“Eu sou músico do Sistema, arrombados! ”, gritava um jovem de 22 anos em 04 de abril, enquanto seis ou sete efetivos militares uniformizados, armados, e com escudos formavam um círculo em torno dele, empurravam-no e batiam, perto da Avenida Libertador, em Caracas. Frederick Pinto estava indo para um ensaio com o Sistema Nacional de Orquestras, carregando sua trombeta na mão, quando se encontrou com um protesto na rua. O estojo preto de seu instrumento atraiu a atenção da polícia. Eles o prenderam, e o liberaram na madrugada do dia 05, depois de que sua prisão se tornou viral nas redes sociais.
“A rua” venezuelana é um espaço perigoso e com dinâmicas difíceis de prever. Sair a ela sempre envolve um risco pelos índices de criminalidade crescentes. Um assalto à mão armada, um sequestro ou a morte podem estar em cada esquina, pelo menos em Caracas. Mas, em tempos de agitação política, “a rua” assume uma dimensão diferente, torna-se uma promessa de mudança. O recipiente do protesto cidadão. O catalisador que tanta falta faz. “A rua” é igual a protestar, e quase sempre envolve concentrações e marchas de pessoas caminhando de um ponto da cidade a outro com cartazes, bandeiras, e máscaras antigás.
Balas, prisão ou morte
Alguns políticos e muitos cidadãos atribuem à rua potencial de panaceia, e colocam toda a sua fé em ela. Sempre reprimidos pelas forças de segurança e grupos civis violentos, o protesto cidadão na Venezuela envolve três tipos de risco para todos os que optam por participar: 1) ficar ferido por balas de plástico ou pedras, ou sufocado por gás lacrimogêneo; 2) ser detido e mantido na prisão por horas, dias ou anos; 3) encontrar a morte.
Quase sempre há mortos por balas “anônimas” nos protestos. Quase sempre, eles são jovens estudantes como Jairo Ortiz, 19, que morreu com um tiro no peito durante protesto na noite do 06 de abril, em meio a confrontos com a Guarda Nacional.
O governo do Nicolás Maduro colocou seu selo particular na repressão da dissidência. É brutal, persecutório e punitivo. Parece que os uniformizados armados — uma mistura entre Guarda Nacional (militar) e Polícia Nacional — saem ao encontro dos manifestantes, não para contê-los, mas para ensinar-lhes uma lição. O uso de gás lacrimogêneo e pimenta é feito sem economia, frequentemente com bombas vencidas e não aptas para ser utilizadas. As pessoas são perseguidas e apreendidas em motocicletas, com o detido posto entre dois uniformizados como um sanduíche.
Banho de gasolina
Sempre há detidos; alguns correm a sorte de ser liberados nas horas, dias ou semanas seguintes, outros não são tão sortudos. Marco Coello, detido nos protestos de fevereiro 2014, passou cinco meses na prisão. Nesse período ele foi banhado com gasolina e ameaçado com fósforos, espancado com bastões, extintores de incêndio e clubes de golfe, e às vezes eletrocutado. Ele tinha 17 anos quando foi preso, e atingiu a maioridade na prisão. Ele é um dos milhares que cada ano conta a ONG Foro Penal Venezuelano, que oferece assistência jurídica gratuita aos detidos em protestos contra o governo.
O líder da oposição Lepoldo López paga o saldo dos protestos de 2014. Ele foi preso em 18 de fevereiro do mesmo ano, e continua detido; mesmo quando o promotor do ministério público que o acusou confessou ter recebido ordens “superiores” para persegui-lo.
Nos protestos em Caracas, o centro da cidade, onde ficam as sedes dos poderes públicos, está automaticamente “off limits”. As forças de segurança bloqueiam a passagem dos “rios de pessoas” com contingentes e veículos de controle de tumultos chineses que se tornam paredes de aço em 90 segundos no meio de rodovias e avenidas.
Ataques indistintos
E mesmo que por longo tempo as pessoas comuns tenham corrido os maiores riscos nos confrontos de rua, no cenário político atual, após um golpe contra o Parlamento, e no ambiente institucional mais confuso de toda nossa história, deputados, prefeitos e governadores da oposição também sofrem repressão em primeira mão.
No dia 3 de abril, o deputado do estado de Táchira, Juan Requesens recebeu um golpe na testa com um pedaço de madeira quando protestava com outros parlamentares fora do escritório do Ombudsman Nacional. O ataque foi perpetrado por um membro dos grupos civis violentos do governo chamados “coletivos”, e causou uma lesão que precisou de cirurgia e 56 pontos. Seu colega deputado José Manuel Olivares, médico de profissão, fez a sutura, e as imagens do rosto ensanguentado do Requesens tornaram-se onipresentes nas redes sociais. No dia seguinte, da clínica, ele fez um chamado à cidadania para continuar na rua; “a ferida se cura”, ele disse, “não vamos dobrar.”
Os protestos continuaram nos dias 04, 06 e 08 de abril, com saldos de lesões e detenções —164 no total. Num combate contra a parede de aço colocada na autoestrada Francisco Fajardo, em Caracas, o deputado do estado Miranda Freddy Guevara, depois de lutar com uniformizados que perseguiam manifestantes como num jogo de polícia e ladrão, impediu a prisão de um cidadão.
Imprensa também é alvo
Jornalistas e fotojornalistas não são poupados. As redes sociais e a mídia online são a única janela de informação onde pode ser acessado conteúdo audiovisual das manifestações, e outros eventos de relevância política inconvenientes para o governo. Os canais de TV online VPI tv e VivoPlay ainda conseguem fazer transmissões ao vivo dos protestos e a repressão, mesmo com lentes molhadas por tanques militares que jogam jatos d’água.
Mas não sem um custo; o cinegrafista do VPI tv Elvis Flores foi abordado por 14 ou 15 efetivos nos protestos em 6 de abril enquanto transmitia ao vivo, e foi detido e trasladado numa motocicleta. Depois de ser “entrevistado” pelos serviços de inteligência, foi liberado na madrugada do dia 7 de abril. “Eles — as forças de ordem — quando vão reprimir ou vão fazer alguma coisa, pedem para você: precisamos que você se afaste, você não pode estar nesta área, desligue o telefone”, disse o cinegrafista. Mas nessa ocasião eles não avisaram, somente o levaram embora. Talvez porque naquele momento era o único que transmitia ao vivo.
Novelas
Enquanto isso, e durante todo o dia, as emissoras nacionais transmitiam novelas ou programas de variedades, os serviços estatais de notícias falavam dum “plano da direita violenta” que foi neutralizado, e Maduro afirmava que Caracas e a Venezuela estavam em “paz absoluta”. “Há um grupo de pessoas loucas que desejam queimar o país e alguém precisa dizer-lhes não, não, não até que eles possam entender...”, discursou o presidente.
Mas tudo indica que “os loucos” vão continuar protestando em massa, convidados por uma liderança que adverte que o jogo é “de resistência”, uma “maratona” que devemos manter para ver quem se cansa primeiro.
Despois da jornada de protestos em 08 de abril, que deixou um saldo de 17 feridos, mais de 50 detidos, a queima parcial dos escritórios do oposicionista Henrique Capriles em Caracas, em um atentado com bombas lacrimogêneas, e a queima da fachada duma sede administrativa do TSJ, os líderes da oposição chamaram a continuar e ofereceram a agenda dos protestos para esta semana. A presença na rua continua.
*Valentina Issa é jornalista venezuelana
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