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Na última quinta-feira (27), um momento aparentemente constrangedor jogou holofotes sobre a execução de uma música que para os socialistas é quase tão rotineira quanto o próprio hino nacional. Trata-se de ‘A Internacional’, nome pelo qual militantes de esquerda chamam a canção que ficou mais conhecida como Internacional Socialista, um antigo poema escrito há 151 anos e que já foi usado até como hino da União Soviética. A música foi tocada durante o evento do Partido Socialista Brasileiro (PSB), em Brasília, no qual estavam o ex-presidente Lula e o seu novo parceiro, o candidato à vice-presidência da República Geraldo Alckmin. Foi a primeira vez que o ex-tucano, apontado erroneamente como conservador por alguns, é gravado demonstrando respeito quase devocional a um símbolo comunista, entoado em ditaduras do mundo todo.
Embora tenha o mesmo nome, a música Internacional Socialista (L'Internationale, no original em francês) surgiu muito tempo antes da organização política intitulada Internacional Socialista, dedicada a difundir o que chamam de ‘socialismo democrático’. Essa entidade, caracterizada pelo símbolo da mão segurando uma rosa – exatamente o mesmo usado pelo PDT de Ciro Gomes - foi fundada em 1951, enquanto a origem da música remonta a 1871, tendo nascido como versos do francês Eugéne Pottier. Ele era membro da Comuna de Paris, uma insurreição comunista que chegou a tomar o poder na França naquele ano, mas, logo em seguida, foi derrotada pelos remanescentes do regime bonapartista deposto. Pottier teria escrito os versos como um lamento após o fracasso da investida, de modo a alimentar o sentimento de vingança entre seus pares.
Historiadores apontam que a intenção de Pottier era de que a letra fosse cantada ao som da Marselhesa, o hino nacional da França, mas em 1888, outro comunista, Pierre De Gayter, compôs uma melodia própria usando o poema de Pottier e foi essa a versão que se popularizou entre os partidos de esquerda de toda a Europa no final do século XIX. Em 1919, o próprio Lênin oficializa a canção como hino da União Soviética, o que foi mantido até 1943, quando Stalin decidiu fazer uma mudança, substituindo-o por outro mais patriótico e menos internacionalista.
As mentiras da letra
Se funciona bem enquanto poema, por difundir uma versão utópica e romantizada do comunismo, a história da União Soviética e de outros países que se deixaram levar pelo marxismo é suficiente para explicitar as extravagantes contradições no conteúdo da letra.
Logo de início, os primeiros versos falam em “vítimas da fome”, mas se houve um governo que usou a fome para fazer vítimas como nenhum outro havia feito até então foi justamente a União Soviética. Entre 1932 e 1933, um programa de reorganização da agricultura ordenado por Stalin matou pelo menos dois milhões de ucranianos nos cálculos mais tímidos. A tragédia ficou conhecida como Holodomor e foi recentemente reconhecida oficialmente pelo Senado brasileiro como um genocídio.
Ao longo da música há também uma série de frases que remetem ao fim de figuras com autoridade, como “De pé, não mais senhores” ou “Uma terra sem amos”, afirmações que soam especialmente estranhas quando se conhece o quão autoritários foram e são os regimes de inspiração comunista, nos quais o ditador revolucionário acaba sendo ‘senhor’ de tudo, com pouco ou nenhum espaço para autênticas propriedades privadas, direitos humanos ou liberdade de expressão.
Por fim, convém destacar a estrofe que se refere à riqueza, na qual constam os versos ‘Sobre o suor de quem trabalha/Todo o produto de quem sua/A corja rica o recolheu’. Tendo em vista a prática da estatização de negócios particulares, a tomada de bens à força e as evidências do quanto os governantes comunistas enriqueceram, é difícil não se questionar se os socialistas de hoje, cientes da história dessa ideologia, estariam sendo ingênuos ou hipócritas.
Confira a íntegra da versão em português da Internacional Socialista:
De pé, ó vítimas da fome
De pé, famélicos da terra
Da ideia a chama já consome
A crosta bruta que a soterra
Cortai o mal bem pelo fundo
De pé, não mais senhores
Se nada somos em tal mundo
Sejamos tudo, ó produtores
Bem unidos façamos
Nesta luta final
Uma terra sem amos
A Internacional
Senhores, patrões, chefes supremos
Nada esperamos de nenhum
Sejamos nós que conquistemos
A terra-mãe livre e comum
Para não ter protestos vãos
Para sair desse antro estreito
Façamos nós por nossas mãos
Tudo o que a nós nos diz respeito
Bem unidos façamos
Nesta luta final
Uma terra sem amos
A Internacional
Crime de rico a lei o cobre
O Estado esmaga o oprimido
Não há direitos para o pobre
Ao rico tudo é permitido
À opressão não mais sujeitos
Somos iguais todos os seres
Não mais deveres sem direitos
Não mais direitos sem deveres
Bem unido façamos
Nesta luta final
Uma terra sem amos
A Internacional
Abomináveis na grandeza
Os reis da mina e da fornalha
Edificaram a riqueza
Sobre o suor de quem trabalha
Todo o produto de quem sua
A corja rica o recolheu
Querendo que ela o restitua
O povo quer só o que é seu
Bem unidos façamos
Nesta luta final
Uma terra sem amos
A Internacional
Fomos de fumo embriagados
Paz entre nós, guerra aos senhores
Façamos greve de soldados
Somos irmãos, trabalhadores
Se a raça vil, cheia de galas
Nos quer à força canibais
Logo verá que as nossas balas
São para os nossos generais
Bem unidos façamos
Nesta luta final
Uma terra sem amos
A Internacional
Pois somos do povo ativos
Trabalhador forte e fecundo
Pertence a Terra aos produtivos
Ó parasitas, deixai o mundo
Ó parasita que te nutres
Do nosso sangue a gotejar
Se nos faltarem os abutres
Não deixa o Sol de fulgurar
Bem unidos façamos
Nesta luta final
Uma terra sem amos
A Internacional