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Mães não teriam com quem deixar os filhos não fosse o trabalho voluntário mantido por doações na Creche Alecrim | Divulgação
Mães não teriam com quem deixar os filhos não fosse o trabalho voluntário mantido por doações na Creche Alecrim| Foto:

As eleições deste ano tiveram o registro de 14 candidaturas à presidência da República e de outras 28.086 para os cargos de governador, senador, deputados federal, estadual e distrital – sem contar vices e suplentes e incluindo indeferidos, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). E entre tantos candidatos, há algo em comum: um sem-fim de promessas para todos os gostos, para serem cumpridas (ou não) em mandatos caríssimos pagos com o dinheiro proveniente das altas cargas tributárias.

E o que esses candidatos, muitos deles buscando a reeleição pela enésima vez, têm em comum com uma simples catadora de recicláveis, criada a menos de 20 quilômetros do Congresso Nacional, que ajudou a mudar a vida de uma centena de crianças carentes sem nenhum apoio governamental? Nada. A história que a Gazeta do Povo conta agora deveria inspirar os eleitos deste ano a trabalhar mais pelos cidadãos que pagam seus altos subsídios (salários).

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Maria de Jesus Pereira de Souza, 31 anos, passou a vida no entorno do aterro sanitário de Brasília, de onde, por muitos anos, tirou o sustento de sua família. Sem uma creche para deixar a filha e nenhum parente para ajudá-la, ela precisou levar a criança para o ambiente insalubre do lixão, à época a céu aberto. “O que mais doía era olhar minha filha lá, no chão, enquanto eu trabalhava, cuidando para os urubus não carregarem ela”, lembra.

Sem atenção do poder público, outras mães passaram pelo mesmo drama, mas aquela situação começou a mudar quando Maria não pôde mais trabalhar no aterro. Em 2011, com os movimentos do braço esquerdo limitados por uma tendinite crônica, a catadora passou a cuidar dos filhos das colegas em troca de doações. Da iniciativa surgiu a Creche Alecrim, que passou a oferecer os cuidados básicos a cerca de cem crianças da Vila Estrutural, na periferia do Distrito Federal, desempenhando uma função negligenciada pelo Estado.

O número de crianças tem variado com o passar dos anos. Atualmente, a Creche Alecrim atende 91 meninos e meninas das 8h às 17h, de segunda a sexta-feira, e das 8h às 12h, aos sábados. “O foco é atender principalmente os filhos de mães solteiras e adolescentes que trabalham na coleta de recicláveis”, diz Maria, que conta com o apoio de 14 voluntárias (entre elas mães, avós e tias das crianças), que se revezam para ajudar nos inúmeros afazeres da creche.

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Coordenadora-geral da creche comunitária, Maria comemora o fato de que as mães catadoras, em situação de vulnerabilidade social, têm hoje um lugar seguro e adequado para deixar seus filhos durante o dia. “Quando pude criar esse lugar, houve uma melhora para as mães”, diz a ex-catadora. “Tenho orgulho de saber que essas crianças vão dormir todo dia bem alimentadas”, acrescenta.

Para muitas mães da Estrutural, é o serviço prestado pela Creche Alecrim que permite a elas trabalhar fora para ajudar na renda familiar. “Eu não teria condições de pagar alguém para ficar com meu filho”, disse uma das mães beneficiadas, Noélia Rodrigues, em entrevista a um jornal local.

Alimentação garantida

Na Alecrim, são servidas cinco refeições ao dia, do café da manhã ao jantar. Além disso, a creche prepara sopa para as famílias levarem para casa. Sem esse apoio, segundo Maria, algumas mães não teriam o que comer à noite. “O aterro fechou no início do ano. E o que era para ser uma boa notícia, foi ruim para as famílias que dependiam do lixo para ter uma renda digna. Isso porque o trabalho nas cooperativas [de catadores] não garante a mesma renda de antes”, explica.

Para dar conta da demanda, a creche prepara por dia, em média, 7 kg de arroz, 2 kg de feijão e 2 kg de macarrão, e utiliza 24 litros de leite, além de frutas, verduras e legumes. Tudo fruto de doações de pessoas e empresas que reconhecem o valor do serviço prestado.

Mesmo sem apoio governamental, Maria diz que sua missão não está completa. A creche acolhe crianças de zero a seis anos, mas ela sonha com o dia em que poderá estender o atendimento até os 14 anos. A preocupação de Maria e das voluntárias da creche é que, sem o contraturno escolar, essas crianças sejam perdidas para a criminalidade ao alcançarem a adolescência. “Só não fazemos isso por falta de espaço e de recursos”, diz.

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Em parte, a realização desse sonho depende da aquisição de uma sede própria, um desejo antigo das colaboradoras da Alecrim. Sete anos depois de sua fundação, a creche comunitária segue atendendo em espaço alugado, enquanto muitos políticos das promessas sem-fim recebem auxílio-moradia mesmo tendo casa ou apartamento próprios em Brasília.

Incêndio quase pôs tudo a perder

Em 7 de fevereiro deste ano, a Creche Alecrim viveu seu pior dia. Um incêndio destruiu a cozinha, o refeitório e o depósito e pôs em cheque a continuidade dos serviços prestados à comunidade carente da Vila Estrutural. Ninguém se feriu, mas mães e voluntários se desesperaram diante das chamas.

Maria diz que o sentimento, por ver o trabalho de uma vida ser destruído em 15 minutos, foi de profunda tristeza. “Brasília parou naquele dia, porque nosso projeto é muito conhecido. Teve emissoras transmitindo o incêndio ao vivo, e muitas pessoas ligaram [oferecendo apoio] no mesmo dia”, lembra a fundadora da creche.

Da comoção surgiu uma onda de solidariedade jamais vista na Estrutural, tranquilizando Maria e as mães atendidas pelo projeto. Uma única empresa cedeu 16 operários para ajudar na reconstrução, concluída no mesmo mês do incêndio. “Todo mundo ajudou, e a estrutura ficou adequada, com cozinha, refeitório e depósito melhores do que antes. O sentimento foi de gratidão”, conta Maria.

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Com a reforma, a creche retomou o atendimento tal como antes. Entre as atividades desenvolvidas no local há aulas de dança, pré-alfabetização, rodas de conversas, projeção de filmes e atividades de recreação diversas. Segundo professores da rede municipal, as crianças que passam pela Alecrim chegam bem preparadas à 1ª série do Ensino Fundamental.

Creche depende de doações

Com despesas de aluguel, gás, água e luz, a Creche Alecrim precisa mais do que a doação de alimentos para sobreviver. A manutenção do berçário, do refeitório e das inúmeras atividades desempenhadas depende quase que inteiramente de doações feitas por pessoas físicas, empresas e entidades.

A creche dispõe de um bazar, mantido com doações que não servem para as crianças. O orçamento apertado é reforçado com promoções de pizza e venda de biscoitos de polvilho. Contudo, essas ações não são suficientes para manter o serviço prestado.

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Para quem quer ajudar, diz Maria, fraldas tamanhos G e Extra G e pomadas de assadura são sempre bem-vindas. Na Alecrim, a demanda é de 60 fraldas por dia, já que são 16 bebês atendidos. “Sem as doações, fica muito caro para gente comprar”, diz a ex-catadora.

Para quem não pode visitar a creche para levar os donativos pessoalmente, uma opção é a doação em dinheiro, que segundo Maria é revertido para o aluguel e despesas mensais. Para doações, os contados podem ser feitos pelo e-mail creche.alecrim1@gmail.com.

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