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Um homem usa uma máscara enquanto caminha na Oxford Street, em Londres, Grã-Bretanha, 20 de fevereiro de 2022.
Um homem usa uma máscara enquanto caminha na Oxford Street, em Londres, Grã-Bretanha, 20 de fevereiro de 2022.| Foto: EFE/EPA/NEIL HALL

As máscaras caíram em Brasília. Por decreto do governador do Distrito Federal Ibaneis Rocha, a obrigatoriedade das máscaras em ambientes fechados foi encerrada no último dia 10 de março. Ao ar livre, as máscaras já não eram obrigatórias na capital desde outubro. O presidente do Senado seguiu o ensejo e também desobrigou a utilização de máscaras na casa legislativa. Já no Paraná, o governador se movimenta para revogar a lei de obrigatoriedade de máscaras de 2020.

Caindo a obrigatoriedade, indivíduos podem continuar usando máscaras, e entidades privadas podem ter regras próprias a respeito da obrigatoriedade em seus espaços. O momento é propício para revisitar a literatura científica a respeito, que poderá ajudar a decidir se a abertura é prematura, tardia ou se vem em boa hora. Tudo depende da eficácia das máscaras em conter o novo coronavírus.

Em dezembro, a Gazeta do Povo informou que as revisões mais rigorosas concluíam até novembro que as máscaras conferem pouca ou nenhuma proteção contra doenças respiratórias, mas que havia um novo estudo envolvendo mais de 300 mil pessoas em Bangladesh que indicava resultados moderadamente positivos, especialmente para as máscaras cirúrgicas, que chegavam a reduzir em 35% as infecções entre pessoas maiores de 60 anos. Mais estudos merecem exame.

Máscaras: um quadro geral atualizado

Os estudos mais rigorosos do efeito de algum tratamento são conhecidos como ensaios controlados e randomizados (ECR). “Controlado” significa que há uma comparação do tratamento com ao menos um outro grupo que não o recebeu — o grupo controle. “Randomizado” é um anglicismo que indica que as pessoas que estão em um grupo ou outro foram escolhidas ao acaso. Como uma camada extra de cautela, é preferível que o estudo seja também um “duplo cego”: os pesquisadores não sabem quem está recebendo o tratamento, e os participantes também não sabem, até o fim da coleta dos resultados. Este último aspecto não é aplicável nas máscaras, mas há ECRs de seu uso, o estudo de Bangladesh é um deles.

O outro ECR envolveu quase cinco mil pessoas na Dinamarca. Não houve diferença entre usuários e não usuários das máscaras. Nos dados, as máscaras podem ter tanto reduzido a infecção em 46% quanto aumentado em 23%. Portanto, os resultados foram negativos a respeito da eficácia das máscaras, que neste caso foram as cirúrgicas.

Após a publicação do ECR de Bangladesh, mais otimista para com as cirúrgicas, alguns problemas foram apontados. O médico Vinay Prasad, professor associado de epidemiologia da Universidade da Califórnia em São Francisco, comenta que o estudo pode ter sido enviesado porque os participantes souberam de quais vilas teriam a intervenção (a recomendação e distribuição das máscaras) e buscaram ativamente fazer parte. Isso traz vieses: essas pessoas, por quererem usar máscaras, podem ser menos propensas a relatar que se infectaram, distorcendo os resultados.

Além disso, apesar do número de participantes ter sido superlativamente grande, a diferença em números absolutos de infectados entre os com e os sem máscara foi pequena. Portanto, há motivos para ceticismo e para defender as conclusões anteriores da Cochrane (famosa publicação de revisões rigorosas) de que as máscaras são pouco ou nada eficazes em conter doenças respiratórias como a Covid-19.

Outro estudo favorável à eficácia das máscaras, mas que não se qualifica como um ECR, foi publicado em fevereiro deste ano pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, uma agência de saúde governamental. Os pesquisadores fizeram telefonemas para mais de 11 mil pessoas com teste positivo para COVID-19 e mais de 17 mil pessoas com teste negativo e perguntaram se durante as duas semanas anteriores ao teste elas estiveram em ambientes públicos fechados, e se usaram máscaras quando o fizeram. O resultado foi que respiradores como a máscara N95 se revelaram melhores em evitar infecções, com as máscaras cirúrgicas em segundo lugar, e as máscaras de tecido em último.

Há vários problemas com o estudo que criam fontes diferentes de vieses que põem grande dúvida sobre esses resultados. Menos de 15% das pessoas atenderam à ligação em ambos os grupos, e a baixa taxa de resposta já é diferente conforme o status de infecção — quem está muito doente não atenderá. Além disso, não há garantia que as pessoas que fizeram o teste nos dois grupos o fizeram pelos mesmos motivos. Quem teve resultado positivo, por exemplo, muitas vezes já suspeitava e tinha sintomas. O fato de os próprios participantes serem a fonte de se usaram ou não máscaras, e de quanto tempo usaram, obviamente introduz outro buraco nos resultados. Para piorar, o CDC dá mostras de que quer demais que esses resultados positivos sejam verdade. Em uma imagem feita para viralizar esses resultados (e funcionou), omitem que o resultado positivo para máscaras de tecido não foi estatisticamente significativo. Wes Pegden, um matemático, aponta que o CDC já tinha feito um estudo similar em 2020, com resultados negativos “enterrados em uma tabela que ignoraram no corpo do texto”. Os problemas são tantos que é seguro ignorar o estudo como um todo.

O CDC não realizou um ECR sobre as máscaras. O fato de nenhum governo ter tomado a iniciativa de fazer um ECR em crianças antes de incluí-las na obrigatoriedade das máscaras revela a precariedade de muitas das intervenções não-medicamentosas durante a pandemia. Imposições já são um autoritarismo, imposições sem evidências a seu favor fazem um autoritarismo desnecessário.

Transmissão pelo ar

Parte do motivo para o foco em máscaras após a hesitação inicial da Organização Mundial da Saúde foi que se presumia que o novo coronavírus era transmitido por gotículas de saliva que dificilmente passariam pelos poros da barreira e de outra forma logo cairiam ao chão após emitidas por tosse ou espirro. A OMS garantia como fato no começo de 2020 que o vírus não se transmitia pelo ar.

Em agosto de 2021, a revista Wired ouviu a especialista em aerossol Lindsay Marr, da Virginia Tech. Ela foi uma das principais responsáveis por derrubar um mito herdado de manuais médicos de que só partículas menores que cinco micrômetros em diâmetro poderiam se comportar como aerossóis, pairando por muito tempo no ar e, no caso de vírus, tendo mais oportunidade para infectar em vez de cair ao chão. Esse mito foi baseado em um erro a respeito do que são gotículas e moldou as políticas de saúde por 60 anos, inclusive na OMS e no CDC. O CDC recusou várias tentativas de contato da Wired a respeito do caso, e atualizou suas diretrizes para refletir as descobertas de Marr e seus colaboradores, sem alarde.

O impacto das máscaras nos jovens

Uma “mini-revisão” do impacto das máscaras nas crianças com primeira autoria de Martin Eberhart, pediatra austríaco da instituição LKH Hochsteiermark, mostrou mais descaso no estudo das crianças: só encontraram dois estudos pediátricos dos impactos fisiológicos das máscaras, um de 2019 e outro de 2020. A conclusão é que não parece haver danos fisiológicos, como o respiratório, no uso das máscaras em crianças. Quanto aos possíveis impactos psicossociais, o cenário é outro.

Um estudo de longo prazo envolvendo 672 crianças do estado americano de Rhode Island, ainda aguardando revisão por pares, comparou crianças no mesmo estágio de desenvolvimento antes e durante a pandemia e descobriu que houve uma queda de 22 pontos na média de seu quociente de inteligência. Muitos pais temem que a ocultação do rosto dos professores, cuidadores e coleguinhas pelas máscaras prejudique o desenvolvimento infantil. Outro estudo, envolvendo 276 crianças dos três aos cinco anos e já publicado na revista JAMA Pediatrics, mostrou que elas tinham mais dificuldade de detectar alegria e tristeza em faces com máscaras, mas não a raiva. Outros estudos sugestivos existem, mas ainda não há grandes testes.

Agora haverá ampla oportunidade para comparar o efeito pedagógico de medidas impositivas com máscaras e fechamentos de escolas com as medidas de maior abertura. Nos subúrbios da cidade americana de Colorado Springs as escolas reabriram no segundo semestre de 2020 e as máscaras foram mantidas facultativas para estudantes do ensino fundamental. Aulas mistas e online foram usadas só onde estritamente necessário, com a maioria dos estudantes tendo aulas presenciais.

O resultado foi que, comparados a outras regiões do estado de Colorado e a grandes cidades americanas, esses estudantes se saíram muito bem, com ganhos em leitura e menor perda em matemática. O contraste com o Brasil não poderia ser mais dramático: no estado de São Paulo, 96% dos alunos que se formam no ensino médio não sabem resolver equações do primeiro grau. Os resultados pré-pandêmicos não eram excelentes, e verteram para o pior depois de políticas de fechamento de escolas.

Seja no caso das máscaras, dos fechamentos de escolas, ou das gotículas e transmissão de vírus pelo ar, a pandemia desnudou uma enorme ignorância. O investimento na pesquisa em saúde não é pequeno no mundo. Que questões tão centrais no preparo para pandemias estivessem tão mal estudadas quase um quarto de século adentro no novo milênio é algo que nos leva a perguntar para onde, de fato, está indo o dinheiro.

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