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Bélgica: Vinte anos depois da eutanásia “perfeita”

Ativistas protestam contra a proposta de emenda legal que legalizou a eutanásia de crianças, em Bruxelas, Bélgica, em 11 de fevereiro de 2014.
Ativistas protestam contra a proposta de emenda legal que legalizou a eutanásia de crianças, em Bruxelas, Bélgica, em 11 de fevereiro de 2014. (Foto: EFE/EPA/JULIEN WARNAND)

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Em 2022, completam-se duas décadas da aprovação da eutanásia na Bélgica. Quando, em 1999, os democratas cristãos ficaram fora do governo e foram substituídos por uma coalizão de socialistas, liberais e verdes, estes puseram o foco reformador em certas questões bioéticas, e, em 2002, puseram em cena a eutanásia.

De lá para cá, morreram por essa via mais de 24.000 pessoas — estima-se que os eutanasiados são 2% do total de mortos do ano. O procedimento passa por injetar na veia do solicitante uma mistura de tiopental sódico e um neuroparalisante muscular (ou morfina e neuroparalisante), ou dar-lhe barbitúricos para beber.

Mas, para chegar a esse momento, o solicitante deve reunir vários requisitos. Entre eles, ser mentalmente competente, estar padecendo de uma enfermidade física incurável, ou, no caso de uma enfermidade mental, ter esgotado todas as opções de tratamento. Também se pondera se, por consequência desses males, o interessado está experimentando um sofrimento insuportável, seja físico ou psicológico, sem esperança de melhoria.

A quem está nessa condição, a lei faculta a solicitação da eutanásia, coisa que terá de fazer duas vezes por escrito. O médico avalia então se há possibilidades de melhoria e consulta um especialista em cuidados paliativos e eutanásia, cuja opinião, em última instância, é só isto: opinião, pois não tem capacidade decisória. Se afinal o médico do caso decidir que a eutanásia é procedente, espera-se um mês entre a segunda solicitação e o momento de administrar a injeção ou a bebida letal.

Passados os anos, vários dos que militaram ativamente para que isto fosse realidade entendem que valeu a pena. A Dra. Dominque Bron, oncologista, participou da redação da lei. “Levou seis anos para escrevê-la. Lutamos com cada palavra, com cada vírgula”, disse em 2021 à revista The Bulletin. “A lei é realmente excelente de um ponto de vista prático. (…) Podemos estar seguros de que há muitas opções para os pacientes, desde os que estão perto de morrer aos que têm problemas neurológicos. Para mim, é simplesmente perfeita.”

Mas talvez convenha evitar os absolutos…

Eutanásias ilegais?

A lei “perfeita” não livra a prática da eutanásia na Bélgica de buracos negros, entre os quais a possibilidade de pular alguns passos do procedimento, tal como aconteceu a uma jovem, Tine Nys, em 2010: entre as irregularidades denunciadas pela família, está que a Comissão Federal para o Controle e a Avaliação da Eutanásia, encarregada desse assunto em nível nacional, não levou o mês previsto para responder à solicitação; em vez disso, deu um “sim” rápido.

Mas teoricamente não há falhas. A própria Comissão publica anualmente um relatório estatístico, e no de 2020 afirma que “nos dois últimos anos [em referência a 2018-19] a aplicação da lei não deu lugar a dificuldades ou abusos importantes que requeiram iniciativas legislativas”.

Não obstante, a afirmação conflita com a realidade de que, além das eutanásias declaradas oficialmente à Comissão, “os estudos científicos estimam que entre 25 e 35% das eutanásias não se declaram (e portanto são ilegais)”, escreve o advogado e pesquisador Léopold Vanbellingen, do Instituto Europeu de Bioética.

Se forem levadas em conta as cifras do último relatório, correspondentes a 2021, se observa que nesse ano foram realizadas 2.699. A confiar na tese de Vanbellingen, o número real estaria em torno de 4.150.

Os relatórios da Comissão, de 2018 até hoje, mostram um aumento das eutanásias declaradas, com uma leve queda em 2020, o ano da pandemia: em 2018, teve-se notícia de 2.359; em 2019, de 2.656; em 2020 baixaram para 2.044, e a flecha voltou a apontar para cima desde o ano passado.

Há vários dados de interesse, como os padecimentos mais comuns entre os solicitantes. Os tumores cancerígenos estão em primeiro lugar, seguidos das polipatologias (62,8% e 17,2% respectivamente, no relatório de 2021).

Também há as eutanásias de pacientes psiquiátricos (24) e com transtornos cognitivos (26), uma condição que deveria fazer duvidar da capacidade de decisão dessas pessoas. Em nenhum desses casos o número chegou à casa dos trinta no período 2018-2021. No primeiro grupo, o relatório sublinha que “todos os pacientes tinham (…) um histórico de tratamento de vários anos, o que originou a solicitação da eutanásia. Todos foram avaliados pelos médicos dos casos como não-aptos para serem tratados”, com o que, ao que parece, a única “saída” com que conta a ciência psiquiátrica belga para esses pacientes é a morte.

Eutanásia para menores

Outros números se referem à porcentagem dos eutanasiados que contavam com uma declaração antecipada do seu desejo de morrer, chegado o momento em que não poderiam eles próprios expressá-lo. Foram muito poucos: apenas 22 (1%) em 2018 e 17 (0,6%) em 2021. Se sabemos que a imensa maioria (mais de 80%) dos que veem aprovada sua solicitação recebe um diagnóstico de morte próxima, parece que querem se poupar de um sofrimento relativamente breve que poderia ser evitado com cuidados paliativos.

Um último detalhe de interesse é como se comportou a eutanásia de menores de 18 anos, legal desde 2014, sem idade mínima, e sempre que a criança ou adolescente for “capaz de discernir” o que enfrenta.

A possibilidade de menor decidir que lhe tirem a vida contrasta com a dificuldade – evidente no momento em que se aprovou a lei – de prestar cuidados paliativos de qualidade aos mais jovens. Uma pesquisa da doutora em enfermagem pediátrica Marie Friedel atestou entre 2010 e 2014 a situação desses cuidados na região de Bruxelas, onde mais de 22.700 menores tinham um diagnóstico de condição crônica complexa (CCC).

“Ao comparar os registros,” afirma, “descobrimos que, das 22.533 crianças e adolescentes admitidas nos hospitais, só 384 (1,7%) haviam sido indicadas para receber cuidados paliativos. Conclusão: na Bélgica são escassas demais as indicações de menores de idade com CCC para usarem equipamentos de cuidados paliativos que lhes assegurem tratamento contínuo.”

Mostra de que a urgência está aí, e não em facilitar que os menores tirem a vida, é que em 2019 só se aplicou a eutanásia em um, e, no resto dos anos mencionados, a nenhum. Cabe perguntar, então, qual “necessidade” justificava tirar qualquer padrão de idade.

Mais flamengos, mais mulheres, mais velhos

As estatísticas mostram que, no período 2018-2021, se realizaram na Bélgica mais eutanásias em mulheres do que em homens. Ao todo, 5.196 contra 4.961. As faixas etárias mais frequentes são a de 70 a 79 anos, com 746 casos (27,6%), e a de 80 a 89 anos, com 791 (29,3%).

Ainda assim, em nível regional, o número de casos em Flandres (de dialetos holandeses) superou o da Valônia (francófona) por 2.006 a 693. Uma possível explicação para isto é oferecida pelo Dr. Wim Distelmans, um dos principais apoiadores da lei de 2002, para quem os médicos de língua francesa fazem muito mais sedações paliativas, com o que a morte vem como efeito não desejado do tratamento. “Como o paciente não deu permissão especificamente, não é eutanásia”, assinala.

©2022 Aceprensa. Publicado com permissão. Original em espanhol.

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