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Anthony Fauci
Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos, fala em evento na Cidade do México em julho de 2019.| Foto: EFE/ Mario Guzmán

Uma leva de e-mails do começo da pandemia trocados por autoridades sanitárias influentes sugere que elas trabalharam para suprimir a hipótese de origem laboratorial do novo coronavírus. As mensagens, antes censuradas legalmente, foram liberadas via lei de acesso à informação, após um pedido judicial feito pela jornalista independente James Tobias. Entre essas autoridades estão Anthony Fauci, diretor da seção de doenças infecciosas dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos, e Jeremy Farrar, diretor do Wellcome Trust, grande organização de financiamento de pesquisa do Reino Unido.

As 174 páginas de e-mails trazem revelações em detalhes do que já era conhecido após a liberação de correspondências eletrônicas no ano passado, quando mais censuras judiciais eram feitas, com tarjas em cima de trechos e informações delicadas. Muitas das censuras ocorreram a pedido dos NIH. Já se sabia, por exemplo, de uma reunião crucial de Fauci, Farrar e outros cientistas em fevereiro de 2020. Na ocasião, aqueles que desconfiavam que o vírus da Covid-19 tinha origem laboratorial expressaram essas dúvidas, mas mudaram de ideias em poucos dias.

Um dos cientistas, Kristian Andersen, do Instituto Scripps, disse a Fauci em um e-mail de 31 de janeiro de 2020 que “algumas das características [do vírus] (potencialmente) parecem produto de engenharia”. Outro, Robert Garry, disse dias depois: “não consigo entender como [essas características] são atingidas na natureza”. Meros quatro mais tarde, o próprio Andersen ridicularizou a ideia da origem laboratorial da Covid-19, classificando como “teorias malucas”. Quando essas mensagens foram reveladas, os cientistas se defenderam dizendo que mudaram de ideia por causa de novas evidências.

Os e-mails mostram, no entanto, que as preocupações de origem laboratorial eram tão sérias que eles pensaram em falar com agentes de segurança nacional. Em um email com data da madrugada de 1º de fevereiro de 2020, Fauci disse a Farrar, Andersen e a dois colegas dos NIH que “se todos concordam com essa preocupação, devem denunciar às autoridades apropriadas. Imagino que nos EUA elas sejam o FBI e no Reino Unido o MI5”. O MI5, agência de inteligência dos britânicos, já teve como diretora-geral a baronesa Eliza Manningham-Buller, que presidiu o Wellcome Trust até 2021, sendo substituída pela ex-primeira-ministra australiana Julia Gillard. À moda de agentes de inteligência, Farrar disse em livro que, durante o período dos e-mails, utilizou um telefone descartável.

Outro e-mail informativo data de 4 de fevereiro de 2020, quando Farrar enviou para Fauci e Francis Collins, diretor dos NIH, um rascunho de um artigo acadêmico que mais tarde se tornou um dos mais influentes para a narrativa de que a hipótese da origem laboratorial seria uma “teoria da conspiração”. Depois de ler o rascunho, Fauci respondeu “?? Passagem em série [do vírus] em camundongos transgênicos com ACE2” (ACE2 é uma molécula receptora humana do pulmão que permite a entrada do vírus nas células, os camundongos transgênicos a produzem). Farrar treplicou “Exatamente!” e Collins comentou “certamente isso não seria feito em um laboratório com BSL-2?”, referindo-se a um nível de segurança laboratorial insuficiente, apenas um nível acima do mínimo, equivalente aos protocolos de consultório de dentistas.

A data dos e-mails é importante porque coincide com o momento em que os cientistas dizem ter mudado de ideia, devido a novas evidências. Eles trabalhavam em um rascunho de artigo que assegurava que a origem do vírus tinha ligação apenas com animais silvestres. Ao mesmo tempo, porém, em mensagens entre eles expressavam perplexidade com protocolos laboratoriais de pesquisa com coronavírus na China e o nível de segurança com que esses experimentos eram realizados, ambos sinais que poderiam corroborar vazamento laboratorial.

Artigos acadêmicos revelam que o Instituto de Virologia de Wuhan, receptor de verbas americanas, de fato fazia experimentos com coronavírus neste exato nível de segurança. Farrar encerrou a conversa se referindo ao instituto como “Velho Oeste...”, ou seja, um lugar sem lei.

Apesar de todas as desconfianças expressadas nesses e-mails, a linguagem do artigo acadêmico publicado pelos cientistas foi forte contra qualquer especulação na direção de uma origem por vazamento laboratorial. O artigo foi publicado na revista Nature Medicine em 17 de março de 2020. Artigo similar foi publicado na época na revista médica The Lancet. Dois anos depois, a Lancet voltou atrás e, após relatório de uma comissão própria, passou a considerar a origem laboratorial como uma concorrente séria da hipótese da origem puramente natural.

Secretária de imprensa ajuda Fauci diante de pergunta difícil

Na semana passada, Anthony Fauci esteve em uma coletiva de imprensa na Casa Branca. Prestes a se aposentar aos 81 anos, no mês que vem, ele foi uma das principais vozes da burocracia médica estatal americana tanto no governo Trump quanto no governo Biden. Na coletiva de terça (22) ele não respondeu a perguntas sobre o que fez para investigar as origens do novo coronavírus, causador da Covid-19.

Um comitê do Congresso americano sugeriu em outubro que, no momento, é mais plausível a hipótese de o vírus ter escapado de um laboratório chinês que usava verbas de pesquisa americanas para estudar ganho de função (alteração das capacidades infecciosas de vírus pela engenharia genética). Houve um período de moratória sobre os recursos para esse tipo de pesquisa durante o governo Obama e início do governo Trump. Uma das brechas da moratória é que as verbas poderiam ser liberadas por ordem direta de autoridades como Fauci e Collins.

“O que você fez pessoalmente para investigar as origens da Covid?”, perguntou na coletiva Diana Glebova, repórter do jornal conservador Daily Caller. A secretária de imprensa e porta-voz Karine Jean-Pierre interrompeu a coletiva para dar bronca na repórter.

“Espere um segundo. Temos um processo aqui. Não vou chamar pessoas que gritam e você está sendo desrespeitosa com os seus colegas e com os convidados”, disse Karine. “Não vou te chamar [para fazer perguntas] se você gritar e você está tomando tempo porque o dr. Fauci precisa sair em poucos minutos.”

Mas alguns colegas não pareciam incomodados com a postura de Diana, ao contrário do sugerido pela porta-voz. “Podemos ganhar uma resposta?”, contribuiu Kimberly Halkett, da Al Jazeera. “Precisamos de uma resposta, dr. Fauci, sobre as origens da Covid”, acrescentou Steven Nelson, do New York Post, que também quis saber “por que ainda estamos financiando a EcoHealth Alliance, dr. Fauci? Por que estão ganhando milhões de dólares adicionais?” — ele se refere à ONG que atuou como intermediária de recursos entre o governo americano e os laboratórios da China, que teve verba renovada em outubro.

Documentos obtidos pelo The Intercept no ano passado mostram que a EcoHealth pediu verbas antes da pandemia para inserir uma estrutura molecular chamada “sítio de clivagem da furina” em cepas de coronavírus. Nenhum dos parentes mais próximos do SARS-CoV-2, vírus da Covid, encontrados na natureza apresenta essa estrutura, e, por isso, levantam-se suspeitas de origem laboratorial. “Ela tem uma pergunta válida. Ela está perguntando sobre as origens da Covid e o dr. Fauci é a melhor pessoa para responder”, reforçou Simon Ateba, do Today News Africa. “Eu ouvi a pergunta”, respondeu Karine, “mas não vamos fazer isso do jeito que vocês querem. É desrespeitoso. Simon, já chega. Você está tirando tempo dos seus colegas”, finalizou.

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