“Em Águas Sombrias”, de Paula Hawkins. Tradução: Claudia Costa Guimarães. Editora Record. R$ 42,90| Foto: Divulgação

O que fez com que o romance de estreia de Paula Hawkins, o "A Garota no Trem", publicado em 2015, fizesse tanto sucesso? O enredo — que envolve infidelidade no casamento com consequências homicidas — é comum entre suspenses psicológicos. Mas o estilo de Hawkins de narrar em ziguezague fez com que o livro vendesse 20 milhões de cópias pelo mundo e fosse adaptado por Hollywood. 

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A heroína do romance, Rachel, pega o mesmo trem todos os dias e passa pelas mesmas casas. Um de seus hábitos é assistir um casal comer o café da manhã no deck — até que essa cena começa a mudar. A técnica de Hawkins para escrever o thriller é similar ao método KonMari criado pela japonesa guru em organização Marie Kondo para dobrar roupas. Seus capítulos curtos se dobram engenhosamente, como uma gaveta de blusas arrumadas por Kondo. Tudo tem seu lugar. 

Agora Hawkins volta com um segundo thriller, "Em Águas Sombrias". Muitos dos elementos que ajudaram a impulsionar o "A Garota no Trem" estão presentes nesse livro: uma ambientação vívida e narradores não confiáveis que contam variações de um mesmo acontecimento e que aqui, curiosamente, contradizem um detalhe crucial. 

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Algo errado

Mas algo está errado nesse segundo romance: ele é parado ao invés de intrigante. "A Garota no Trem" podia até ser repetitivo, passando pelos mesmos lugares no mesmo trem duas vezes por dia, mas pelo menos se movia; "Em águas sombrias" está preso na lama. 

A narrativa de Hawkins começa com Jules Abbott, uma jovem mulher que foi chamada para a casa da sua irmã mais velha (Nel) por dois policiais. A casa, em uma pequena cidade no Norte da Inglaterra, é uma propriedade da família, mas é fácil dizer por que Jules saiu dali logo que pôde. O lugar está tão perto de um rio que parece prestes a cair na água em qualquer momento. Aqui está a descrição de Jules da vista da janela da cozinha: 

"Tão bonito, todos dizem quando olham pela janela. Mas eles não veem realmente. Eles nunca abriram a janela e se inclinaram, nunca olharam para a polia apodrecendo, nunca olharam além do pôr do sol se refletindo na superfície da água. Nunca viram a água como o que realmente é, preto esverdeada e cheia de coisas vivas e coisas morrendo". 

Água infectada

O corpo de Nel foi encontrado perto do Poço dos Afogamentos, um lugar conhecido perto de um penhasco que ela fotografava obsessivamente. Nel pesquisava a história de mulheres locais que morreram no poço — algumas eram suicidas, mas outras encontraram o fim contra a sua vontade.

O primeiro afogamento conhecido foi o de Libby Seeton, uma jovem menina acusada de bruxaria afogada no rio no outono de 1679. Outras vítimas incluem Anne Ward, cujo marido voltou da Primeira Guerra Mundial com tendências violentas e, mais recentemente, Katie Whittaker, amiga de escola da filha de 15 anos da filha de Nel, Lena. 

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Os leitores podem se perguntar por que a prefeitura não criou um muro ao redor do Poço dos Afogamentos. A resposta é dada por uma mulher chamada Nickie Sage, a adivinha local. "As pessoas se faziam de cegas… ninguém gostava de pensar no fato de que a água do rio está infectada com sangue e bile de todas essas mulheres perseguidas e tristes, afinal, elas bebiam essa água todos os dias". 

Todos são suspeitos

Jules aparece no meio dessa escuridão. Ela estava afastada de Nel por anos, mas agora assume a guarda de sua sobrinha Lena, uma adolescente brava e devastada, e começa a investigar o afogamento misterioso da irmã. Suspeitos começam a aparecer como libélulas: um belo professor do ensino médio, um safado policial aposentado e a mãe enlutada de Katie Whittaker, que culpava Nel na morte da filha.

Esses personagens, assim como quase todo mundo que Jules encontra nessa vila úmida, contam suas próprias versões da história, repletas de lama e malícia. Jules cava a sujeira até que, inevitavelmente, chegamos na cena de clímax na beira da água, quando outra vítima parece destinada a sumir no poço. 

Se em "A Garota do Trem" Hawkins cria uma situação em que sua apática heroína é levada de volta à vida por conta da paisagem que muda drasticamente nos seu trajeto diário, "Em águas sombrias" ela paralisa as pessoas da cidade ao redor do Poço dos Afogamentos, cuja natureza sinistra permaneceu inalterada por séculos. As revelações sobre a vida de morte da irmã provocam apenas uma onda na rotina de Jules. 

"Em águas sombrias" é um thriller decepcionante. Uma boa descarga tiraria todos — personagens e leitores — de sua miséria.

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Tradução: Gisele Eberspächer