Não foi preciso um muro na fronteira para que o clima pesasse entre os brasileiros que vivem ilegalmente nos Estados Unidos.
Desde o início do governo Donald Trump, que endureceu as regras contra estrangeiros sem documentação, os milhares de imigrantes que vivem no país começaram a buscar alternativas para não cair na malha da polícia de imigração, que aumentou as prisões em 40% neste ano.
Alguns brasileiros têm alugado imóveis em Estados mais coniventes com imigrantes. Com o endereço, conseguem uma carteira de motorista —que vale como documento de identidade, substituindo o passaporte.
Muitos buscam transformar o visto de turista no de estudante, que garante permanência enquanto durarem os estudos. Outros elevam o risco e investem em casamentos falsos com americanos, um crime federal.
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"Todo mundo vive com medo, mas sobrevive. E não para de chegar gente", diz a assistente jurídica Marta Childers, brasileira que vive na região de Atlanta, no Estado sulista da Geórgia, há 16 anos.
De tradição republicana, a Geórgia abriga uma das principais comunidades de imigrantes do Brasil nos EUA. São cerca de 100 mil pessoas, muitas sem documentação.
O Estado foi o segundo lugar que mais prendeu imigrantes ilegais no país neste ano: 13.551 pessoas. Só perdeu para o Texas.
Morador da região há 15 anos, o goiano Wilmar Moreira, 54, adotou duas estratégias para escapar do cerco policial: uma delas foi alugar um dormitório em Maryland (leste), junto com outros três brasileiros, para obter uma carteira de motorista. A Geórgia não emite o documento para quem não tem status legal.
Moreira foi ao dormitório apenas uma vez. Mas o comprovante de endereço é suficiente para a emissão da carteira em Maryland, e ela serve como documento caso ele seja parado pela polícia.
Sua outra manobra foi mais arriscada: ele comprou um casamento falso com um americano para sua mulher brasileira em 2013, por US$ 25 mil. O crime foi descoberto pela polícia neste ano, e ela acabou sendo detida e deixando voluntariamente o país, há seis meses.
"Não me orgulho, fui por um caminho errado, mas pensava em sobreviver", disse o brasileiro à reportagem.
Moreira é dono de uma borracharia na região de Atlanta, com a qual pagou a faculdade dos filhos no Brasil. Comprou o casamento com medo de não conseguir renovar as licenças para o negócio. Depois que a mulher foi deportada, diz não temer mais a imigração. "Eu entreguei para Jesus."
Novas regras
Sob Trump, qualquer estrangeiro sem documentação virou alvo do governo.
Na administração Barack Obama (2009-2017), priorizava-se a prisão daqueles com ficha criminal ou procurados por crimes graves.
Além disso, um imigrante ilegal há menos de dois anos no país pode ser deportado administrativamente, sem passar por um juiz. Antes, só quem era pego na fronteira estava sujeito à prática.
Assim, as deportações judiciais caíram levemente com Trump, mas as administrativas aumentaram 25%.
Com medo, brasileiros organizaram grupos em aplicativos de mensagem para alertar sobre batidas da imigração, ou criaram grupos de carona, para que ninguém sem documento tenha que dirigir.
A situação é tensa mesmo em Estados tradicionalmente tolerantes com imigrantes, como Massachusetts, que abriga a maior comunidade brasileira nos Estados Unidos, com 350 mil pessoas.
"Me sinto como uma médica diante de uma nova epidemia na cidade, mas com meus instrumentos sendo roubados", comenta a advogada Stefanie Fisher, 33, que atua em Boston.
Segundo ela, o trabalho aumentou, mas as opções diminuíram: as fianças estão mais elevadas (em alguns Estados, podem chegar a US$ 25 mil, ou R$ 83 mil), as renovações de permanência temporária foram suspensas, a aceitação de pedidos de asilo diminuiu.
O tema é alvo de preocupação dos consulados brasileiros, que fizeram cartilhas e organizaram palestras alertando sobre as mudanças.
Evitar dirigir, ter o telefone de um advogado à mão e preparar terceiros para a eventualidade de terem de assumir a guarda temporária dos filhos são alguns dos conselhos, a depender do Estado.
Os EUA são o país estrangeiro com maior população brasileira: abrigam cerca de 1,4 milhão de pessoas, quase metade dos cidadãos que estão fora do Brasil.