“Lenda Urbana” é uma expressão popularizada, na década de 80, pelo folclorista americano Jan Harold Brunvand, para se referir a histórias que trazem semelhanças estruturais com fábulas mitológicas e narrativas folclóricas, mas que têm origem recente e em ambientes predominantemente urbanos. Exemplo clássico é o conto do homem que passa a noite com uma linda mulher desconhecida, mas acorda no dia seguinte nu, numa banheira cheia de gelo – e sem um rim.
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Esses enredos são transmitidos oralmente ou, nos últimos anos, via internet. E é comum que quem as espalha diga que a história aconteceu com o “amigo de um amigo”, o que acabou até gerando uma sigla em inglês FOAF, “friend of a friend”.
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Agora, se você deu pelo menos uma passada de olhos pela internet brasileira nesta semana, é quase inevitável que tenha encontrado alguma menção a um suposto “jogo da Baleia Azul”, organizado em redes sociais ou websites de difícil acesso, em que adolescentes psicologicamente vulneráveis são induzidos a realizar uma série de tarefas cada vez mais mórbidas, como numa gincana macabra, sendo que a derradeira missão é o suicídio.
Esse parece ser mais um roteiro de lenda urbana. Mas, de acordo com informes divulgados pela grande mídia, há de fato casos concretos de tentativa de suicídio e automutilação de jovens atribuídos à “Baleia Azul” em diversos Estados brasileiros, sendo pelo menos dois no Paraná (informes iniciais davam conta de oito, apenas em Curitiba). O que tira de vez o jogo do mundo das lendas – ou não?
A questão é capciosa porque é um fato bem sabido que mitos estimulam comportamentos. Civilizações antigas sacrificavam seus filhos para apaziguar deuses imaginários, e há quem diga que as civilizações contemporâneas seguem fazendo a mesma coisa, apenas com outra roupagem.
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O mito da Baleia Azul, até onde apurações conduzidas pelo site Snopes, que investiga boatos online, e por jornalistas da Europa Oriental e da Ásia Central, onde a lenda parece ter se originado, descreve um grupo secreto de manipuladores psicológicos, os “curadores”, que induz adolescentes ao suicídio e ameaça matá-los ou perseguir seus familiares caso suas ordens não sejam cumpridas.
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Nesses termos, é bem provável que o jogo não seja “verdadeiro”, no sentido de haver mesmo uma central russa de torturadores mentais que, por algum motivo, decidiu abrir uma filial no Brasil. A história toda soa demais como o enredo de “Nerve”, um filme de ficção científica de 2016 em que jovens se inscrevem como “participantes” ou “espectadores” num videogame, sendo que os “participantes” são observados o tempo todo e têm de cumprir desafios propostos pelos “espectadores”, numa espiral paranoica.
Mas a mera ideia do jogo -- e sua disseminação irresponsável – é, sim, perigosa.
Existe o risco de o jogo tornar-se, em certa medida, real: qualquer um pode se fazer passar por um “curador”, aproveitando a aura de mistério e autoridade sobre-humana gerada pelo mito. Reforçar o mito, portanto, só reforça essa tentação. Alguém dotado de um senso de humor doentio pode decidir fazer isso “só pela farra”, para depois descobrir que a brincadeira escapou ao seu controle.
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Por isso é essencial que a mídia e as autoridades sejam extremamente cautelosas: antes de reportar uma suposta epidemia de tentativas de suicídio “ligada à Baleia Azul”, seria melhor primeiro checar as estatísticas e, depois, apurar se a ligação é real. O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos define um “aglomerado de suicídios” como “um processo pelo qual a exposição ao suicídio ou comportamento suicida de uma pessoa ou pessoas influencia outras” a tentar o mesmo, e destaca a necessidade de uma atuação responsável por parte da mídia. A Baleia Azul ainda parece ser só uma lenda. Vamos tomar cuidado para não a transformar em algo real.
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