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Emissora estatal

Assistimos à TV Brasil para saber se o dinheiro dos seus impostos está sendo bem aplicado

Janja e Cissa Guimarães: show de "vergonha alheia" no programa 'Sem Censura'.
Janja e Cissa Guimarães: show de "vergonha alheia" no programa "Sem Censura". (Foto: Reprodução/Instagram @JanjaLula)

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O veterano colunista de televisão Flavio Ricco, atualmente no portal R7, deixou uma pergunta no ar há alguns meses.

Segundo ele, se o orçamento da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) para 2024 é de R$ 792 milhões, por que o principal veículo da estatal, a TV Brasil, não tem uma programação mais competitiva?

Uma explicação para o fracasso do canal – cuja média histórica de audiência é de menos de meio ponto – talvez esteja na folha de pagamento.

Afinal, cerca de 70% de seus recursos são destinados somente aos salários da equipe, composta por cerca de 1,8 mil funcionários, divididos entre servidores concursados e comissionados (que “fizeram o L” em 2022 e são muito bem pagos). 

Essa vocação para cabide de empregos, no entanto, elucida apenas parcialmente a inexpressividade da emissora. 

Com o dinheiro restante, a TV Brasil até compra conteúdos interessantes, como filmes, documentários, transmissões esportivas e desenhos animados (praticamente excluídos da tevê aberta comercial desde que a publicidade infantil foi proibida no país, em 2014). 

Mas também investe em produções próprias que oscilam entre a exaltação ao governo Lula e a divulgação das causas identitárias. A julgar pelo traço de audiência, nem os petistas mais fiéis aguentam tanta militância.

Resumindo, é uma tevê que fica no meio do caminho: não tem um grande público e nem atrações elogiadas pela crítica – como a TV Cultura de São Paulo, famosa por seus formatos consagrados (‘Roda Viva’, ‘Provocações’, ‘Metrópolis’, ‘Viola, Minha Viola’, ‘Cocoricó’). 

Em 2021, o então ministro das Comunicações do governo Bolsonaro, Fábio Faria, já havia “mandado a real” sobre a TV Brasil.

Durante um embate nas redes sociais com o jornalista Carlos Andreazza, ele foi questionado com relação à promessa do ex-presidente de extinguir a emissora. E respondeu de uma forma nada política, o que causou surpresa geral. 

“Quando ela tiver condições de ter algum comprador! Ou se o lacrador conseguir um player que pague algum valor numa TV que deixa R$ 550 milhões de prejuízo por ano”, disse o genro de Silvio Santos. 

O que surpreendeu foi o tom de Faria, e não o tamanho do rombo. Porque em 2016, outro conhecido colunista de tevê, Ricardo Feltrin, à época no UOL, publicou uma estimativa alarmante sobre a quantia gasta a fundo perdido pela TV Brasil desde sua criação, em 2007, no governo Lula 2.

De acordo com Feltrin, o canal abocanhou dos cofres públicos nesse período de nove anos cerca de R$ 6 bilhões. O jornalista ainda fez um adendo: “E com menos espectadores que a Rede Vida”. 

Para o telejornal da emissora, as fake news são tão nocivas quanto as próprias enchentes no RS

Idealizada para ser a “BBC brasileira”, a EBC passa bem longe da excelência da corporação pública britânica, conhecida por exportar conteúdos diversos para o mundo inteiro. 

A função de seus veículos (TV Brasil, Canal Gov e Canal Educação, além de nove emissoras de rádio e duas agências de notícias) é basicamente divulgar as ações do governo – e, pelas beiradas, deslegitimar as pautas da oposição.

Um foco que ficou ainda maior com a queda de popularidade de Lula do ano passado para cá.

Um bom exemplo foi a ‘Retrospectiva 2023’ exibida no final de dezembro. De acordo com o programa, foi o ano “em que a democracia voltou a ser ameaçada” (numa referência ao 8 de janeiro), “do socorro aos povos indígenas” e “do recomeço de programas para cuidar dos brasileiros”. 

Também de “mais gente fora do mapa da fome”, “obras por todo o país”, “mais empregos”, “quedas nos juros” e “controle da inflação”, entre outras façanhas anunciadas em tom propagandístico.

O ‘Repórter Brasil’, principal telejornal da emissora, vai pelo mesmo caminho – só que todos os dias. 

Eis alguns destaques das edições mais recentes: “Polícia reprime estudantes que fizeram protesto contra Tarcísio na USP”, “Israel ataca abrigo na Faixa de Gaza e deixa pelo menos dez mortos”, “Condenado por 8 de janeiro é preso ao tentar fugir para a Argentina”. 

Nas últimas semanas, nota-se um esforço desmedido para aliviar a barra do Planalto com relação à crise no Rio Grande do Sul e emplacar a ideia de que o descaso ambiental causou toda a tragédia. 

“Cestas básicas chegam a indígenas atingidos”, “Movimentos sociais fazem marmitas para desabrigados no RS”, “Oito em cada dez brasileiros já sentiram efeitos das mudanças climáticas”, “Ministra do Meio Ambiente fala sobre mudança climática” foram algumas das reportagens veiculadas. 

Aliás, os chefes das pastas do executivo têm um programa só deles: o ‘Bom Dia, Ministro’, em que “marqueteiam” sua gestão durante uma hora. 

Mas, voltando ao ‘Repórter Brasil’, nada se compara à matéria “Além da enchente, população sofre com as notícias falsas”, que dá às fake news o peso de um flagelo. E o pior: tão sofrido quanto a destruição de cidades inteiras. 

O jornalismo da TV Brasil ainda conta com uma espécie de ‘Globo Repórter’ da casa, o ‘Caminhos da Reportagem’. A atração rende quando mostra curiosidades do interior do país, como festas populares e alimentos típicos. Porém escorrega nos temas woke

“Os desafios da agricultura familiar” (com atenção total ao MST), “Conheça professores que educam para a diversidade e a justiça social”, “Arte e demarcação de terras indígenas” e “Marielle, presente: cinco ano depois” foram alguns dos assuntos apresentados neste ano. 

As questões identitárias também estão bastante presentes em outras atrações do canal, como o ‘Trilha das Letras’ (voltado para a literatura brasileira, especialmente aquela que “lacra”) e o tradicional ‘Sem Censura’. 

Este último, reformulado e agora apresentado pela atriz Cissa Guimarães, reveza quatro tipos de entrevistados: ativistas sociais, profissionais liberais (especialmente médicos e psiquiatras), artistas e “personalidades” em geral. 

Como a primeira-dama Janja Silva, que deu um show de “vergonha alheia” em sua passagem pelo programa, na semana passada. 

A socióloga falou do figurino da posse, da cadela esperança, do cavalo Caramelo e até de um suposto relacionamento entre seu pai e Elis Regina (a filha dela, Maria Rita, também estava na bancada).

“Meu pai é gaúcho, Elis é gaúcha. Deu um match. Rolou um beijinho aqui e outro ali. Mas cada um foi para o seu caminho. Meu pai contava isso e minha mãe ficava muito brava”, disse. 

Os outros participantes, por sua vez, bajularam Janja além da conta – “estilosa”, “fofa”, “linda” e “fica ótima de óculos” foram alguns dos elogios direcionados a ela. 

Um dos debatedores fixos do ‘Sem Censura’, o influencer Murilo “Muka” Ribeiro nem fez questão de esconder sua intimidade com a entrevistada.

“Ela tem fã-clube, as pessoas a admiram demais. Não estou falando isso porque a gente se conhece”, afirmou Muka, que foi indicado pela primeira-dama à EBC e recebe um salário mensal de R$ 17,8 mil. 

Não por acaso, ele é agenciado pela Mynd8, empresa responsável por perfis pró-Lula e pela carreira de influenciadores acusados de compartilhar conteúdos falsos que teriam desencadeado a morte, por suicídio, de uma jovem de 22 anos (o chamado “Caso Choquei”).

Presidente e diretora da TV Brasil atacam a oposição em suas contas pessoais na internet 

O atual presidente da EBC é o historiador Jean Lima, filiado ao Partido dos Trabalhadores e com passagens por diversos cargos nas gestões da ex-presidente Dilma Rousseff e do ex-governador do Distrito Federal Agnelo Queiroz (que foi do PCdoB e hoje está no PT).

Já a roteirista Antonia Pellegrino responde pela direção de Programação e Conteúdo da empresa. Igualmente ligada à “companheirada”, ela é casada com Marcelo Freixo, atual presidente da Embratur.

Em suas contas pessoais no Twitter/X, os dois não fazem a menor cerimônia quando querem bajular Lula e, principalmente, condenar a gestão Bolsonaro ou a oposição. 

Em fevereiro, quando a divulgação do novo ‘Sem Censura’ começou, Lima compartilhou um post em que um militante comparava duas fotos – a da atriz Cissa Guimarães no estúdio da EBC com a do General Augusto Heleno (ex-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional) sendo entrevistado na atração, no governo anterior. 

E comentou: “Uma boa síntese numa imagem”. 

Mais explícita (e raivosa), Antonia Pellegrino soltou os cachorros para cima do senador Sergio Moro (União Brasil-PR) após a exibição de um especial sobre a Operação Lava Jato. 

“No programa, a gente fica sabendo que o seu professor de Direito tem VERGONHA do que você se tornou, Moro. Por quê? Por causa da sua atuação criminosa na Lava Jato”, disse. 

Conduzido pelo jornalista Leandro Demori, ‘Operação Lava Jato: 10 anos’ traz depoimentos de advogados e outras figuras da imprensa dita “progressista”. Ao longo de uma hora e meia, eles promovem uma verdadeira ofensiva contra Moro. 

Afirmam que o ex-juiz criou “um método baseado em ilegalidades muito nítidas", tinha "delatores de estimação" e “deveria se envergonhar do teatro que montou”, entre outros ataques. 

A corrupção na Petrobras, no entanto, foi abordada durante apenas – e literalmente – 1 minuto e 53 segundos. 

Conhecido pela série de reportagens ‘Vaza Jato’ (sobre a proximidade de Sergio Moro com os procuradores da operação), Demori também tem um talk-show próprio na TV Brasil, pelo qual recebe um salário de R$ 430 mil por ano. 

Foi no programa dele, o ‘Dando a Real com Demori’, que a presidente do PT, Gleisi Hoffmann soltou uma “pérola” que azedou de vez a relação entre o partido e os evangélicos

“Não dá para tratar os evangélicos como uma categoria religiosa. Tem que tratar como uma categoria social”, afirmou Gleisi, mostrando seu despreparo (e má vontade) para lidar com o tema.

Desde março, também pagamos por um canal internacional do governo 

No último mês de março, o governo estreou a TV Brasil Internacional, criada a partir de um desejo de Lula.

Segundo o ex-ministro-chefe da Secretaria de Comunicação, Paulo Pimenta, o presidente se ressentia, durante suas viagens ao exterior, de não encontrar conteúdos que “mostram e divulgam as coisas do país”.

O novo canal é transmitido pela internet e via parabólica para 12 países da América do Sul. Seu conteúdo é centrado em turismo, meio ambiente, cultura e gastronomia.

Mas o jornalismo da casa, extremamente favorável ao governo, também tem espaço, apresentado na forma de boletins.

De acordo com a EBC, o sinal será ampliado para outros 66 países no segundo semestre deste ano – por meio de investimentos na ordem de R$ 10 milhões. 

Outra informação que circula na imprensa diz respeito a uma suposta mudança de rumos da TV Brasil, com o objetivo de melhorar a popularidade de Lula. A ideia é contemplar mais os evangélicos e as mulheres em 2024.

A direção da EBC nega, afirmando já ter lançado sua programação deste ano. O pacote inclui, além do já citado retorno do ‘Sem Censura’, a transmissão de dois campeonatos de futebol (o Brasileirão da Série B e o Brasileirão Feminino) e a novela turca ‘O Milagre’ (comprada por R$ 4,4 milhões).

A emissora ainda promete uma infinidade de conteúdos nacionais realizados por meio de editais de incentivo ao audiovisual – afinal, é preciso escoar toda a produção bancada com recursos advindos dos mecanismos de isenção fiscal. 

E o processo de ampliação da rede da EBC não para. Depois de firmar parcerias de distribuição com canais universitários e regionais, a empresa passou a dar mais ênfase à replicação de seus conteúdos em pílulas nas redes sociais. 

São os chamados “cortes”, que, por meio de algoritmos (e do dinheiro dos nossos impostos), vão invadir o seu celular quando você menos esperar.

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