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Caquistocracia: estamos sendo governados pelos piores?

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Caquistocracia: um governo que privilegia os patifes em detrimento dos tolos. (Foto: Pixabay)

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Em 1787, ao deixar a última reunião da Convenção Constitucional, perguntaram a Benjamin Franklin que forma de governo os delegados escolheram para os Estados Unidos. “A República”, respondeu ele, “se for possível mantê-la”.

Alerta de spoiler: não conseguimos mantê-la. Em 1963, Leonard Read alertava os norte-americanos que “aquilo que já foi uma República” estava se transformando em outra coisa. “Estamos virando uma caquistocracia”, escreveu ele.

Caquistocracia significa “o governo dos piores”. Read gostava sobretudo da definição de James Russell Lowell: “um governo (....) que privilegia os patifes em detrimento dos tolos”.

Analisando os Estados Unidos atual, parecemos estar sujeitos à caquistocracia, como Read previu. Os que ocupam os cargos mais importantes tendem a ser venais, autoritários e incompetentes em suas funções, e com frequência descobrimos que são devassos em suas vidas pessoas.

As massas que dão poder a essas pessoas têm pagado caro por essa escolha. O custo é a perda de liberdade e a queda no padrão de vida. Assim, um governo “que privilegia os patifes em detrimento dos tolos” parece uma bela descrição para o estado do país e também do mundo.

É uma situação intolerável, claro. E é totalmente compreensível o ressentimento quanto ao fato de os caquistocratas nos governarem. Mas deveríamos também saber que o ressentimento costuma nos fazer caminhar pelas trevas. Ainda que Leonard Read tenha nos falado de “uma situação política baseada na patifaria e na tolice”, ele também avisava:

“Jamais devemos considerar qualquer indivíduo um patife ou um tolo. Isso seria uma expressão da nossa inferioridade. Todos erram, uns mais, outros menos. Rotule apenas ideias que parecem desonestas ou tolas”.

Em outras palavras, pense na luta como algo contra ideias e valores maus, e não contra pessoas más. Essa prática talvez pareça generosa demais em relação a quem nos persegue, mas é mais para o nosso bem do que para o bem deles.

Quando demonizamos nossos adversários políticos, definindo nossa luta como uma luta contra pessoas más, e não contra ideias e valores maus, tornamo-nos suscetíveis à tentação de defendemos ideias e valores maus, uma vez que estaríamos fazendo isso numa guerra contra a “classe inimiga”. Quanto mais pensamos nos outros apenas como patifes ou tolos, maior a nossa tendência em ceder à patifaria e à tolice.

Podemos, por exemplo, nos sentir tentados a defendermos políticas injustas na esperança de que elas prejudiquem nossos inimigos ideológicos: atacamos a liberdade em nome da defesa da liberdade. Quanto mais fazemos isso, mais nos tornamos aquilo que odiamos.

“A fronteira entre o bem e o mal”, escreveu Aleksandr Solzhenitsyn, “não passa por estados ou classes sociais ou partidos políticos, e sim pelo coração humano (...) mesmo corações tomados pelo mal mantém um caminho aberto para o bem. E até mesmo os melhores corações guardam (...) um pedacinho de maldade”.

Antes de mais nada, precisamos nos proteger da caquistocracia dentro de nós mesmos, enquanto indivíduos. Temos de impedir que nos deixemos ser governados por nossos piores impulsos. Temos de nos proteger da tirania do patife e do tolo que todos temos dentro de si, em maio ou menor medida.

Como dizia Read, a única forma de derrubar uma caquistocracia sem substituí-la por outra é pelo “renascimento de uma aristocracia natural”, ideia que ele tirou de Thomas Jefferson. Por “aristocracia natural” ele não quer dizer uma classe dominante que mantenha privilégios junto ao Estado; ele se referia a indivíduos virtuosos e talentosos, capazes de liderar pelo exemplo.

“Quando uma sociedade é agraciado com uma aristocracia de primeira linha – homens virtuosos e talentosos, capazes de servir como exemplos de conduta – ideias tolas ou desonestas são abafadas. Por quê? Porque as pessoas temem parecer tolas ou desonestas diante daquelas que admiram”.

Por isso Read argumentava que a luta pela liberdade era, antes de mais nada, uma luta pelo autoaperfeiçoamento que deve ser travada por todos os amantes da liberdade, especial por meio da “compreensão e explicação de por que a liberdade funciona”.

“Até que ponto eu ou você ambicionaremos esse caráter exemplar de se tornar um aristocrata?”, perguntava Read. “Essa ambição é a única coisa que se exige de uma pessoa que deseje livrar o mundo da caquistocracia”.

A liberdade está ameaçada – assim como nosso sustento e, em alguns casos, nossa própria vida. Nessas circunstâncias, talvez seja mais fácil se sentir mentalmente cerceado. Às vezes em meio à névoa da guerra política, até mesmo defensores da liberdade podem se esquecer do que os levou à luta. Mas se ater a princípios, e não a pessoas, nos ajudará a continuar avançando rumo a uma vitória que terá mesmo valido a pena.

Dan Sanchez é diretor de conteúdo da Foundation for Economic Education (FEE) e editor-chefe do site FEE.org.

©2022 FEE. Publicado com permissão. Original em inglês

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