Em 2016, ele era um condenado a 425 anos de prisão por liderar uma organização criminosa que fraudava licitações e cobrava propina de empreiteiras. Hoje, passeia livremente pelo Rio de Janeiro com uma nova namorada, frequenta restaurantes caros e registra no Instagram suas opiniões sobre filmes, livros e outros assuntos relacionados ao dia a dia da Cidade Maravilhosa. Estamos falando de Sérgio Cabral, o mais novo digital influencer carioca.
Último preso da Lava Jato, o ex-governador de 60 anos deixou o presídio de Bangu 8 em dezembro do ano passado, quando uma decisão da Justiça o liberou para cumprir prisão domiciliar — em um amplo apê em Copacabana, diga-se. Mas ele está longe de ser um sujeito caseiro. Usando uma tornozeleira eletrônica, o homem que um dia sonhou ser presidente da República logo se envolveu com a produtora artística e de eventos Carul Passos, 17 anos mais nova, e iniciou sua nova jornada como bon-vivant e comentarista da internet.
No Dia dos Namorados, por exemplo, Cabral homenageou Carul (com “u” mesmo) postando um vídeo com imagens dos dois, acompanhado de um poema de Carlos Drummond de Andrade. “Amor é privilégio de maduros”, diz um dos versos citados pelo anfitrião da inesquecível Farra dos Guardanapos – jantar organizado em 2009, na capital francesa, para comemorar sua condecoração com a medalha Légio D’Honneur, honraria máxima daquele país .
Orçada em R$ 1,5 milhão, a festa regada a 300 garrafas de vinho, espumante e uísque contou com a presença de 150 amigos de Sérgio Cabral, empresários e políticos. Entre eles Eduardo Paes (atual prefeito do Rio), Fernando Cavendish (dono da empreiteira Delta Construções), João Havelange (ex-presidente da Fifa) e Carlos Arthur Nuzman (ex-presidente do Comitê Olímpico Brasileiro). Pelo menos dez convidados foram presos por corrupção nos anos seguintes.
Segundo o Ministério Público Federal, que investigou a compra de votos para a escolha do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas de 2016, o evento foi, na verdade, uma comemoração antecipada da vitória da cidade no processo. O jantar também ficou marcado pelo momento lúdico que o batizou, quando secretários de governo, já bastante alcoolizados, colocaram guardanapos na cabeça e começaram a dançar — as fotos do episódio, divulgadas por Anthony Garotinho, opositor de Cabral, tornaram-se um símbolo do deboche e da prepotência de quem se beneficia da impunidade no Brasil.
Ainda um entusiasta da boa mesa, Cabral voltou ao noticiário no último final de semana, depois de um almoço tumultuado na Casa Porto, conhecido “boteco raiz” do Largo da Prainha, na região central do Rio. O ex-presidiário aproveitou o sábado para comer feijoada e degustar algumas caipirinhas, na companhia da amada e de um grupo de amigos. O encontro, no entanto, não terminou muito bem.
Clientes indignados com a presença do corrupto perderam a fome, se recusaram a permanecer no local e saíram xingando o namorado da Carul e os donos do bar. No dia seguinte, um vídeo postado nas redes sociais da Casa Porto mostrava os funcionários dando um banho de sal grosso nas escadas do boteco, numa tentativa de limpeza espiritual (e da imagem) do estabelecimento. Cabral, é claro, não comentou nada em seu “Insta”.
Mas o conteúdo produzido pelo new influencer não traz apenas amenidades. Em suas postagens, o ex-tucano e ex-emedebista também exalta os feitos de suas gestões no governo fluminense e de seu período no Senado. E aí reside o perigo: ele pode voltar à vida pública.
Não necessariamente pela via do voto, pois a grande maioria dos políticos condenados nos processos do Mensalão, da Lava Jato e afins atualmente não ocupa cargos eletivos. Muitos estão inelegíveis e alguns até tentaram se candidatar, porém tiveram votações pífias.
Seria uma prova de que o eleitor brasileiro aprendeu a lição? Mais ou menos. Afinal, o personagem central de todos esses escândalos hoje preside o país.
Voltando a Sérgio Cabral, ele acaba de ser anunciado como o novo colunista do jornal carioca ‘Correio da Manhã’ (estreia na próxima segunda-feira). E já admitiu ter vontade de virar consultor político, o que pode ser sinônimo de “vou articular e manobrar sem ter mandato”. Nesse sentido, exemplos não faltam. Nos parágrafos abaixo, elencamos alguns parlamentares e governantes que já estiveram presos por corrupção, tiveram suas penas suavizadas e agora seguem exercendo influência nos bastidores.
5 – João Paulo Cunha
Conhecido por ter chorado em várias entrevistas que concedeu durante o processo do Mensalão, Cunha andou meio sumido depois de cumprir um sexto da pena de 6 anos e 4 meses por corrupção e peculato. Mas tem acompanhado Lula em reuniões fechadas com empresários, ao lado de outros petistas históricos integrantes do “círculo íntimo” do presidente, como Aloizio Mercadante e Paulo Okamura. Ou seja: o ex-presidente da Câmara – que chegou a assumir a presidência interina do Brasil quando Lula viajou e o vice José Alencar estava internado – não faz parte da equipe oficial do governo, porém ainda dá suas ciscadas. E para quem gosta de poesia, seu livro ‘Quatro & Outras Lembranças’, escrito durante a temporada no Complexo Penitenciário da Papuda, está disponível na Amazon por R$ 15,82.
4 – Bispo Rodrigues
O ex-deputado federal carioca se envolveu no Caso Waldomiro Diniz (subchefe de Assuntos Parlamentares da Presidência da República filmado em 2002 cobrando propina do empresário dos bingos Carlos Cachoeira), na Máfia dos Sanguessugas (quadrilha responsável por fraudar processos de licitação para a compra de ambulâncias) e no Mensalão – sendo condenado apenas neste último processo. Cumpriu um terço de sua pena de 6 anos e 3 meses de reclusão e foi liberado para o regime domiciliar em 2014. Rodrigues passou os últimos anos na encolha, apenas coordenando rádios e outros negócios da Igreja Universal do Reino de Deus. No entanto, devido ao baixo desempenho dos candidatos da Iurd nas eleições de 2022, foi convocado novamente para atuar na política. Sua nova missão é escolher quem vai concorrer a prefeito e vereador pelo partido Republicanos no próximo ano. Ele dividirá funções com o prefeito de Belfort Roxo (RJ), Wagner Carneiro, o Waguinho, presidente da legenda no estado e marido da ministra do Turismo, Daniela Carneiro, em processo de fritura dentro do governo por ter mudado de partido (ela saiu do União Brasil e ingressou no Partido Liberal, contrariando Lula).
3 – Eduardo Cunha
Ele é o “Malvado Favorito” de muita gente, por ter sido o responsável pelo início do processo de impeachment de Dilma Roussef, mas sua contribuição para a política termina por aí. Cunha foi acusado de tantos crimes de corrupção que a relação não caberia neste parágrafo. Preso pela Lava Jato entre 2016 e 2021, o ex-presidente da Câmara também escreveu um livro, assina artigos publicados na imprensa e até se candidatou a deputado federal por São Paulo nas últimas eleições (recebeu insuficientes 5.044 votos). Sua influência, no entanto, ainda pode ser sentida. Como na semana passada, quando a Câmara dos Deputados aprovou a inacreditável lei que pune com prisão e multas a “discriminação financeira de pessoas politicamente expostas”. A autora do texto? A deputada Dani Cunha, do União Brasil, sua filha mais velha e apontada como uma das beneficiárias das contas do ex-detento na Suíça (de acordo com documentos enviados por autoridades do país europeu à Procuradoria Geral da República).
2 – Valdemar Costa Neto
Aos 73 anos, o atual presidente do Partido Liberal não dá sinais de cansaço. Preso em 2013, após ter sido condenado a 7 anos e 10 meses no processo do Mensalão, ele teve o perdão da pena concedido pelo ministro do STF Luís Roberto Barroso e recebeu um alvará de soltura três anos depois (quando já estava no regime semiaberto). Ao contrário dos outros nomes desta lista, Costa Neto segue tão ou mais influente quanto antes da temporada encarcerado. À frente da maior bancada da Câmara e “gestor” do fundo eleitoral mais gordo do país, o ex-deputado se movimenta para aumentar o poder do PL nas próximas eleições municipais e já mira o pleito presidencial de 2026. A julgar pelo capital político de seu principal cabo eleitoral, Jair Bolsonaro, Valdemar chegará aos 80 cheio de energia.
1 – José Dirceu
Escondido pelo PT durante as eleições, o ex-guerrilheiro está de volta à cena. Lula já o cita novamente em entrevistas e inclusive defende a divulgação de uma “narrativa” que possa limpar sua barra junto à sociedade. Condenado a mais de 31 anos de cadeia nos processos do Mensalão e do Petrolão, o pai do deputado Zeca Dirceu (líder petista na Câmara) recentemente foi notícia por ficar internado num hospital de luxo em Brasília – com direito a quarto cinco estrelas, pratos assinados por um chef de alta gastronomia e serviço de concierge. Também apareceu em uma foto ao lado de seu advogado, Antônio Carlos “Kakay” de Almeida Castro, “fazendo o L” em Paris para comemorar a cassação de Deltan Dallagnol.
Toda a lista peca por omissões e injustiças, mas ainda dá tempo de incluir uma menção honrosa: Luiz Fernando Pezão. Sucessor de Sérgio Cabral no governo do Rio, ele foi absolvido, no último mês de abril, de acusações de corrupção e lavagem de dinheiro em um dos processos da Lava Jato – e já se pré-candidatou à prefeitura de Piraí (RJ), sua cidade natal. Condenado a 98 anos de “tranca”, Pezão teve a prisão decretada em 2018 e ganhou a liberdade 13 meses depois (mediante o uso de tornozeleira eletrônica). Em 2020, ficou eternizado por uma foto em que aparece pedindo uma Brahma no balcão do bar piraiense Rei do Torresmo.
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