Os ofícios de Alexandre de Moraes ao Twitter, divulgados nesta semana por parlamentares dos Estados Unidos, revelam a influência de um magistrado que atua como braço-direito do ministro do Supremo Tribunal Federal: Airton Vieira.
O nome dele aparece sete vezes no relatório divulgado nesta semana pelo Comitê Judiciário da Câmara dos Representantes dos EUA.
Por exemplo: em um dos ofícios enviados ao Twitter, em 14 de novembro de 2022, Vieira deu duas horas para que o Twitter removesse três contas, inclusive a do cantor gospel Davi Sacer. "Diante do caráter sigiloso destes autos, deverão ser adotadas as providências necessárias para a sua manutenção", ele escreveu.
Como “magistrado instrutor” lotado no gabinete de Moraes, Vieira tem o poder de redigir e assinar ofícios em nome do ministro.
Mas advogados que atuam no caso afirmam que a influência dele é ainda maior. "Ele é o cérebro por trás de muitas dessas decisões", disse à Gazeta do Povo um advogado cujo cliente teve as redes sociais removidas por ordem do gabinete de Moraes.
Posições conservadoras
Airton Vieira é conhecido como um juiz rigoroso. Em uma (rara) entrevista em vídeo concedida ao Observatório do Terceiro Setor em 2015, ele defendeu a redução da maioridade penal. "Se você pode aos 16 anos eleger o presidente da República, a mim me parece ser absolutamente inconcebível que você não possa responder criminalmente por um fato criminoso de que você vier a participar", afirmou.
Vieira também disse se opor ao movimento que pretende abrandar as penas impostas a criminosos. “Pessoalmente, eu não acredito que punições menos severas ajudem a reabilitar quem quer que seja", ele disse. “Eu tenho noção de que hoje eu não sou politicamente correto”, acrescentou.
O juiz afirmou ainda que o regime de progressão de pena é uma “brincadeira” que não pune criminosos indevidamente, e defendeu uma mudança no Código Penal para corrigir o que acredita ser uma distorção que favorece a reincidência.
Apoio à pena de morte
Na entrevista de 2015, Vieira também defendeu uma tese que poucos juízes ousam apoiar publicamente: a instauração da pena de morte no Brasil.
"Sou favorável, e digo mais: a maioria da população brasileira com toda a certeza defende a pena de morte. Só que não é hoje bonito defender a pena de morte, não é politicamente correto. Você é denominado de reacionário, de nazista, de fascista etc. por uma parte pequena da população, mas que faz um barulho muito maior do que aqueles que defendem a pena de morte”, afirmou o juiz.
Quando o entrevistador apresentou objeções à tese, Vieira apresentou outros argumentos a favor da pena de morte: "Até quando a sociedade de bem vai custear a prisão (...) de alguém absolutamente irrecuperável? Por que eu vou ficar custeando um criminoso desse jaez para que amanhã ele fuja da penitenciária e volte a matar, volte a estuprar e volte a narcotraficar? Não. Me desculpe. Aquele seria uma a menos. É um raciocínio simplista? É. Mas aquele não vai mais matar”.
Elogios de Moraes
Airton Vieira nasceu em 1965 e é juiz desde 1990, quando foi aprovado em um concurso do TJSP (Tribunal de Justiça de São Paulo).
A mulher dele, Claudia Caputo Bevilacqua Vieira, também é juíza no tribunal paulista (e filha de desembargador).
Vieira deu aula na PUC (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) por onze anos e assessorou o ministro Cezar Peluso no STF antes de ser convidado coordenar os procesos criminais no gabinete de Alexandre de Moraes. Os dois se conheciam desde os anos 90 e estreitaram os laços nos últimos anos.
Apesar de ter sido cedido peloTJSP ao STF, ele continuou progredindo no tribunal paulista. Em 2021, foi promovido a desembargador.
Em seu discurso de posse, com referências à Bíblia, Vieira lembrou que estudou no colégio Marista Nossa Senhora da Glória e formou-se em Direito na PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo. Ele disse que não quis concorrer no vestibular para a Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo).
“Eu não quis prestar vestibular na reconhecida e famosa São Francisco. Tive lá os meus motivos”, afirmou, sem dar maiores explicações. O juiz também lembrou que fez parte da congregação dos irmãos maristas e disse ser devoto de São Marcelino Champagnat, além de um "apaixonado pela Idade Média”.
Em seu discurso, o desembargador elogiou Moraes, que disse ter uma "inesgotável capacidade de trabalho aliada a uma assombrosa rapidez de raciocínio".
Por causa da pandemia, a posse foi feita por conferência de vídeo. Ao fundo, no escritório de Vieira, era possível ver uma foto da Torre Eiffel e um livro do pintor francês Toulouse-Lautrec.
Alexandre de Moraes discursou na posse de Vieira. Falando de improviso, o ministro do STF disse que seu assessor é "extremamente trabalhador”, “extremamente inteligente”, “dedicado", "de fácil trato" e uma pessoa "agregadora".
Moraes também ironizou a fama de linha dura de Vieira. Dirigindo-se ao desembargador, agradeçou "a sua serenidade, a sua competência, a sua tecnicalidade'", antes de emendar: "eu só não posso dizer aqui o seu garantismo, porque aí eu estaria mentindo demais. Nem um semi-garantismo existiria no Airton”.
O garantismo penal é uma escola influente do Direito que privilegia os direitos dos réus contra os excessos do "punitivismo".
Campanha para o STJ
Em 2023, Airton Vieira fez ampla campanha para conquistar uma vaga no STJ (Superior Tribunal de Justiça).
O apoio de Alexandre de Moraes certamente era um trunfo. Vieira chegou a deixar temporariamente a função no gabinete de Moraes para se dedicar ao projeto. Mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva preferiu indicar José Afrânio Vilela e Teodoro Silva para as duas cadeiras em aberto.
O histórico conservador de Vieira pesou contra. Mas não só isso.
Apesar da fama de rigoroso, Airton Vieira ganhou holofotes por ter concordado com a absolvição de um homem preso por prostituição infantil.
O caso aconteceu em Pindorama (SP). O réu, que tinha 76 anos à época do crime, confessou ter pago para manter relações sexuais com uma garota de 13 anos. Ele foi inicialmente condenado a oito anos de prisão, mas recorreu e foi absolvido por uma turma de desembargadores do TJSP. Vieira era um deles. Os juízes consideraram que o réu não tinha ciência de que a vítima era menor de idade.
No ano passado, o jornalista Tiago Pavinatto, então na Jovem Pan, mencionou o caso no ar e chamou Vieira de "tarado". Pavinatto, que também é doutor em Direito pela USP, foi demitido e está sendo processado pelo desembargador Vieira.
Na entrevista de 2015, Vieira disse que provavelmente cometeu injustiças em sua carreira de juiz. "Devo ter cometido. Não sou Deus, nenhum colega meu é Deus. A justiça dos homens é falha por excelência", afirmou.
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