O atentado terrorista ocorrido nesta segunda-feira (22) à noite na saída de um show de música em Manchester, na Inglaterra, deixou pelo menos vinte e dois mortos e quase sessenta feridos. O suspeito pelo ataque, que também morreu na explosão, foi identificado como Salman Abedi, cidadão britânico de origem libanesa. O Estado Islâmico (ISIS, na sigla em inglês) imediatamente assumiu a autoria do atentado.
A relação entre Abedi e a organização terrorista ainda não foi confirmada pelas autoridades inglesas, mas a busca por admitir a responsabilidade em um ataque do tipo é mais uma mostra do declínio do ISIS: perdendo território e força nos locais que antes ocupava, o grupo se associa a qualquer episódio de terror ocorrido no Ocidente na tentativa de se manter relevante.
Perda de território e de influência
Desde que se separou da Al-Qaeda e ganhou proeminência a partir de 2014, o Estado Islâmico afirmou sua intenção de formar um “califado” – um Estado soberano governado de acordo com a doutrina salafista, movimento ultraconservador dentro do islamismo sunita. Favorecido pelas guerras civis na Síria e no Iraque, o ISIS conquistou parcelas importantes de território nos dois países, que chegou a controlar de fato por algum tempo, formando um governo paralelo que se dizia “independente”. Em seu auge, no final de 2014, a organização também obteve o poder pela força em partes de Afeganistão, Arábia Saudita, Argélia, Egito, Iêmen e Líbia, entre outros.
Mas o ambicioso projeto de criar um governo próprio logo se mostrou impossível para um grupo cuja única bandeira era o radicalismo islâmico. Pouco a pouco, o ISIS se mostrou incapaz de coordenar a vida cotidiana nos territórios que ocupava de outra maneira que não fosse pela força bruta, e o apoio à organização foi diminuindo. Simultaneamente, os países nos quais o Estado Islâmico se concentra começaram a contra-atacar, reduzindo ainda mais a influência do grupo sobre as populações locais.
Conforme a situação foi se agravando, ficou clara a incapacidade do ISIS de concretizar aquilo que prometia. “O grupo está cada vez menos focado em vender a ideia de um Estado”, escrevia, ainda em 2015, Joana Cook, pesquisadora do Departamento de Estudos de Guerra do King’s College de Londres.
“A antiga atenção por demonstrar suas habilidades de governar, como o provimento de serviços essenciais e a ordem social, estão cada vez mais perdidos em prol da busca por enfatizar a violência e o conflito”, analisava Cook.
Desde então, a situação do grupo terrorista não parou de definhar. Segundo levantamento divulgado em abril pela RAND Corporation, organização americana que realiza análises políticas, o ISIS controla hoje aproximadamente 52,7 mil quilômetros quadrados de território (área equivalente ao estado do Rio Grande do Norte) – cerca de metade do que tinha em mãos três anos atrás.
Mesmo nos países centrais do autoproclamado “califado”, o aniquilamento da organização é explícito: desde 2014, o Estado Islâmico perdeu 56% da população que dominava na Síria, e 83% no Iraque. Em países periféricos, como o Afeganistão, o controle territorial já baixou para cerca de um décimo do que era no auge da organização.
De acordo com as autoridades iraquianas, a situação do ISIS no país se tornou tão precária que o grupo chegou a iniciar tratativas de uma aliança com a Al-Qaeda, organização rival da qual o Estado Islâmico é uma dissidência.
A estratégia dos ataques pulverizados
Perdendo a guerra a olhos vistos, o ISIS passou a investir ainda mais na tática do terrorismo em países ocidentais, mas seguindo uma estratégia de pulverização dos atentados: sem recursos ou capacidade de planejar ações coordenadas que escapem ao olhar das autoridades, o Estado Islâmico busca atrair simpatizantes que realizem as ações por conta própria, solitariamente, e depois assume a autoria desses ataques.
A própria Inglaterra teve um exemplo recente, antes do ataque de Manchester: em março, Khalid Masood, um britânico de 52 anos convertido ao Islã, atropelou fatalmente cinco pessoas e esfaqueou um policial antes de ser morto, nas proximidades do Palácio de Westminster, sede do Parlamento em Londres.
Nenhuma ligação direta de Masood com o ISIS foi comprovada, o que não impediu a organização de se valer do episódio para passar a ideia de que mantém células ativas e prontas para atacar a qualquer momento. “O perpetrador dos ataques em frente ao Parlamento Britânico é um soldado do Estado Islâmico, e levou a cabo a operação em resposta aos nossos pedidos para agir contra os cidadãos da coalizão [que combate o ISIS]”, disse o grupo em uma declaração divulgada na ocasião.
Para as autoridades ocidentais, era uma nova mostra do enfraquecimento do grupo, e uma repetição do roteiro que já havia sido utilizado em ataques recentes como os de Nice, Berlim e Estocolmo: atentados em locais públicos, sem grande planejamento prévio e com atenção menor das forças de segurança. Em suma: alvos relativamente fáceis, com custo material e humano praticamente nulos para o combalido ISIS, mas capazes de provocar grande comoção mundial, dando a imagem de que o grupo tem mais poder do que realmente possui — mesmo efeito produzido pelo ataque em Manchester.
O radicalismo como verdadeiro inimigo
“A prioridade é estabelecer se ele estava agindo sozinho ou era parte de uma rede”, disse o chefe da polícia metropolitana de Manchester, Ian Hopkins. As investigações continuam, mas a tendência dos últimos ataques assumidos pelo ISIS na Europa demonstra que os terroristas raramente passam por qualquer tipo de treinamento com o grupo — simplesmente, seguem a doutrina e as ideias divulgadas pelo Estado Islâmico. Por si só, a organização terrorista já não tem força para representar uma grande ameaça aos países que diz combater, e nem mesmo é um risco real aos países em que está efetivamente presente.
Apesar do que o ISIS afirma, o adversário a ser combatido não é mais o grupo, e sim o radicalismo que, hoje, ele representa. Antes do Estado Islâmico havia sido a Al-Qaeda — depois dele, talvez outra organização leve adiante a bandeira da jihad e da guerra aos valores secularistas ocidentais. Em artigo publicado na revista New Yorker após o ataque em Manchester, o correspondente da Reuters David Rohdes questiona:
“As questões levantadas pelas mortes em Manchester têm sido debatidas por quase dezesseis anos, desde 11 de setembro de 2001. A força militar pode erradicar o terrorismo? A política externa dos EUA e da Grã-Bretanha é a causa do terrorismo ou a resposta a ele?”
Muitos analistas já voltaram a debater sobre a resposta correta, mas parece haver um consenso de que a questão não deve ser mais pensada em termos de Estado Islâmico: são valores e ideias que estão em jogo. “O incidente na Manchester Arena não será o último e, triste de prever, mais vidas serão perdidas”, escreveu o colunista Jonathan Romain no jornal britânico The Guardian nesta terça-feira (23). “Individualmente, ainda haverá sofrimento, mas, coletivamente, se pudermos preservar nossos valores e impedir que nossas emoções nos distraiam, os ataques vão ser ineficientes no seu objetivo maior de mudar quem nós somos e como nos comportamos”.
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