Tirar deliberadamente a vida de uma criança pequena é ilegal em todo o mundo, mesmo quando a criança está em fase terminal.
Há uma exceção a essa regra: Bélgica. Em 2014, esse país alterou sua lei de eutanásia, já uma das mais permissivas do mundo, autorizando médicos a interromper a vida de uma criança, de qualquer idade, que faz a solicitação.
Por um ano após a aprovação da lei, ninguém usou essa possibilidade. Agora, porém, a eutanásia para crianças na Bélgica não é mais apenas uma possibilidade teórica.
Entre 1º de janeiro de 2016 e 31 de dezembro de 2017, médicos belgas deram injeções letais a três crianças menores de 18 anos, de acordo com um relatório de 17 de julho da comissão que regula a eutanásia na Bélgica.
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O mais velho dos três tinha 17 anos; nessa faixa etária, a Bélgica não foi a única, uma vez que os Países Baixos permitem a eutanásia para crianças com mais de 12 anos.
Os médicos belgas, no entanto, também encerraram a vida de uma menina de 9 anos e de outra de 11 anos. Esses foram os primeiros casos de menores de 12 anos em qualquer lugar, disse Luc Proot, membro da comissão belga, em uma entrevista.
Em qualquer outro lugar do mundo, a lei reflete poderosas intuições humanas, morais e práticas: que é errado abandonar a esperança por uma pessoa tão cedo na vida, não importa a doença; que é absurdo conceder autonomia médica definitiva a alguém jovem demais para votar ou consentir sexo legalmente; e que mesmo os seres humanos mais bem-intencionados, porém falíveis, não devem deter tal poder de vida ou morte.
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Na Bélgica, uma espécie de tecnocracia libertária superou esses escrúpulos. Os defensores da eutanásia insistem que algumas crianças, mesmo as mais jovens, podem possuir a mesma capacidade de decisão que a de alguns adultos e, portanto, é discriminatório negar-lhes a liberdade de escolher a eutanásia com base em um limite de idade arbitrário.
Comissão da eutanásia
Enquanto isso, a lei belga confia em especialistas para evitar erros ou abusos. Os médicos devem verificar se uma criança está “em uma situação médica sem esperanças, de sofrimento constante e insuportável que não pode ser aliviado e que causará a morte a curto prazo”. Depois que uma criança torna conhecido o seu desejo de eutanásia, por escrito, psiquiatras infantis realizam exames, incluindo, me disse Proot, testes de inteligência, para determinar se o jovem é capaz e “não esteja influenciado por um terceiro”. Os pais podem, no entanto, impedir que o pedido seja executado.
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Uma vez que qualquer eutanásia – para uma criança ou um adulto – tenha ocorrido, uma comissão de seis membros examina o arquivo do caso para garantir que tudo foi feito corretamente.
A privacidade médica, no entanto, limita o que a comissão pode revisar. Nomes de pacientes e médicos são omitidos. Se surgirem preocupações sobre a legalidade de um procedimento, a comissão pode votar para analisar informações de identificação, mas isso raramente acontece. (A maioria das 4.337 eutanásias na Bélgica em 2016-2017 envolveu adultos com câncer.) Os relatórios públicos da comissão contêm principalmente estatísticas gerais, com detalhes limitados de casos individuais.
Nós sabemos que a pessoa de 11 anos de idade que sofreu eutanásia no ano passado tinha fibrose cística. Essa doença respiratória congênita é incurável e fatal, mas tratamentos modernos permitem que muitos pacientes desfrutem de alta qualidade de vida até os 30 anos ou até mais. A expectativa média de vida para novos casos de FC nos Estados Unidos é agora de 43 anos, de acordo com a Cystic Fibrosis Foundation.
Proot me garantiu que tudo estava em ordem, não apenas com o caso do garoto de 11 anos, mas também com os outros dois: um de 17 anos com distrofia muscular de Duchenne e um menino de 9 anos com tumor no cérebro. “Eu vi um sofrimento mental e físico tão avassalador que achei que fizemos uma coisa boa”, ele me disse.
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Eutanásia sem consentimento
É claro que Proot contou com relatos de médicos anônimos que participaram das eutanásias, e nós devemos tomar a palavra de Proot: jornalistas e outros membros do público não podem revisar os arquivos do caso independentemente, mesmo os que têm as identificações omitidas.
O que, exatamente, convenceu os médicos de que os casos dessas crianças eram sem esperança, que suas mortes eram iminentes – e que as crianças compreendiam plenamente não apenas a eutanásia, mas também as opções de tratamento que poderiam ter aliviado sua condição?
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Tais questões parecem especialmente pertinentes para a Bélgica, dados os problemas que o país tem experimentado desde que os legisladores permitiram a eutanásia para pacientes com doenças cognitivas e psiquiátricas, tais como demência, depressão ou esquizofrenia, mesmo que eles não tenham nenhuma doença física terminal.
No ano passado, um membro da comissão de eutanásia se demitiu em protesto porque a comissão se recusou a recomendar uma ação penal quando uma mulher com demência, que não tinha solicitado a eutanásia, foi morta por solicitação da família.
Desde então, 360 médicos belgas, acadêmicos e outros assinaram uma petição pedindo controles mais rigorosos sobre a eutanásia para pacientes psiquiátricos.
Por enquanto, no entanto, a política permanece a mesma, e o apoio do público belga para a eutanásia permanece inalterado. O precedente para a eutanásia de crianças foi estabelecido, e mais delas quase certamente receberão injeções letais neste ano, no próximo ano e no ano seguinte.
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