Pugilista Angela Carini (à frente), que representa a Itália nas Olimpíadas, chora após derrota para Imane Khelif (Argélia), que foi reprovada após teste de gênero por entidade internacional do boxe no ano passado.| Foto: EFE/EPA/YAHYA ARHAB
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O  Comitê Olímpico Internacional (COI) permitiu que competissem no boxe feminino das Olimpíadas Paris 2024 duas pugilistas que, em outros tempos e sob as diretrizes de entidades do esporte, seriam recusadas nos testes relacionados a gênero: Imane Khelif, da Argélia; e Lin Yu-ting, de Taiwan.

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Khelif lutou contra a italiana Angela Carini na categoria até 66kg nesta quinta-feira (1º). A luta durou 46 segundos. Carini desistiu após um soco no rosto — furiosa e em prantos, ela gritou “isso é injusto” e se recusou a segurar a mão do juiz quando Khelif foi declarada vencedora.

“Estou acostumada a sofrer”, a pugilista italiana afirmou depois da luta em coletiva de imprensa, mas “nunca levei um soco como aquele, é impossível continuar. E não sou ninguém para dizer que é ilegal. (...) Comecei a sentir uma dor forte no meu nariz. Não desisti, mas o soco doeu muito e eu disse basta. Saio de cabeça erguida”.

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O treinador de Angela Carini, Emanuel Renzini, disse que ela tinha sido avisada para não lutar com Khelif. “Muitas pessoas na Itália tentaram ligar e dizer para ela ‘não vá, por favor, é um homem é perigoso para você’”, afirmou.

Entre muitos outros, manifestaram desaprovação pela inclusão da boxeadora argelina o presidente argentino, Javier Milei, o senador Sergio Moro, o empresário Elon Musk, o deputado Kim Kataguiri e a escritora J. K. Rowling.

Yu-ting deve lutar nesta sexta-feira (2), na categoria até 57 kg.

O que se sabe sobre o sexo de Imane Khelif e Lin Yu-ting

Como a Gazeta do Povo detalhou em 2021, a puberdade masculina confere uma série de vantagens a atletas no esqueleto, pulmões e músculos. Até antes da puberdade já existem diferenças, os meninos são um pouco mais rápidos nas corridas. O soco de quem passou pela puberdade masculina é 2,6 vezes mais forte.

Imane Khelif e Lin Yu-ting haviam sido desqualificadas do campeonato mundial promovido pela Associação Internacional de Boxe (AIB) no ano passado. O motivo foi que testes de DNA mostraram que ambas tinham o padrão cromossomal masculino, “XY”.

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A AIB foi banida de administrar a competição de boxe das Olimpíadas de Paris 2024, não por causa de suas diretrizes em gênero, mas por problemas de governança e escândalos envolvendo juízes das lutas. A Unidade de Boxe do COI assumiu a tarefa, e aplicou as regras mais lenientes de inclusão do comitê.

Khelif foi desqualificada “horas antes da luta pela medalha de ouro contra Yang Liu em 2023 em Nova Délhi, Índia, depois que seus níveis elevados de testosterona falharam em atender os critérios de qualificação”, admite o próprio COI em seu site. Lin teve que entregar a medalha de bronze que já tinha ganhado naquele ano por motivos similares.

Khelif atribuiu a desqualificação a uma conspiração: “pessoas conspiraram contra a Argélia para que sua bandeira não fosse erguida e ela não ganhasse a medalha de ouro”, disse na época à AFP.

As duas atletas são “intersexo”?

Na biologia, somente se sabe de um caso de organismo “XY” que potencialmente não ganha nenhuma das vantagens atléticas da puberdade masculina: é aquele portador da “síndrome da insensibilidade completa a androgênio”. Nessa síndrome, a molécula que age como uma “antena” que recebe nas células o sinal da testosterona (hormônio masculinizante que tem níveis 15 vezes maiores no sangue dos homens que nas mulheres) é completamente inativada por mutações genéticas.

Efetivamente, portanto, não acontece a puberdade masculina nessa condição. Portadoras da síndrome são mulheres inférteis, sem útero, que nascem com vagina apesar de não terem a combinação cromossomal feminina “XX”.

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Não se sabe se essa é a síndrome de Khelif e Yu-ting.  “Elas são mulheres em seus passaportes”, disse o porta-voz do COI, Mark Adams.

Como não há notícia de que ambas tenham feito transição de gênero, e a Argélia é um país de maioria muçulmana que não aceitaria mudar o sexo de cidadãos nos passaportes, comentaristas têm especulado que ambas as atletas, ou Khelif em específico, são “intersexo”.

O médico Leonard Sax, autor do livro “Por que o gênero importa?” (LVM, 2019) define intersexo como “indivíduos que têm cromossomos XY com anatomia feminina predominante, cromossomos XX com anatomia masculina predominante ou genitálias ambíguas ou mistas”. Os intersexos são menos de 0,02% da população e incluem portadores da síndrome de insensibilidade completa à testosterona.

Geralmente, ninguém sabe que as meninas com insensibilidade completa têm cromossomos masculinos até chegarem ao período comum da puberdade e elas levantarem preocupações dos pais e médicos acerca de seu gênero por não menstruarem.

Qual é a probabilidade de as duas atletas terem a síndrome de insensibilidade completa à testosterona? Em estimativas mais atualizadas, a condição atingiria no máximo um a cada 20 mil nascimentos (o mínimo é de um em 100 mil). Mas também existem as insensibilidades parcial e branda, em que há algum efeito da testosterona na puberdade. As síndromes parcial e branda são diagnosticadas com mais frequência que a insensibilidade completa, e muitos desses pacientes não têm as mutações genéticas associadas à insensibilidade completa.

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Na opinião de Sax, somente a insensibilidade completa deve ser considerada intersexo, a branda e a parcial, caso inclusas, expandiriam o conceito demais.

Mais estudos sobre essas condições são necessários, e mais informações sobre as duas atletas. No momento, é possível afirmar que é mais provável que tenham passado por algum efeito masculinizante na puberdade. Os níveis altos de testosterona relatados pelo COI não são suficientes para responder à questão.