Os jornalistas Glenn Greenwald e Augusto Nunes, durante debate no programa Pânico, da rádio Jovem Pan, não resistiram à animosidade latente entre os dois e, depois de um escambo de palavras ríspidas, trocaram empurrões e socos, até serem contidos pelos produtores. Há relatos de que a briga continuou mesmo depois que a rádio interrompeu a transmissão do programa, que também é exibido em vídeo.
Há muito se sabe que os dois personagens da luta de boxe improvisada não nutrem qualquer apreço um pelo outro. Nunes questiona o jornalismo praticado por Greenwald, editor do site Intercept, crítico do atual ministro da Justiça, Sergio Moro, e defensor de Lula e das causas progressistas. Greenwald, por sua vez, passou a desprezar Nunes depois que o experiente jornalista insinuou que o Ministério Público deveria investigar a adoção dos filhos dele, Greenwald, com o deputado federal pelo PSOL David Miranda.
Mais do que isso, os dois jornalistas representam polos opostos do debate (que agora descambou para o confronto físico) político brasileiro. De um lado estão os chamados lavajatistas e antipetistas ferrenhos; do outro, os progressistas, declaradamente petistas ou não, que acreditam que Lula é um preso político e que todas as acusações envolvendo o PT não passam de uma grande conspiração internacional para prejudicar a luta socialista.
Em que pese a conflituosa relação pessoal entre os dois jornalistas, o fato é que os xingamentos de “covarde” e os semissocos trocados entre os dois homens de cabelos brancos e aquela barriguinha proeminente típica de quem deveria ostentar certa sabedoria própria da meia-idade retratam as crescentes dificuldades pelas quais o diálogo no debate público brasileiro vem passando, desde as manifestações pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e até antes disso, por xingamentos explícitos ou velados, ataques à honra e assassinatos de reputações entre petistas e antipetistas.
E aqui não vem ao caso, como numa briga de recreio, apontar quem começou com as hostilidades.
Faz tempo que o conflito de ideias no Brasil descambou para a vulgaridade. Está aí a própria linguagem, expressa primeiro nas redes sociais, mas já vazada para a imprensa e para o cotidiano, que não me deixa mentir. De um lado estão os petistas, vistos não como adversários, e sim como inimigos, e por isso chamados de petralhas (numa referência aos bandidos Irmãos Metralha das histórias em quadrinhos da Disney). De outro estão os bolsominions, vistos como fascistas, quando não a encarnação do mal, assim chamados numa referência aos simpáticos servos de Gru na animação ‘Meu Malvado Favorito’.
E, no meio desses dois, estão aqueles que buscam algum tipo de convergência e bom-senso e que são pejorativamente chamados de isentões.
A linguagem desumanizante é só um dos aspectos mais deploráveis dessa briga que agora envolve dois jornalistas experientes, um deles ganhador do Prêmio Pulitzer e o outro com quatro prêmios Esso. O outro aspecto deplorável da contenda está justamente no fato de serem pessoas hábeis no manuseio das palavras e das ideias que abdicam dessas ferramentas civilizatórias e partem para a agressão física. É como se Nunes e Greenwald e, por extensão, todos os atores deste drama político abandonassem o uso da razão e do diálogo, tentando, até por incompetência argumentativa, se impor pela força.
Pode-se argumentar que é natural que alguém, sentindo-se ofendido ou intimidado pela presença de um antagonista, possa agredir fisicamente o outro e que este outro se sinta até no dever de revidar. Mas a que preço e com que objetivo? Será mesmo que duas pessoas nesta situação acreditam, de forma até inconsciente, instintiva, que convencerão o adversário de que sua visão de mundo é a melhor e mais acertada? Será que imaginam que um soco é capaz de expiar uma culpa qualquer e levar à redenção?
Pior de tudo é constatar (e reconheço que não há nenhum brilhantismo nisso) que a briga entre Glenn Greenwald e Augusto Nunes nada muda no cenário político brasileiro atual. Nas redes sociais, por exemplo, o vídeo dos socos e empurrões já virou piada. E há até algo de saudável nisso; do contrário, é possível que as ruas já estivessem ocupadas por idiotas úteis jogando coquetéis molotov contra policiais e saqueando lojas.
Para os lavajatistas, antipetistas, bolsolavistas ou, vá lá, bolsominions Augusto Nunes sai vencedor, tendo acertado seu adversário com um direto de mão aberta no rosto. Para os progressistas, petistas, lulistas e, vá lá, petralhas o vencedor é Glenn Greenwald, que, mesmo contra as cordas, se lançou contra o adversário, acertando-lhe um jab de mão mole no peito.
E, para ambos, este texto e esta conversa toda sobre a importância da razão e do diálogo para a manutenção de um estado de coisas pacífico e civilizado não passa do discurso de um isentão sem coragem de assumir claramente um dos lados.