Quando morava em Myanmar, o quadrinista canadense Guy Delisle percebeu várias suásticas espalhadas pelo país (suas experiências são narradas na graphic novel Crônicas Birmanesas, publicado do Brasil pela editora Zarabatana). Na realidade, boa parte do sul da Ásia está cheio de suásticas. E não porque as populações desses países são simpáticas ao nazismo — mas sim porque o símbolo já era usado na região com uma conotação religiosa antes dos nazistas terem se apropriado dele.
Agora, imagine que você está visitando o sul da Ásia e vê um grupo de nativos passeando com suásticas estampadas em sua roupa. Como você deveria reagir? O que deveria fazer? Temos principalmente duas opções.
As opções
Opção 1: depois de uma reação inicial negativa e visceral, você pode se lembrar que eles não são nazistas e não querem ofender ninguém. Então fique calmo e não fale nada. Eventualmente você pode até se adaptar à realidade do local: as suásticas podem parar de incomodar e aqueles que as vestem podem ignorar o fato que você inicialmente ficou ofendido com elas.
Opção 2: você permite que sua reação negativa se torne visível. Mesmo que essas pessoas não sejam nazistas, elas são negligentemente ofensivas. Você pode então repreender as pessoas que vestem as suásticas com raiva: “vocês têm alguma ideia de como isso é ofensivo?”. A probabilidade é que elas fiquem perplexas. Afinal, você é apenas um estrangeiro reclamando de um símbolo que elas gostam de vestir. Talvez elas até te desafiem. Mas, mesmo que você as convença a queimar todas as suásticas, você vai ter irritado um grupo de pessoas que, na realidade, não fez nada de errado com você.
Qual é a melhor opção? Essa é uma questão essencialmente numérica. Se existem um milhão de sobreviventes do holocausto e um sul-asiático vestindo suástica, expressar a revolta pode ser vantajoso. Quem faz a reclamação provavelmente sentiria raiva e quem recebe a reclamação sentiria vergonha, mas as outras 999.999 pessoas terão um dia melhor depois disso.
Porém, se esses números forem mais parecidos entre si, a primeira opção parece ser melhor. Por quê? Porque é uma opção mais segura para manter a harmonia social. Na primeira opção, as pessoas que se ofendem podem se acalmar sozinhas. Na segunda opção, as pessoas que se ofendem cedem à raiva, o que cria um conflito com o acusado, que sente, por sua vez, uma combinação de raiva e tristeza. Se a tristeza dominar, eles provavelmente parariam de usar a suástica; se a raiva superar, a situação se agravaria.
Ofensa e crueldade são coisas diferentes
O mesmo poderia ser dito sobre assassinato? É claro que não. Assassinato é necessariamente ruim. Vestir uma suástica, ao contrário, só é ruim porque ela é atualmente um símbolo que relacionamos com acontecimentos ruins (como assassinato). Podemos facilmente imaginar um mundo onde a suástica é um símbolo do amor maternal. Mas não podemos imaginar um mundo no qual o assassinato é bom.
E qual é o problema? Especialmente nas mídias sociais, é fácil encontrar pessoas que desprezam símbolos ofensivos e acreditam que ações como as da segunda opção são melhores. Mas eu gostaria que essas pessoas reconsiderassem sua posição.
Sim, temos alguns símbolos que identificamos a males hediondos, como as suásticas ou uniformes de grupos específicos. Considerando que quase todos que compartilham a nossa cultura e usam esses símbolos têm a intenção de insultar pessoas inocentes, reagir contra eles tem pouco efeito colateral.
Mas se um símbolo não é identificável apenas com um mal hediondo, sendo usado por outros grupos de outras formas, devemos tentar deixar a situação passar em branco. No melhor dos mundos, grupos que praticam o mal nem teriam símbolos amplamente compreensíveis para se expressar consistentemente. Eles teriam que se explicar por extenso.
Não estou falando isso para favorecer nenhuma facção política proeminente. Se você quer “chamar a atenção” para fantasias ofensivas de Halloween, você deveria parar. O mesmo vale se você quer debater com outros patriotas contra jogadores de futebol que se ajoelham durante o hino nacional. Se um símbolo é ambíguo — como quase sempre é — ficar com raiva do diferente é apenas infantil.
E se o outro lado não for recíproco na calma, ache conforto no fato de que a raiva que eles sentem é por si só uma punição. Seja a mudança que quer ver no mundo.
Conteúdo publicado originalmente no site da Foundation for Economic Education.
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
Quem são os indiciados pela Polícia Federal por tentativa de golpe de Estado
Bolsonaro indiciado, a Operação Contragolpe e o debate da anistia; ouça o podcast
Seis problemas jurídicos da operação “Contragolpe”