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Bandeira do grupo neonazista Combat18.
Bandeira do grupo neonazista Combat18.| Foto: Reprodução

O assessor especial para assuntos internacionais da Presidência da República Filipe Martins postou em sua conta no Twitter uma citação em latim usada como lema por um grupo neonazista europeu. A frase “Oderint dum metuant”, que em português significa algo como “deixe que odeiem, contanto que temam”, foi postada por ele no dia 20 de agosto, e não demorou até que a frase originalmente escrita pelo poeta romano Lucius Accius – e posteriormente usada como lema pelo imperador Calígula – fosse associada ao grupo extremista Combat18, criado na Grã-Bretanha nos anos 1990.

O Combat18, ou C18, foi fundado em 1992 por Paul “Charlie” Sargent. O nome, assim como em outras associações neonazistas, traz referências a Adolf Hitler – 1 é a primeira letra do alfabeto, A, e 8 é a oitava letra, H. O grupo chegou a publicar uma revista na qual deixava claro seus objetivos: “mandar de volta todos os não-brancos para a África, Ásia, Arábia, vivos ou em sacos de corpos, conforme a escolha deles,” “executar todos os homossexuais” e “os que se misturam à raça branca,” “eliminar todos os judeus do governo, da mídia, da arte e das profissões,” executar “todos os judeus que ativamente ajudaram a destruir a raça branca” e “colocar em campos de concentração o resto até encontrarmos a solução final.”

Espalhados pelo mundo, os membros da C18, que se autointitulam “a força-tarefa de Adolf Hitler”, foram recentemente banidos da Alemanha em janeiro de 2020. A ação contou com busca e apreensão nas casas de supostos líderes do movimento e foi motivada pela morte de um político alemão pró-migrantes e por ataques a uma sinagoga, cometidos em 2019. “A misteriosa morte do presidente do distrito Dr. Walter Lübcke e (...) o ato terrorista em Halle no ano passado nos mostraram, de uma forma brutal, que o extremismo de direita e o antissemitismo são um perigo significante à nossa sociedade livre”, disse o ministro alemão do Interior, Horst Seehofer.

Em sua conta no Twitter, Filipe Martins criticou a postagem do jornalista Guga Chacra, um dos que associaram a frase em latim ao grupo neonazista europeu. Para o assessor, o jornalista “maliciosamente e sem qualquer motivo razoável tenta associar uma máxima latina clássica, escrita por Lúcio Ácio e consagrada por Cícero, que tuitei recentemente ao lema de uma organização neo-nazista obscura de que nunca ouvi falar e, claro, será processado por isso.”

Martins continuou:

Embora ele não cite meu nome diretamente, a referência é clara e foi confirmada nas respostas e nos retweets sem qualquer correção, rendendo ofensas especialmente repugnantes para alguém de ascendência judaica, como eu, e também ameaças de toda sorte, incluindo ameaças de morte. Quem quer que tenha reproduzido ou venha a reproduzir insinuações similares a meu respeito terá, igualmente, que prestar esclarecimentos à justiça. Não permitirei que ninguém se aproveite da própria ignorância para fazer insinuações criminosas a meu respeito.

Sua inclinação de banir do uso corrente qualquer citação literária utilizada previamente por alguma organização criminosa e de lançar suspeitas sobre quem faça uso dessa citação é um modo de colaborar com essas organizações. Afinal, ao agir assim, ele não apenas ofende minha honra, ou demonstra sua incultura, como também se permite converter em instrumento do obscurantismo de quem quer que queira colocar obras culturais a serviço da destruição, da morte, do terror psicológico e do crime em geral.

O que ele faz, basicamente, é permitir que criminosos sequestrem o patrimônio cultural da humanidade e o empreguem para os seus fins, ao mesmo tempo em que tenta nos impedir até mesmo de mencionar qualquer obra que tenha sido instrumentalizada previamente por algum criminoso. Com isso, voluntária ou involuntariamente, ele se converte num colaboracionista do crime; em alguém que, tendo ou não simpatia por organizações criminosas e pela agenda de grupos terroristas, presta um grande serviço a essas organizações e a essa agenda.

A reportagem tentou contato com Filipe Martins por telefone e por mensagens, mas ele não atendeu às ligações e nem respondeu as mensagens.

Outros casos

Esta não foi a primeira vez em que pessoas ou instituições ligadas direta ou indiretamente ao presidente Jair Bolsonaro ganham destaque negativo por apresentarem discursos supostamente associados ao nazismo. Em janeiro de 2020 o então secretário especial da Cultura do governo federal, o diretor de teatro Roberto Alvim, citou trechos de uma fala do ministro da Propaganda de Hitler, Joseph Goebbels. Em sua defesa, Alvim disse que tudo não passou de uma coincidência. “Eu não citei ninguém e o trecho fala de uma arte heroica e profundamente vinculada às aspirações do povo brasileiro”, escreveu.Em 11 de maio, o perfil da Secretaria de Comunicação do Governo Federal publicou, também no Twitter, uma mensagem que trazia a frase “O trabalho, a união e a verdade libertarão o Brasil.” O trecho foi associado à frase que havia sobre os portões de vários campos de concentração nazistas, inclusive o de Auschwitz, na Polônia. Na sequência, o perfil da Secom respondeu às acusações de que havia usado uma frase associada ao nazismo: “Repudiamos veementemente qualquer associação desta postagem com quaisquer ideologias totalitárias e genocidas. O Estado brasileiro sempre foi um grande parceiro da comunidade judaica, bem como do Estado de Israel, como provam os fatos, para além das ilações forçadas e maldosas.”

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