Nos anos 60, os alunos de Berkeley, uma universidade da Califórnia, nos EUA, ajudaram a mudar o mundo começando o Movimento pela Liberdade de Expressão, um momento importante na história das liberdades civis do século XX. Mas 50 anos depois, os esquerdistas parecem achar que a liberdade de expressão foi um erro e a administração da universidade tem interesse em ajudá-los a voltar atrás.
Você talvez tenha lido sobre o tumulto no discurso do conservador Milo Yiannopoulos. Ou sobre a destruição de propriedades da College Republican, organização conservadora de jovens. Ou ainda do cancelamento de um discurso do escritor conservador David Horowitz, depois que funcionários da universidade identificaram problemas de segurança para a realização do evento e permitiram que fosse feito apenas em um horário em que os alunos estivessem em aula. Algo similar aconteceu quando tentaram trazer Ann Coulter para o campus da universidade (evento que ainda deve acontecer em uma data futura, apesar da insistência da universidade de controlar o horário e o local).
Como repórter, essa sequência de eventos é assustadoramente parecida com conversas que temos com fontes que querem se esquivar de uma entrevista sem admitir que estão fazendo isso.
-O Sr. Smith está viajando
-Não tem problema, podemos fazer a entrevista por telefone.
-Mas ele está no exterior e muito ocupado. O único horário que ele poderia conceder a entrevista seria às 3h da manhã na seu fuso horário.
-Não tem problema, eu coloco um alarme e bebo um energético. Que dia ele pode?
-Então, quinta-feira está descartada… que tal nunca? Nunca está bom para você?
Os conservadores podem ser perdoados por um certo pressentimento de que as preocupações de Berkeley podem ser similarmente pretextuais. Eu conversei com Pranav Jandhyala, do BridgeUSA, grupo que organiza eventos e palestras em universidades americanas, para conhecer o seu lado da história. Ele me mostrou um email que mandou para a administração de Berkeley no dia 17 de março, quase seis semanas antes do evento marcado para 27 de abril. No texto, Jandhyala informa que de Maria Echaveste, que trabalhou na Casa Branca durante a administração de Clinton e trabalha agora na Faculdade de Direito de Berkeley, está confirmada para uma fala na metade de abril (a fala é parte de uma série de diversidade ideológica) e que estão negociando a vinda de Ann Coulter para o campus na última semana do mesmo mês. O texto diz que existe uma chance de 50% que ela venha, o que já é informação suficiente para a administração começar a pensar sobre os desafios de segurança para o evento.
Manter alunos em segurança é, claro, um dos principais trabalhos de uma universidade. Mas também o é expor os alunos a pontos de vista diversos
Berkeley tem problemas de segurança provocados não só por alunos, mas também por radicais de fora do campus, que Jandhyala acredita serem responsáveis pela violência no evento de Yiannopoulos. Manter alunos em segurança é, claro, um dos principais trabalhos de uma universidade. Mas também o é expor os alunos a pontos de vista diversos e apoiar as tradições sagradas da liberdade de expressão que são não só o fundamento de uma democracia liberal mas também da liberdade acadêmica de procurar a verdade.
Berkeley parece estar disposta a sacrificar o ponto principal de uma instituição acadêmica para garantir a segurança. Isso pode ser visto como um engano compreensível se eles fossem mais sérios e explorassem outras maneiras de se lidar com os riscos de segurança. Mas como a Fundação dos Direitos Individuais em Educação diz, “possivelmente uma pessoa só foi acusada pelos tumultos de Berkeley” - o que sugere uma certa indisposição em aplicar táticas tradicionais de prevenir violência, ou seja, prender os responsáveis.
Berkeley resolveu defender outros valores: acalmar os agressores, silenciar discursos e pedir para que as vítimas se apertem em um canto enquanto seus direitos são violados
Eu não posso ser a única pessoa que suspeita que as arriscadas tendências políticas desses palestrantes faz com que a administração ache mais conveniente culpar as vítimas.
Eu vi a carta que a administração mandou para o BridgeUSA, enfatizando que a universidade “não está qualificada para dar o suporte necessário para nossos alunos trazerem palestrantes de sua escolha para a universidade, mas que nossos princípios vão de acordo com o primeiro artigo da Constituição Americana (sobre a liberdade de expressão)”.
Depois eles sugerem que o grupo se expresse livremente durante a tarde de uma segunda ou terça-feira em setembro, ou seja, os dias mais difíceis para a semana dos estudantes. O comunicado também não garante se essa data é certa.
Berkeley deveria defender mais os valores que ajudou a criar, deixando claro que a administração vai fazer tudo o que pode para que um aluno ou convidado que cometer atos de violência seja preso e encare as penalidades criminais apropriadas
Se o Ku Klux Klan ou a fundamentalista Igreja Batista de Westboro tivessem realizado protestos violentos sempre que Berkeley tivesse um palestrante liberal, a administração aceitaria esse veto? Ou a universidade manteria seu discurso de liberdade de expressão?
(Tentei entrar em contato com a assessoria de imprensa de Berkeley por email e telefone, mas não tive retorno até o fechamento do texto).
Esse é o desenvolvimento vergonhoso de uma universidade de elite com uma tradição tão forte sobre a liberdade de expressão. Berkeley deveria defender mais os valores que ajudou a criar, deixando claro que a administração vai fazer tudo o que pode para que um aluno ou convidado que cometer atos de violência seja preso e encare as penalidades criminais apropriadas. Deveriam também anunciar que alunos que não sejam violentos, mas que tentam silenciar a liberdade de expressão fazendo barulho demais para que o falante seja ouvido, também estão violando os direitos dos alunos de trazer convidados, sofrendo assim penalidades disciplinares.
Mas, ao contrário, Berkeley resolveu defender outros valores: acalmar os agressores, silenciar discursos e pedir para que as vítimas se apertem em um canto (em alguma segunda ou terça-feira de setembro) enquanto seus direitos são violados. É o tipo de sentimento que ninguém deveria defender.
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