Não é comum o Twitter banir permanentemente contas de usuários. A lista, curta, inclui David Duke, ex-líder do grupo supremacista americano Ku Klux Klan, o norueguês Anders Behring Breivik, que matou 69 pessoas em 2011, e o Partido Nazista Americano. Ao excluir a conta de Donald Trump, que tinha 88,7 milhões de seguidores, ou 26,8% do total de 300 milhões de pessoas que utilizam a plataforma, o Twitter colocou o presidente dos Estados Unidos ao lado de todas essas pessoas.
Um dia antes, a embaixada chinesa nos Estados Unidos postou, na mesma rede social, que as mulheres uigures vinham sendo “libertadas” pelo governo chinês da obrigação de serem “máquinas de filhos” — uma confissão clara de que a minoria vem sendo vítima de uma campanha de esterilização forçada na China. O post foi deletado, mas a conta continua ativa.
Também continua utilizando o Twitter o supremo líder do Irã, Ali Khamenei, que no passado já defendeu o genocídio da população de Israel, e no sábado postou que as vacinas desenvolvidas no Ocidente não são confiáveis. O post foi retirado do ar, mas ele segue membro da rede social, assim como o rei da Arábia Saudita, Salman bin Abdulaziz Al Saud, ou o presidente venezuelano Nicolás Maduro.
No caso da Venezuela, o máximo que a rede social fez foi eliminar, em 2017, uma série de contas ligadas ao governo local, o que levou Maduro, à época, a acusar o Twitter de agir como uma “expressão do fascismo”.
“Se o comportamento de Trump no Twitter resultou no banimento permanente, por que oficiais de governos autocráticos podem continuar utilizando a rede para justificar violência repressiva e promover teorias da conspiração?”, pergunta o jornalista Joshua Keating em artigo sobre o assunto.
“Há também o fato de que o Twitter com frequência aceita os pedidos de suspensão de contas apresentados por diferentes governos, incluindo o de países autocráticos como Turquia e Rússia”, prossegue ele. “É difícil prever como o Twitter pode banir governos autoritários enquanto continua colaborando com eles”.
Reação do mercado
Qual o critério? O Twitter e as demais big techs têm o direito legal de selecionar quais usuários podem ser eliminados? Empresas privadas que refletem interesses públicos, como as grandes redes sociais, não deveriam ao menos padronizar o tratamento que dão a seus usuários, especialmente quando eles ocupam cargos de interesse da sociedade?
Afinal, ao restringir a livre manifestação de uma posição política, essas empresas atrapalham o livre mercado de ideias, na medida em que opiniões deletadas não podem mais ser criticadas ou refutadas. Além disso, a Suprema Corte americana já havia decidido pelo interesse público do Twitter, no momento em que definiu que o presidente dos Estados Unidos não poderia bloquear seguidores, porque a medida violaria o direito à informação.
“Todos os políticos divulgam informações enviesadas em algum momento, e têm apoiadores que se comportam mal, mas claramente, no Twitter, são os conservadores que acabam banidos, ou estigmatizados ao ser submetidos a checagens constantes”, avalia o cientista político Richard Hanania, professor do Saltzman Institute of War and Peace Studies, da Universidade Columbia.
A decisão das big techs em eliminar a expressão pública do presidente americano provocou reações nos ambientes político e financeiro. As ações das maiores gigantes de tecnologia caíram logo após os anúncios das restrições impostas a Trump — os papeis do Twitter fecharam o dia 11 de janeiro em queda de 6,4%, o Facebook caiu 4,01% e a Alfabet, dona do Google, desvalorizou 2,24%.
A premiê da Alemanha, Angela Merkel, reagiu, por intermédio de seu porta-voz, Steffen Seibert, definindo a decisão como uma brecha “problemática” no “direito fundamental à liberdade de expressão” — que, na avaliação de Merkel, pode ser restringida “apenas em acordo com a legislação, e não por decisão dos gestores das plataformas de mídia social”.
O ministro da Economia da França, Bruno Le Maire, declarou-se chocado pela decisão do Twitter e comentou: “A regulação digital não deveria partir da oligarquia digital, é uma questão de soberania das pessoas, dos governos e do judiciário”.
“O fato de que um CEO pode desligar o microfone virtual do president dos Estados Unidos sem questionamentos me deixa perplexo”, alegou, por seu lado, Thierry Breton, comissário para o Mercado Interno na União Europeia. “Não apenas comprova o enorme poder dessas plataformas, como também indica que, no ambiente digital, nossa sociedade é mal regulada”.
O dissidente russo Alexei Navalny, escreveu, no próprio Twitter, que “o banimento é uma decisão tomada por pessoas que não conhecemos de acordo com procedimentos que não são divulgados”. E complementou: “Precisamos saber quem são as pessoas que formam o comitê do Twitter que avalia posts, entender como funciona, como seus membros votam e como podemos apelar das decisões”.
Regra opaca
Nos Estados Unidos, a Seção 230 da Lei de Decência das Comunicações, implementada em 1996, determina que as empresas de internet não podem ser processadas pelas opiniões publicadas por seus usuários, e as autoriza a moderar o conteúdo publicado e compartilhado. Por outro lado, obriga as corporações a remover conteúdo ilegal, incluindo incitações as crimes federais ou material que infrinja as leis de copyright.
Como explica Sabrina Hersi Issa, especialista em tecnologia e direitos humanos, em análise da Seção 230, “trata-se, simplesmente, de uma regra que permite que as empresas de internet moderem o que as pessoas publicam — ou não publicam — em suas plataformas, sem estar sujeitas legalmente por tudo o que acontece lá dentro”. A indústria de tecnologia, afirma ela, “naturalmente se apropriou da natureza opaca da regra para se eximir da responsabilidade decorrente de seu papel em disseminar desinformação e cultivar discursos de ódio”.
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