De acordo com levantamento realizado pela Ipsos, para 75% dos brasileiros, a economia é aparelhada para favorecer os mais ricos e poderosos. Em 2016, o índice era de 69%, indicando que a desconfiança com o sistema político cresceu. E, analisando as evidências disponíveis, os brasileiros têm razão.
Quando se olha para as prioridades orçamentárias do governo federal, os dados mostram que apenas 12,1% é destinado a políticas que favorecem os 40% de menor renda. O levantamento é do Banco Mundial com dados de 2016.
O que explica tamanho disparate é o que a Ciência Política chama de rent-seeking, ou a “busca por renda política”: grupos de interesses bem articulados conseguem influenciar a formatação de políticas públicas, obtendo vantagens, benefícios e privilégios para si.
Lei de Director
Quando o lobby é bem-sucedido, pode resultar em uma transferência de renda significativa da população para o grupo que conseguiu se articular.
A chamada Lei de Director ajuda a explicar esse fenômeno: ela afirma que os gastos públicos geralmente beneficiam a classe média, sendo financiados com impostos bancados em grande parte pelos 20% mais pobres e pelos 20% mais ricos.
Ela foi cunhada a partir dos estudos dos economistas Aaron Director e George Stigler. Eles demonstraram que serviços públicos gratuitos e universais tendem a beneficiar de forma desproporcional a classe média, mesmo tendo como objetivo beneficiar os menos favorecidos e de menor renda.
A explicação para isso foi dada pelo economista americano e vencedor do Nobel Milton Friedman: ele demonstrou que a maior parte do eleitorado que pede por serviços públicos universais geralmente não inclui a parcela mais pobre da população.
Para Friedman, isso ocorre porque os mais pobres geralmente têm menos acesso à informação, menos qualificação profissional e menor contato com pessoas politicamente influentes. Dessa forma, os mais pobres também costumam ter menor preocupação, engajamento e meios de fazer valer sua participação política.
Nesse sentido, a grande massa de eleitores com influência, engajamento e maior peso político é a classe média. Assim, a maioria das políticas públicas tende a beneficiar esse grupo de pessoas, mesmo que isso prejudique a parte mais pobre daquela sociedade.
Em resumo: a classe média é a que possui maior poder de influência política entre todos os grupos de renda, não a camada mais pobre. Como ela tem maior poder político, consegue formatar políticas públicas que beneficiem seu grupo.
Custos difusos e benefícios concentrados
Todo político é eleito por determinado tipo de eleitorado. Em seu mandato, ele buscará atender aos interesses de seus eleitores para conseguir se reeleger ou tentar outros cargos maiores.
Isso significa que o político busca aprovar leis que beneficiem justamente esse grupo que ele representa. Porém, seus projetos podem prejudicar os demais grupos da sociedade que terão de arcar com a conta disso, mesmo sem serem beneficiados diretamente.
A Ciência Política mostra que grupos de minorias bem organizadas costumam fazer valer seus objetivos sobre maiorias desorganizadas politicamente. É a Lei dos Custos Difusos e Benefícios Concentrados.
Um exemplo prático de como ela funciona foi a política de Campeões Nacionais capitaneada pelos governos Lula e Dilma Rousseff, por intermédio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Entre maio de 2007 e maio de 2016, o custo dessa iniciativa foi de R$ 1,2 trilhão.
Essa política foi paga por todos os 200 milhões de brasileiros. O valor para cada brasileiro foi de menos de R$ 6 reais por ano durante o período. Por um lado, há poucos incentivos para um brasileiro ir às ruas para protestar por causa dos empréstimos do BNDES — uma vez que esses empréstimos custarão, individualmente, um valor muito pequeno. Mas do outro lado há muitos incentivos para que uma empresa como a Odebrecht, que recebeu mais de R$ 18 bilhões do banco, investisse centenas de milhões de reais em lobby para pressionar autoridades políticas a fim de obter a aprovação desses valores subsidiados. O mesmo raciocínio se aplica às outras empresas beneficiadas pelo BNDES.
Essa busca por renda política pode custar muito caro para a sociedade, mas está dentro das regras do jogo.
A grande questão discutida entre estudiosos é como diminuir o tamanho, intensidade, magnitude e extensão desse fenômeno.
O que pode ser feito?
De acordo com o cientista político Bruno Carazza, para reverter esse quadro é preciso restringir o poder do Estado. “Quanto mais opaco for o processo de concepção de políticas públicas, maiores as chances de um comportamento rent-seeking por parte de grupos de interesses”, diz o autor de 'Dinheiro, eleições e poder: As engrenagens do sistema político brasileiro'.
Entre as soluções, Carazza aponta ser necessário reduzir a burocracia, estabelecer um sistema tributário horizontal (sem alíquotas ou regimes diferenciados para determinados setores), vedar qualquer tipo de Refis (renúncias fiscais) e uma revisão completa de esquemas de subsídios e outros gastos tributários setoriais. “Quanto ao processo de concepção de políticas públicas e regulação, necessitamos de avaliações prévias, um processo legislativo transparente (inclusive quanto às atividades de lobby) e reavaliações periódicas de implementação e impacto”, diz.
O cientista político italiano e professor de Ciência Política do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC), Adriano Gianturco, endossa a receita para restringir o favorecimento dos mais ricos e poderosos no sistema político: “É preciso liberalizar, privatizar, desregular e desburocratizar. O maior problema dessa agenda é que ela representa tudo a que os grupos de interesses costumam se opor no Congresso Nacional”, sentencia.
A ideia de Milton Friedman
No último capítulo do livro “Livre Para Escolher”, Milton Friedman escreve que o atual modelo está fadado a fracassar:
“Cada um de nós defenderia seus próprios privilégios especiais e tentaria limitar o governo à custa de outra pessoa”.
Porém, o Nobel não parou no diagnóstico: também prescreveu a cura para restringir a influência dos mais poderosos dentro de um Estado Democrático de Direito.
“Deveríamos adotar leis de abnegação que limitassem os objetivos que tentamos alcançar pelos canais políticos. [...] Devemos estabelecer regras gerais que limitem o que o governo pode fazer”.
Friedman sugere a constitucionalização da Declaração de Direitos Econômicos. Ele traça um paralelo com a Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos, que proíbe o governo de criar leis que restrinjam a liberdade de expressão. Assim, o economista defende que se crie uma Emenda que impeça o Estado de criar barreiras protecionistas, controlar preços e salários, estabelecer regras de licença profissional e proibir a atuação estatal no livre mercado.
Em suma, para Friedman, se o Estado não tiver poder para distribuir privilégios, de nada adiantará grupos de interesses tentarem capturá-lo em busca de benefícios a serem custeados pelo restante da população.
Pessimismo é o 2º maior do mundo
A mesma pesquisa do Ipsos mostrou que o pessimismo está em alta no Brasil: 72% dos brasileiros acham que a política tradicional não se importa com eles, 3% a mais do que em 2016. Outro índice mostrado foi que “a sociedade brasileira está quebrada” para 78% dos entrevistados, um ponto percentual acima da pesquisa anterior.
Entre os 27 países analisados, o Brasil foi considerado o segundo mais pessimista, atrás apenas da Polônia, que teve 84% de pessimismo. África do Sul (78%), Argentina (74%), Espanha (69%), Hungria (66%), Rússia (64%), Alemanha (63%), Reino Unido (63%) e Sérvia (63%) fecham os 10 primeiros da relação.
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