de advocacia de Stirling, conta que foi preso por 22 meses e torturado repetidamente em uma tentativa de fazê-lo assinar uma confissão, mas afirma que nunca viu nem uma cópia das acusações que deveria ter confessado. 

Haigh havia entrado um uma disputa comercial com um banco de Dubai, o GFH Capital, que possuía uma participação no time. Ele diz que foi chamado para resolver a questão, acabou preso logo na chegada por quebra de confiança e ficou na cadeia por vários meses sem ter permissão nem para ver um advogado

Enquanto estava na cadeia, foi acusado de publicar uma mensagem ofensiva no Twitter, embora afirme que não tinha celular nem acesso à internet. Por causa disso, sua sentença aumentou em sete meses. No final, foi absolvido da acusação do tweet, mas não até que houvesse passado na cadeia mais sete meses além de sua sentença original de 15 meses. 

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"Noventa por cento da população infringe a lei 90% do tempo, e ninguém faz nada contra eles até que perturbem a pessoa errada e sejam presos", diz Haigh sobre Dubai. 

Repressão

Nos últimos anos, os Emirados Árabes Unidos vêm reprimindo as redes sociais, fazendo com que seja crime criticar o país, seus cidadãos ou seus negócios no Facebook ou no Twitter. A lei tem sido usada principalmente para punir críticos domésticos, mas também colocou na cadeia o mecânico de helicópteros Ryan Pate, da Flórida, preso depois que revelou no Facebook uma briga a respeito de uma licença médica com seu empregador, a empresa Global Aerospace Logistics, dos Emirados. 

Residentes estrangeiros e turistas encontram problemas parecidos por todos os Emirados Árabes Unidos – a empresa de Pate tem sede em Abu Dhabi –, mas eles são mais comuns em Dubai porque há mais ocidentais visitando e morando ali. 

Entre as ofensas que poucos estrangeiros sabem que pode levar à cadeia estão passar cheques sem fundos, mesmo que acidentalmente, não pagar a conta do cartão de crédito no vencimento; tirar uma fotografia sem a permissão da outra pessoa; e tocar alguém. 

Essa foi a acusação contra Harron: ele teria tocado um homem de maneira íntima em um lugar público, o Rock Bottom Café, no bairro de Tecom, um clube frequentado por gays. Ele diz que estava apenas passando pela multidão e colocou a mão na cintura do homem para evitar derramar sua bebida. 

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Foi condenado a três meses de cadeia, embora tenha conseguido permissão para deixar o país depois que o governante de Dubai, xeque Mohammed bin Rashid Al Maktoum, anulou a decisão do tribunal. Muitas vezes, uma ampla divulgação tem ajudado a resolver casos como esse, mesmo quando parecem sem esperanças legais. 

"O governo dos Emirados Árabes é apenas uma grande entidade de relações públicas. Se eles acham que um caso vai prejudicá-los, o governo fala com a polícia e consegue que as acusações sejam retiradas", afirma Stirling. 

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