Uma brasileira que nasceu sem o útero conseguiu ter um filho por fertilização in vitro após um feito inédito de pesquisadores brasileiros: um transplante de útero de uma doadora falecida. A pesquisa, do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, foi publicada em dezembro no periódico médico The Lancet.
Atualmente, a doação de útero só está disponível para mulheres com familiares que estejam dispostas a doar o órgão em vida. Os autores da nova técnica pretendem ampliar as possibilidades de mulheres inférteis ficarem grávidas sem a necessidade de uma doadora viva. O método é eticamente questionável pela exigência de produzir embriões em laboratório, dos quais apenas alguns são fecundados e a maioria descartado.
Leia também: Reprodução assistida: questões éticas ou legais?
Segundo os autores, houve dez outras tentativas de fazer um transplante de útero de doadora falecida, por pesquisadores dos EUA, da República Tcheca e da Turquia, todas sem sucesso.
O primeiro nascimento de um bebê após transplante de útero de doadora viva aconteceu na Suécia, em 2013. No total, já foram realizados 39 procedimentos desse tipo até o momento, resultando em 11 nascimentos de bebês vivos.
Problema congênito
A paciente que recebeu o transplante nasceu sem o útero devido a uma síndrome chamada Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser. No entanto, os ovários dela se desenvolveram normalmente. Ela recebeu o órgão em setembro de 2016, quando tinha 32 anos. Quatro meses antes do transplante, os médicos fizeram uma fertilização in-vitro com os óvulos da paciente, que resultou em oito ovos fertilizados que foram criopreservados.
Os pesquisadores não informaram o que fizeram com os outros embriões que não foram fecundados.
A mulher que doou o útero tinha 45 anos e morreu de hemorragia subaracnoide, um tipo de derrame que envolve sangramento no cérebro. A doadora tinha três filhos, que nasceram por parto normal.
Leia também: Eutanásia em doentes mentais é colocada em xeque na Bélgica
A cirurgia de transplante do útero levou 10,5 horas. Os cirurgiões conectaram o órgão doado a veias, artérias, ligamentos e ao canal vaginal da paciente. Após a cirurgia, a paciente passou dois dias na unidade de terapia intensiva, e depois seis dias em uma ala para transplantados. Ela recebeu medicamentos imunossupressores, que impedem a rejeição de órgãos transplantados.
“O uso de doadoras falecidas pode aumentar grandemente o acesso a esse tratamento, e os nossos resultados fornecem uma prova de conceito para uma nova opção para mulheres com infertilidade uterina”, disse Dani Ejzenberg, médico do centro de reprodução humana da USP e coordenador da pesquisa.
Os primeiros transplantes de útero de doadoras vivas foram um marco na medicina e criaram a possibilidade para mulheres inférteis, que tenham acesso a doadoras compatíveis e às instalações médicas necessárias, de terem filhos.
“No entanto, a necessidade de uma doadora viva é uma limitação, pois as doadoras são raras, tipicamente são membros da família ou amigas dispostas e elegíveis. O número de pessoas dispostas e comprometidas a doar órgãos após a própria morte é muito maior do que o de doadores vivos, oferecendo uma população de doadores em potencial muito maior”, explicou Ejzenberg.
Leia também: O Estado pode obrigar alguém a se curar?
Segundo ele, estima-se que uma em cada 4 mil mulheres nasce sem útero, conforme apontou uma outra pesquisa conduzida no HC. Se forem consideradas as mulheres em idade reprodutiva, somente em São Paulo, cerca de 1.500 podem ter essa condição.
“Se somarmos outros casos, como mulheres que tiveram de retirar o útero por câncer ou após o primeiro parto ou em uma cirurgia por mioma, por exemplo, chegamos a um número considerável de mulheres que poderiam se beneficiar com a técnica”, afirma.
Desenvolvimento normal
Segundo Ejzenberg, a gestação ocorreu normalmente e o bebê nasceu saudável, por cesariana. "Ela já está com quase um ano e está ótima, com desenvolvimento normal", conta.
Após o nascimento, o útero, que havia já cumprido seu papel, foi retirado, para que a mãe não tivesse mais de tomar imunossupressores. O protocolo de pesquisa envolvia apenas uma gestação, para que fosse possível realizar o trabalho com outras mulheres.
Desde então, o transplante foi feito em outra paciente, mas o órgão teve de ser retirado porque ocorreu uma trombose. Agora duas pacientes, que também nasceram sem útero, aguardam uma doadora.
Bolsonaro e mais 36 indiciados por suposto golpe de Estado: quais são os próximos passos do caso
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
A gestão pública, um pouco menos engessada
Projeto petista para criminalizar “fake news” é similar à Lei de Imprensa da ditadura
Deixe sua opinião