Um estudo do Instituto Wirtschafts-und Sozialwissenschaftliches (WSI) da Alemanha, divulgado em 2018, analisou o salário mínimo garantido por lei em 37 países, por hora de trabalho. Entre os países pesquisados, o Brasil teve o terceiro pior salário mínimo, ficando à frente apenas da Rússia e da Moldávia, dois países que foram parte da antiga União Soviética (URSS).
O salário mínimo brasileiro em 2018 equivalia a €1,67 (R$7,34) por hora – inferior ao de países como Argentina (€4,16) e Ucrânia (€3,03). Em comparação, o maior salário mínimo foi o da Austrália (€9,47, equivalente a R$41,60), um dos países com economia mais livre do mundo. Mas mesmo com o maior salário mínimo do mundo, há tensão entre a Fair Work Commission, que define a taxa, e os sindicatos australianos – que, claro, querem aumentar os valores.
No outro extremo do levantamento, na Rússia, o salário mínimo aumentou 43% antes das eleições presidenciais em 2018. Assim, o valor por hora de trabalho passou para €1,64, correspondendo ao nível mínimo de subsistência no país. Antes da medida, os salários reais dos consumidores russos diminuíram por quatro anos consecutivos até 2017.
Para Daniel Duque, mestre em Economia pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e pesquisador do Instituto Mercado Popular, a posição do Brasil no ranking é uma questão de referência: o país tem um dos salários mínimos mais baixos quando comparado aos países desenvolvidos. “É muito mais um reflexo da nossa baixa produtividade, do nosso baixo grau de desenvolvimento, do que realmente uma escolha política ou ainda uma escolha produtiva”.
Herança maldita
O pior salário mínimo do mundo está na Moldávia: €1,65 por hora de trabalho. O país é considerado o mais pobre da Europa, com uma economia agrícola vulnerável à corrupção, incerteza política, alta burocracia e tensões separatistas. A pobreza é resultado da herança soviética: após o fim da URSS, as terras agrícolas foram divididas em pequenos lotes, com cerca de 2,5 hectares. Isso estagnou os agricultores em um estado de dependência do trabalho manual em vez de maquinário e tecnologia agrícola, o que levou a ineficiência e a rendimentos abaixo do potencial do campo.
“A Moldávia não conseguiu ser criativa na busca por seu próprio caminho de transição”, diz Vlad Spânu, ex-diplomata moldavo e presidente da Moldova Foundation. “Hoje, o governo e o parlamento controlados pelos comunistas não estão fazendo melhor do que seus predecessores”, completa.
Para Vlad, políticas populistas orientadas para objetivos eleitorais de curto prazo fracassam em lidar com as raízes do fraco desenvolvimento econômico. Além disso, a herança do socialismo soviético também está na corrupção galopante na Moldávia: cerca de 30% de todas as empresas do país relataram que as autoridades públicas solicitaram subornos pelo menos uma vez por ano para passar pelas inspeções, obter permissões e acesso à crédito ou garantir uma licença de operação. Em 2015, US$ 1 bilhão – cerca de um oitavo do PIB do país – foi furtado dos três maiores bancos do país. Cerca de 40 pessoas, incluindo um ex-primeiro-ministro, ajudaram ou se beneficiaram com o roubo.
Prós...
Um estudo da Scholars Strategy Network, uma associação de acadêmicos e pesquisadores, afirma que há uma relação positiva entre os níveis de salários mínimos e o bem-estar financeiro das pessoas em diversos países.
“Em termos simples, à medida que o salário mínimo aumenta, aumenta o bem-estar econômico da população nacional. Estatisticamente falando esse relacionamento é forte”, dizem Michael A. Krassa, da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, e Benjamin Radcliff, da Universidade de Notre Dame, autores da pesquisa.
O levantamento baseou-se em um relatório de 2013 da Gallup que investiga o bem-estar econômico de pessoas em 24 democracias industriais em todo o mundo. O Gallup mediu a parcela da população de cada país que está "prosperando" financeiramente (em oposição a "sofrendo") e combinou respostas a perguntas sobre se as pessoas têm dinheiro suficiente para fazer aquilo que é necessário e com que frequência elas se preocupam com dinheiro.
“Encontramos os mesmos resultados se examinarmos os dados durante um período de tempo mais longo, presumindo que as condições atuais refletem não apenas o nível imediato do salário mínimo, mas também em longo prazo”, dizem os pesquisadores.
Por outro lado, um estudo da Universidade da Califórnia, em Berkeley, constatou que um aumento no salário mínimo ajuda a reduzir a pobreza sem afetar a empregabilidade das classes mais pobres.
O estudo, realizado por Anna Godoey e Michael Reich, economistas do Centro Sobre Dinâmica Salarial e Emprego da Universidade de Berkeley, sugere que uma proposta para aumentar o salário mínimo nos Estados Unidos para US$ 15 por hora até 2024 não reduziria as taxas de emprego, nem horas trabalhadas anuais ou semanais – o salário mínimo nacional atual é de US$ 7,25.
Em seu artigo, Godoey e Reich afirmam que aumentos de salário mínimo incluem aumentos de preços nos setores de restaurantes e varejo, que geralmente têm muitos postos de trabalho. Outro motivo, segundo eles, é o fato de que os trabalhadores com baixos salários, quando passam a receber mais, têm mais dinheiro para gastar e movimentar a economia.
De acordo com os pesquisadores, aumentos levam a um declínio na pobreza doméstica e infantil em áreas de baixa renda. “Nossas estimativas sugerem que um aumento de 10% no salário mínimo reduziria as taxas de pobreza das famílias em 0,7 a 0,9% nas áreas de maior impacto”, diz Godoey.
Salários mínimos mais altos também têm implicações na saúde da população, segundo estudo da publicação de saúde Health Affairs. A pesquisa aponta três mecanismos para isso: salários mais altos podem permitir que os trabalhadores tenham acesso a produtos e serviços que melhoram a saúde; resultam em maior satisfação no trabalho, o que melhoraria a saúde do trabalhador e ainda aumentam os incentivos econômicos para trabalhar mais horas, o que poderia melhorar ou prejudicar a saúde.
“Embora haja algum desacordo entre os economistas, um grande corpo de pesquisa sugere que os salários mínimos reduzem as taxas de pobreza”, dizem os autores da pesquisa, J. Paul Leigh e Juan Du.
Contras...
Apesar de haver benefícios em salários mínimos para a população mais pobre, debates no campo do livre mercado apontam que aumentá-lo pode ser prejudicial para empresas e até expulsá-las do mercado, afirma o professor de Macroeconomia da Universidade de Brasília (UnB), Roberto Ellery.
“Essa relação não é tão simples quanto parece. Do lado positivo, é garantir uma renda para os trabalhadores menos qualificados. O lado negativo é que, se o salário ficar muito alto, pode acabar expulsando todo esse pessoal do mercado. O que, obviamente, levaria a uma renda muito pior”, diz.
Segundo ele, no caso brasileiro, o salário mínimo funciona mais como uma barreira para mão de obra não qualificada e para pequenas empresas do que para aumento do bem estar. “O salário mínimo pode ter um efeito muito forte em gerar desemprego exatamente nas camadas mais pobres. Porque eles não têm qualificação e preparo, não conseguem um nível de competitividade compatível com o salário mínimo. E então eles simplesmente ficam fora do mercado”, afirma.
Percepção
Levantamentos da empresa de pesquisas Mainstreet revelam que os pequenos empresários são contrários à determinação de um salário mínimo pelo governo. Quando questionados sobre sua opinião em relação ao salário mínimo, 82% das pequenas empresas disseram que o governo não deveria estabelecer as taxas salariais.
“O que pouco se pergunta e menos ainda se responde é quem é o governo ou aqueles por trás de tais legislações para falarem às pessoas por qual remuneração por hora eles devem trabalhar no mercado e quanto um empregador deve pagar a elas”, diz Richard M. Ebeling, Professor de Ética e Liderança de Livre Iniciativa na The Citadel em Charleston, Carolina do Sul, Estados Unidos.
“Liberdade exige que cada indivíduo tenha a possibilidade de decidir pacificamente como direcionar e planejar a própria vida e em associação voluntária com outros nas diversas áreas da sociedade. Eles não são livres quando o governo pode impor e ditar o salário com o qual um ser humano pode oferecer sua força de trabalho e como outro escolhe empregá-lo. Qualquer coisa diferente disso transforma todos em vítimas econômicas e ferramentas do controle coercitivo daqueles que controlam o governo”, acrescenta.
Além disso, no caso brasileiro, o salário mínimo está mais atrelado aos benefícios previdenciários, tendo mais influência sobre eles do que sobre os salários reais no mercado de trabalho.
Para Daniel Duque aproximadamente 15% dos ocupados no mercado de trabalho recebem um salário mínimo, contra cerca de 60% dos beneficiários de algum benefício da previdência. Somados, eles correspondem a cerca de 15% da população.
“Para combater a pobreza, o salário mínimo não funciona muito bem. O que funciona melhor são programas sociais, como o Bolsa Família, e políticas localizadas”, conclui.
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