Na última semana, quando a Câmara Municipal de Curitiba aprovou a redução do ISS (Imposto sobre Serviços) para os catadores de material reciclável, a vereadora Maria Letícia (PV) comemorou: "Hoje celebramos uma grande conquista, não apenas para quem faz a sustentabilidade acontecer, mas para toda Curitiba”, ela escreveu, em uma postagem no Twitter.
A vereadora está longe de ser a única figura de esquerda a defender a redução de impostos para setores específicos. Em Brasília, na Câmara dos Deputados, é fácil achar outros exemplos. Os deputados Jandira Feghali (PCdoB-RJ), Glauber Braga (PSOL-RJ) e Alessandro Molon (PSB-RJ), por exemplo, são autores de um projeto que concede isenção tributária e anistia fiscal à Sociedade Brasileira de Autores. O deputado Enio Verri (PT-PR) quer que os feirantes possam adquirir veículos de carga sem pagar o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). A deputada Professora Rosa Neide (PT-MT) apresentou um projeto para que carros híbridos ou elétricos fabricados no Brasil também sejam isentos do IPI.
Em seu mandato, a presidente Dilma Rousseff também recorreu a cortes de tributos (como aqueles que incidiam sobre a folha de pagamento) para tentar desfazer os efeitos de uma crise causada, pelo menos em parte, pela gastança excessiva da própria administração petista.
Em comum, essas propostas tinham a premissa (correta) de que a redução de impostos é uma forma de incentivar a atividade econômica e, ao mesmo tempo, aumentar o poder de compra das famílias. Mas, se a esquerda entende essa lógica e quer aplicá-la a alguns setores da economia, por que não estendem o raciocínio para a economia como um todo?
Comando e controle
Para Allan Augusto Gallo Antonio, professor de Economia da Universidade Mackenzie, o problema não é a falta de conhecimento econômico. “Na realidade, nesses grupos existe uma ideia muito clara que impostos baixos podem incentivar o progresso, mas curiosamente ela convive com a convicção figadal de que a economia e, portanto, a sociedade precisa estar debaixo de uma lógica de comando e controle”, diz.
Para ele, é justamente por entender o efeito da redução de impostos que políticos de esquerda pretendem usar essas medidas de forma seletiva. “Nesse sentido, mais do que simplesmente fomentar o desenvolvimento, é necessário selecionar os setores e empresas que poderão contribuir com a pauta política e ideológica da esquerda, pois fomentar players que possam eventualmente ameaçar o projeto político pode ser problemático”, ele afirma.
Exemplos de sucesso
Não faltam exemplos de que a adoção de uma carga tributária reduzida tem o poder de induzir o desenvolvimento econômico. Um deles é o do Chile. Politicamente, o regime era tão autoritário quanto Brasil, Uruguai e Argentina. Do ponto de vista econômico, entretanto, o Chile dos anos 70 se destacava por uma guinada liberal que teve início com um corte de 10% nas tarifas de importação e se estendeu para outras medidas que reduziram a carga tributária. O resultado foi o chamado “milagre chileno.” Em 1975, o PIB (Produto Interno Bruto) per capita do Chile era praticamente igual ao do Brasil e metade do da Argentina. Hoje, pela mesma métrica, os chilenos têm o dobro da prosperidade dos brasileiros e 30% mais que os argentinos. Segundo o Fórum Econômico Mundial, o PIB per capita do Chile é de US$ 17,8 mil (equivalente a R$ 85 mil na cotação atual).
Na Europa, a Irlanda seguiu um caminho similar. Entre os anos 1990 e 2000, o país deu um salto impressionante e deixou para trás países que, tradicionalmente, eram mais prósperos. Em 2001, o PIB per capita irlandês ultrapassou o do Reino Unido. De lá para cá, a diferença só aumentou. Hoje, com cerca de 100 mil dólares, o PIB per capita da Irlanda é o dobro do britânico. Também neste caso, o consenso é o de que a adoção de impostos relativamente baixos atraiu grandes empresas para o país, o que reduziu drasticamente o nível de desemprego e impulsionou o crescimento econômico irlandês. Essa aceleração impulsionou o valor arrecadado para os cofres públicos, o que tornou desnecessário um eventual aumento de impostos.
Entre os economistas, a correlação entre impostos baixos e desenvolvimento econômico é amplamente aceita — embora haja debates sobre os níveis ideais de taxação. “Considerando o conhecimento atual sobre economia e políticas públicas, existe um consenso de que uma carga tributária reduzida, sem favorecimento a setores específicos, pode ter efeitos positivos no desenvolvimento econômico”, afirma Allan Augusto Gallo Antonio.
Incentivos fiscais
Um artigo acadêmico publicado no ano passado mostra os resultados positivos de um programa de incentivo fiscal adotado na Itália em 2015. No estudo, pesquisadores italianos concluíram que incentivos fiscais foram capazes de gerar um aumento na produtividade e uma melhora nos salários.
Em 2008, pesquisadores da Universidade de Chicago encontraram evidências de que a redução das alíquotas de imposto tende a aumentar a longevidade das empresas (em outras palavras, menos impostos significam empresas mais saudáveis economicamente).
Um estudo da Universidade Erasmus de Roterdã, na Holanda, também mostrou que a desoneração da folha de pagamento implementada em 2012 no Brasil teve consequências positivas. “As estimativas sugerem que, em média, a política levou a um aumento de 15% no nível de emprego, a mão-de-obra total medida por horas de trabalho contratadas aumentou 9% e os salários aumentaram 2%”, escreveram os autores.
Os exemplos do Chile e da Irlanda, entretanto, trazem um componente importante: as consequências da redução da carga tributária podem não ser imediatas. Leva tempo até que grandes empresas decidam rever seus investimentos e investir no território irlandês em vez da França, por exemplo.
Além disso, a desoneração precisa ser geral. A combinação de carga tributária elevada com redução de impostos para setores específicos, e por períodos específicos — como querem muitos políticos de esquerda — tem dois problemas. O primeiro é a falta de previsibilidade: se as alíquotas dependem do bom-humor do governante do momento, as empresas têm menos capacidade de planejar suas atividades no médio e longo prazo. O segundo é o recado implícito aos demais setores da economia: ao favorecer, por exemplo, o setor automotivo, o governo sinaliza que outras áreas são menos relevantes aos olhos do Estado; isso tende a desincentivar os investimentos nessas atividades econômicas.
Por fim, a carga tributária não é o único fator a ser levado em conta. A qualidade dos gastos públicos e a solidez institucional são importantes. A redução de impostos implementada por Dilma Rousseff, por exemplo, falhou ao não ser acompanhada de uma diminuição adequada nos custos da máquina pública.
Ainda assim, a lição é clara: impostos reduzidos tendem a gerar mais desenvolvimento econômico e prosperidade. Até os políticos de esquerda sabem.
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