Policial aparece na janela do Parlamento Iraniano durante ataque perpretado pelo Estado Islâmico, que deixou 12 mortos no total.| Foto: OMID VAHABZADEH/AFP

O Oriente Médio vive uma escalada de tensão atípica até para os seus próprios padrões. Nesta terça (06), uma coalizão de nações árabes liderada pela Arábia Saudita anunciou um embargo ao pequeno Catar, um dos menores países do Golfo Pérsico, com menos de 3 milhões de habitantes. Nesta quarta (07), o Irã sofreu seu maior atentado terrorista em mais de uma década, quando homens-bomba alegadamente ligados ao Estado Islâmico invadiram o Parlamento de Teerã e o Mausoléu do Aiatolá Khomeini (patriarca da Revolução de 1979), deixando um rastro de 12 mortos e 42 feridos. 

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O aumento da instabilidade na região deixa o futuro imediato incerto e ocorre apenas duas semanas após a visita de Donald Trump ao Oriente Médio, naquela que foi sua primeira viagem oficial após assumir a presidência dos Estados Unidos – e analistas internacionais entendem que a proximidade dos fatos não é mera coincidência. Afinal, o que está acontecendo no mundo islâmico? 

A questionada liderança saudita 

O rei saudita Salman bin Abdulaziz al-Saud (à direita) se encontra com o Emir do Kuwait, o xeique Sheikh Sabah al-Ahmad al-Jaber al-Sabah, em Jedá 
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Após ter passado boa parte da campanha criticando Barack Obama por jamais romper a aliança norte-americana com os príncipes sauditas, Donald Trump tomou uma decisão polêmica e escolheu justamente Riad, capital da Arábia Saudita, como o primeiro destino estrangeiro de seu governo. Sua visita à maior nação da Península Arábica foi considerada por muitos um movimento legitimador da monarquia saudita, que não apenas reforçou os já conhecidos laços entre os dois países, mas também reafirmou a posição dos príncipes locais como líderes regionais. 

Em suas falas em Riad, Trump expressou sua solidariedade às nações muçulmanas que sofrem com o radicalismo nas mãos de organizações como a Al-Qaeda e o ISIS, e ofereceu auxílio – e um lucrativo negócio de venda de armas – para que a Arábia Saudita ajudasse no combate a esses grupos. O presidente dos EUA ainda acrescentou que a principal ameaça à segurança na região seria o Irã, país que chegou a equiparar à Coreia do Norte como as nações que mais preocupam Washington. 

“Graças à recente visita de Trump, eles parecem sentir que ele vai lhes dar suporte, já que ele adotou um discurso anti-Irã”, declarou Yezid Sayigh, pesquisador do Carnegie Middle East Center no Líbano, em entrevista ao Washington Post. “Eles (os governos árabes aliados aos sauditas) parecem pensar que isso significa que podem fazer o que bem entenderem”. 

O governo americano preocupa-se há anos com o projeto nuclear iraniano, que as administrações anteriores se esforçaram em desmantelar, pela diplomacia ou pela força. O governo de George W. Bush (2000-2008) chegou a definir o Irã como “o maior patrocinador do terrorismo no mundo”, e Barack Obama apontava como uma das maiores conquistas de seu governo a negociação do acordo que restringiu o programa nuclear do país, em troca da suspensão de algumas sanções impostas ao governo iraniano. 

Apesar da percepção pública da ameaça representada por Teerã, muitos têm apontado a contradição de Trump de ignorar o alegado envolvimento saudita em ações terroristas, escolhendo justamente aquele país para carregar a bandeira do combate ao extremismo. Os príncipes de Riad são acusados de adotar uma postura perigosamente hipócrita: estendendo a mão aos EUA ao mesmo tempo em que financiam madrassas (escolas de estudos islâmicos apontadas como foco de formação de extremistas) ao redor do mundo. 

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Os sauditas também são acusados de financiar, em segredo, a própria Al-Qaeda e o ISIS — entre outros fatos apontados pelos críticos norte-americanos, quinze dos dezenove terroristas envolvidos nos ataques de 11 de setembro de 2001 haviam saído da Arábia Saudita, e o pai de Osama Bin Laden (que cresceu em Riad) era próximo da família real. 

Catar: o gás natural financiando o radicalismo islâmico 

Vista de Doha, capital do Catar 

As declarações de Trump deram o suporte necessário para a Arábia Saudita tomar medidas mais drásticas do que de costume em relação aos seus vizinhos, usando como pretexto o combate ao terrorismo. Na última segunda-feira (5), uma coalizão liderada pelos sauditas e contando com a participação de Emirados Árabes, Bahrein, Egito e Iêmen, conhecida como Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) anunciou a suspensão de relações diplomáticas e de viagem com o Catar. 

Oficialmente, a alegação do CCG é que o Catar estaria usando suas riquezas para financiar a Irmandade Muçulmana, organização islâmica radical que tem conquistado grande influência política, particularmente em solo egípcio e iemenita. Embora a Casa Branca tenha oficialmente afirmado que não tomaria posição no caso, Donald Trump novamente deixou transparecer sua preferência no Twitter, exaltando o bloqueio dos países do Golfo e assumindo – indiretamente – parte da responsabilidade: “Durante minha viagem recente ao Oriente Médio, eu afirmei que não pode mais haver financiamento para a Ideologia Radical”, disse o presidente americano. “Os líderes apontaram para o Catar – veja!” Curiosamente, os catarianos são parceiros militares dos EUA, que mantêm cerca de 10 mil soldados em bases instaladas no país. 

Segundo Gerd Nonneman, professor de relações internacionais do campus avançado da Georgetown University no Catar, a disputa vem da irritação “com a independência do país em termos de política internacional, incluindo seu apoio aos movimentos da Primavera Árabe”. Isso inclui não apenas o apoio à Irmandade Muçulmana, mas também a recusa em se alinhar ao restante do Golfo no isolamento ao Irã, contrariando os interesses sauditas e americanos na área. Se for estendido por muito tempo, o bloqueio pode ser desastroso para a economia do Catar, que se prepara para sediar a Copa do Mundo de 2022: com as fronteiras terrestres fechadas, o país também fica sem acesso a grande parte dos alimentos que importa – cerca de 40% do suprimento alimentício do país chega através da fronteira com a Arábia Saudita. 

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A disputa também é econômica: o Catar é o maior exportador de gás natural da região, recurso que alavancou sua economia a partir de meados dos anos 90 (graças à riqueza e à população reduzida, o Catar tem hoje o maior PIB per capita do mundo, quando considerada a paridade do poder de compra) e o tornou um adversário político de peso para os sauditas. Outro aspecto que teria ajudado a precipitar a crise é um episódio peculiar relatado pelo Financial Times: cerca de 26 membros da família real catariana teriam sido sequestrados por radicais islâmicos durante uma viagem de caça à Síria, e o país teria pago cerca de 1 bilhão de dólares em resgate — dinheiro que foi para as mãos de grupos ligados à Al-Qaeda. 

O atentado ao Irã 

Membros da Guarda Revolucionária Iraniana protegem os arredores do Parlamento logo após ataque terrorista que matou três pessoas 

A princípio, o atentado ocorrido nesta quarta-feira (07) em Teerã não tem relação direta com a situação do Catar, mas o timing do ataque fez com que se levantassem dúvidas sobre a influência da recente visita de Donald Trump ao Oriente Médio. O Estado Islâmico assumiu a autoria do atentado, o primeiro registrado em Teerã em mais de uma década, que acontece apenas duas semanas depois de o presidente americano convocar a região a se unir contra o Irã – e somente dois dias após o bloqueio ao Catar, único país do Golfo que mantém relações com o governo iraniano. 

Lutando há anos para impedir os avanços do ISIS no país, o Irã sustenta que o califado recebe secretamente financiamento saudita, e após os ataques desta quarta-feira deixou claro que não o encara como uma simples coincidência. A Guarda Revolucionária Iraniana, braço das forças armadas do país criado após a Revolução de 1979, lançou uma nota responsabilizando os sauditas e os americanos pelos fatos vividos em Teerã: “a opinião pública do mundo, especialmente o Irã, reconhece esse ataque terrorista – ocorrido apenas uma semana após o encontro do presidente dos EUA com o líder de um dos governos mais atrasados da região, que suporta terroristas fundamentalistas – como algo muito significativo”, dizia o documento. 

O Departamento de Estado norte-americano não chegou a comentar as afirmações iranianas, limitando-se a indicar solidariedade após o ataque. “Nós expressamos nossas condolências às vítimas e suas famílias, e mandamos nossos pensamentos e orações ao povo do Irã. A depravação do terrorismo não tem lugar em um mundo pacífico e civilizado”, disseram os oficiais do governo em Washington.

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