Houve um tempo em que a coisa mais valorizada em âmbitos intelectuais era mostrar independência de pensamento. Mas hoje parece mais relevante fazer constar a adesão à mentalidade dominante.| Foto: BigStock
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A autenticidade nunca foi um ideal pacífico. Desde os tempos do romantismo, se discute se ser fiel a si mesmo significa entregar-se a uma espontaneidade transbordante, ou se esse imperativo tem mais a ver com a forja paciente do caráter. No contexto atual, que pende muito para o sentimentalismo, parece que triunfa a primeira versão. Como equilibrar as coisas?

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O conselho "seja você mesmo" é tão versátil que serve tanto para uma postagem de Instagram quanto para um artigo do New York Times; tanto para um anúncio de cerveja quanto para um videoclipe contra o consumo de álcool entre adolescentes…

Do videoclipe, chama a atenção a audácia com que o rapper Rayden converte um slogan batido num convite a tomar as rédeas da própria vida; a aprender a esperar; a não ceder às chantagens...

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My friend, não queiras correr, ter pressa para crescer.
Daqui a pouco serás maior de idade e saberás o que é amadurecer.
Na vida há mais de um trem; espera o teu, rapaz,
e poderás ser especial. (…)
Que ninguém te imponha suas opções.
Que ninguém venha te despojar de tua chama.

Esta canção é um bom exemplo de como se pode reformular em termos mais saudáveis um ideal valioso que amiúde fica descafeinado. É disto que a autenticidade precisa hoje: uma reafirmação que lhe devolva o poder subversivo. Proponho três ideias para conseguir isso:

1. Escute o seu coração, mas de verdade

A cultura popular chegou a identificar o conselho "seja você mesmo" com a máxima "escute o seu coração", entendida de forma muito epidérmica: aqui o coração não faz referência ao centro da pessoa, senão a uma afetividade desvinculada da razão e da vontade.

Paradoxalmente, a mesma sociedade que nos convida a descobrir a originalidade que nos define, nos impele a viver voltados para fora, distantes de nós mesmos. É o "esmigalhamento interior" de que falou o filósofo Gustave Thibon, e que hoje se vê acentuado pela dispersão que os meios digitais trouxeram.

É certo que a própria identidade sempre se constrói em diálogo com os outros, mas como nos autoafirmamos se passamos tanto tempo expondo nossa intimidade ao exterior, sem ter refletido sobre ela antes? O fenômeno é conhecido como "extimidade" e, de saída, está nos deixando mais expostos à possibilidade de os outros nos dizerem quem somos.

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Frente à fragmentação propiciada pelo acelerado ritmo de vida atual, bem como pela falta de referências estáveis da sociedade pós-moderna, Txemi Santamaría convida, em seu livro Interioridad (San Pablo, 2020), a "desenvolver uma cultura do silêncio, da pausa, da escuta" de si mesmo, que facilite a "volta para dentro", o retorno a esse lar íntimo que é o nosso interior. Santamaría o chama de "espaço integrador do ser humano", pois é ali que cada qual pode se deter, tomar consciência e interpretar tudo o que nos chega de fora.

Esse recolhimento nos capacita para descobrir o sentido daquilo que vivemos. Permite que nos dotemos de um relato unificador, de uma narração que dê coerência em meio aos estímulos, ruídos, inércias… Se a vida de multitarefa e o salto de tela em tela nos dispersam, a interioridade – explica Santamaría – nos abre horizontes e aporta profundidade à própria vida. Desta forma, o coração – como também se costuma chamar metaforicamente a esse espaço interior – se converte em fonte de significado.

Como se vê, "escutar o coração" é algo mais sério que ir atrás de qualquer sentimento. O processo de imersão que Santamaría descreve compreende a escuta ativa das sensações corporais, das emoções, dos pensamentos…, mas logo há uma reelaboração que outorga profundidade. A interioridade nos permite sair do reino da inércia e ser nós mesmos: "Nos ajuda a identificar nossos momentos de piloto automático. E vai nos conduzindo a outra forma de estar, de ser e de fazer. Uma forma na qual começamos a ser donos de nossas ações, das respostas que vamos dando em cada instante de nossa vida".

2. Pense por si mesmo

O culto da autenticidade pode gerar fenômenos bastante inautênticos. Um exemplo é a indústria que surgiu em torno de um dos requisitos para entrar em algumas universidades norte-americanas: a redação pessoal, um texto no qual se pede aos candidatos que definam a si próprios de maneira franca e aberta. A essa altura do campeonato, nenhum estudante é ingênuo a pondo de enfrentar esse escrito sem alguns conhecimentos básicos de quais são as qualidades que valem ponto.

Vista assim, como explica Joseph E. Davis, a autenticidade já não tem nada a ver com mostrar às claras quem somos, senão com se apresentar aos demais de uma maneira que me aprovem. E isso, no âmbito dessas universidades, passa por incluir alguma alusão à "paixão pela diversidade" ou ao fato de haver transitado de um eu defeituoso a outro melhor. No ápice do cinismo, há inclusive uma universidade que publica sua própria diretriz para aprender a escrever "uma redação autêntica".

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O fenômeno que Davis aponta tem a ver com uma tendência mais ampla. Houve um tempo em que a coisa mais valorizada em âmbitos intelectuais era mostrar independência de pensamento. Mas hoje parece mais relevante fazer constar a adesão à mentalidade dominante. O importante não é acreditar que temos ideias próprias, senão que nossa visão do mundo se encaixa perfeitamente no lado certo da história.

Neste contexto, uma das coisas que mais podem ajudar os jovens a serem eles mesmos é recuperar a máxima com a qual Kant sintetizou o espírito do Iluminismo: "Sapere aude! Ousa servir-te do teu próprio entendimento!" Ou, noutras palavras, ouse pensar com liberdade. Não assimile as ideias que os outros têm, não repita o que todo o mundo diz. E para isso, claro, forme-se, eduque a sua inteligência: leia bons livros, reflita por conta própria, pergunte aos que sabem mais, tire as suas próprias conclusões, exija matizes, questione os tópicos vigentes, olhe para a realidade, contraste, forje um estilo de pensamento valioso…

3. Seja valente

Pensar de forma independente nos situa ante o mundo de um modo único. Mas falta ainda um passo para sermos autênticos: ter a valentia de expressar as próprias convicções. E o mesmo vale para os sentimentos. É possível ter boas razões para ficar calado em circunstâncias concretas. No entanto, falta autenticidade a quem de modo habitual esconde quem é.

As pessoas autênticas têm um atrativo especial. Não tanto porque sua forma de ser entusiasme a todo o mundo, senão pela clareza que oferecem. Com elas, dá para saber a que se ater; não mentem, não brincam de esconde-esconde. O que se vê é o que há: um eu real com suas virtudes e defeitos; um "eu consistente e reconhecível", como diz Pedro Pallares Yabur acerca das heroínas das novelas de Jane Austen. Por outro lado, "todos os antagonistas nos relatos austenianos ocultam o que são por detrás de um rosto amável".

É verdade que a espontaneidade desbocada pode falsificar a autenticidade (e seguramente a caridade), mas não é mais sincera (nem mais caritativa) a contenção que se oculta atrás de uma amabilidade tão correta quanto vazia. Jutta Burggraf sugeria isso numa entrevista em que falou da necessidade de ser autênticos: "Dá para perceber que não se é querido, por mais que lhe sorriam."

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Quanto à valentia para se mostrar tal como se é, é interessante o que diz Fernando Sarráis em seu livro Auténticos (Palabra, 2022): "O medo é a causa principal da mentira e da falsidade". Os motivos que ativam essa emoção são variados: o temor de ficar mal, de não ser aceito, de criar um conflito e passar maus bocados etc. Em geral, o elemento comum a todos esses temores é "o medo de sofrer".

Para combatê-lo, Sarráis propõe empreender "uma educação precoce e perseverante da valentia", que consistirá em boa medida no treinamento da vontade. Primeiro, para decidir-se a buscar os bens que a razão nos revela pelas situações penosas das quais preferiríamos fugir. E, em segundo lugar, para aceitar o sofrimento que ocasiona essas situações e para encará-las. Assim, pouco a pouco, vai-se forjando uma personalidade valente e madura, pronta para enfrontar "a luta para ser como se deseja" e livre para se mostrar como se é.

Dessas três ideias – voltar para o seu interior, pensar por si mesmo e ter a coragem de se mostrar como você é – surge um ideal de autenticidade mais harmonioso do que aquele ditado pela cultura da moda hoje. E certamente também mais genuíno, porque genuíno é um convite a integrar razão, vontade e afetividade – como faz Sarráis – quando o sentimentalismo é a norma.

[Este texto é uma continuação outro artigo publicado também aqui na Gazeta do Povo.]

©2022 ACEPRENSA. Publicado com permissão. Original em espanhol.
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