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Na semana passada (9), o Conselho Federal de Medicina (CFM) lançou uma consulta aos médicos a respeito da obrigatoriedade das vacinas contra Covid-19 para crianças. É uma primeira reação da autarquia desde que o Ministério da Saúde anunciou a inclusão dos imunizantes no Programa Nacional de Imunizações (PNI), no último dia 31 de outubro.
O PNI, com meio século de idade, ajudou a colocar o Brasil no mapa da saúde pública mundial e a erradicar a varíola. Como informou o Instituto Butantan em sua comemoração dos 50 anos do programa, em 1940, a cada mil crianças brasileiras de até cinco anos, 212 morriam, muitas vezes por complicações de doenças infecciosas como sarampo e poliomielite. Após dez anos do programa, esse número caiu pela metade. Próximo do aniversário de 50 anos, a taxa caiu para 14 em mil crianças. Em levantamentos históricos de sociedades civilizadas como a Roma Antiga, que floresceram antes do desenvolvimento da ciência médica e das vacinas, a morte levava de um terço a metade das crianças.
A inclusão dos imunizantes para Covid-19 no PNI torna obrigatória essa inoculação a partir dos seis meses de idade. Pais e responsáveis que se recusarem a vacinar suas crianças podem perder o Bolsa Família, o direito a usar o transporte público e emitir passaporte, e podem ter a matrícula de seus filhos recusada em escolas e creches. Mas, diferentemente das vacinas já consagradas e que salvaram milhões de crianças no Brasil e no mundo, ainda é necessário estabelecer com maior rigor a relação entre risco e segurança da vacina contra a Covid-19 em crianças. Por isso a consulta do CFM é tão importante.
O CFM declarou que “a opinião dos médicos é fundamental para enriquecer o debate e contribuir para a tomada de decisões futuras”. A consulta está sendo realizada através de um formulário curto que pode ser preenchido em dois minutos e exige CPF, CRM e estado da inscrição do profissional. O conselho garante que manterá o anonimato dos dados dos respondentes.
Alguns comentaristas ironizaram a consulta nas redes sociais, comparando a “pesquisas de opinião sobre antibióticos”. A cardiologista Ellen Guimarães, por sua vez, vê de forma positiva a ação. “Achei interessante o CFM fazer essas perguntas, não acho que o posicionamento diante dessa questão será resolvido através da enquete, mas com certeza, se ele produzir um documento sobre isso, será um documento técnico”, comenta a médica, que também aprova a forma como a entidade defendeu a autonomia médica durante a pandemia.
As vacinas contra Covid são necessárias para crianças?
Diferentemente das vacinas tradicionais, paira uma divergência maior entre especialistas sobre a necessidade das vacinas da Covid para as crianças, nas quais o vírus se manifesta geralmente como uma doença leve, especialmente as vacinas que utilizam a nova tecnologia das nanopartículas contendo mRNA viral. Um grande estudo ainda em pré-publicação de cientistas da Administração de Alimentos e Drogas (FDA) dos Estados Unidos, disponível desde 15 de outubro, sugere que essas vacinas podem ter entre seus efeitos colaterais possíveis as convulsões em crianças dos dois aos quatro anos.
Um estudo do mês passado, publicado na revista JAMA Pediatrics por pesquisadores do Instituto Karolinska, na Suécia, usou uma amostra de 2596 pacientes pediátricos para comparar os riscos da variante dominante da Covid hoje, a Ômicron, a outros vírus respiratórios. O resultado foi que “nenhuma diferença foi observada entre a gripe e a Ômicron” em termos de hospitalização das crianças e adolescentes. Em todas as faixas etárias, o vírus sincicial respiratório (VSR, que afeta mais os bebês) mandou mais pacientes para o hospital que a Covid.
Um fator com frequência negligenciado nos estudos é a proteção conferida por infecção prévia, a chamada imunidade natural. Um motivo para isso é que são raras as pessoas que ainda não foram infectadas pelo vírus da Covid em algum momento. Notando as altas taxas de imunidade natural e imunização vacinal, o Grupo de Conselho Estratégico de Especialistas sobre a Imunização (SAGE) da Organização Mundial da Saúde, em março de 2023, publicou novas diretrizes indicando aos países que priorizassem os grupos de risco para novas doses. “O grupo de baixa prioridade inclui crianças saudáveis e adolescentes, dos seis meses aos 17 anos”, explicaram os especialistas, aconselhando autoridades a tomarem decisões de vacinação contra Covid nos menores com base em custo-benefício, prioridades programáticas e “outros custos de oportunidade”.
Comentando essa decisão, o pediatra especializado em vacinas Paul Offit, que atua na Filadélfia, disse, em publicação própria, que “é verdade que o risco de morte por Covid em idosos é mil vezes maior que em crianças pequenas, mas isso não significa que o risco em crianças é zero”. Offit aconselha os pais a decidirem a favor da vacina com base em uma série de fatores. Um deles seria que a inflamação do coração associada a um caso a cada três mil ou cinco mil jovens do sexo masculino vacinados contra Covid “parece ser curta e se resolver sozinha”. Seis meses depois desse conselho, contudo, um estudo revelou que metade dos jovens que tiveram miocardite vacinal continuam com cicatrizes no coração até um ano depois.
Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, ao anunciarem mais uma dose da vacina de mRNA atualizada para uma subvariante da Ômicron, em setembro, calcularam os benefícios esperados para um milhão de doses aplicadas: para crianças dos seis meses aos quatro anos de idade, evitariam 103 hospitalizações. Para crianças de cinco a 11 anos, evitariam 16 hospitalizações. Para adolescentes dos 12 aos 17 anos, evitariam entre 19 e 95 hospitalizações, cinco a 19 encaminhamentos para a unidade de tratamento intensivo (UTI) e “talvez uma morte”.
Wil Ward, um médico da família que trabalhou em UTI durante a pandemia em uma comunidade pobre de Chicago, comentou no site Sensible Medicine essas estimativas dos CDC. “Idealmente, isso é feito com estudos controlados. Mas, em vez disso, os CDC se basearam em dados observacionais” com menor rigor estatístico, explicou. Usando, por sua vez, estudos controlados e randomizados, que são os de maior rigor, Ward estimou os riscos da aplicação de um milhão de doses de vacinas de mRNA contra Covid: “Pfizer: 1.010 reações adversas sérias. Moderna: 1.510 reações adversas sérias”.
“Os estudos originais das vacinas da Covid já expiraram”, concluiu o médico. “Como somos o único país recomendando doses de reforço para crianças saudáveis de seis meses, deveríamos produzir os melhores dados do mundo. Em vez disso, ganhamos testes de anticorpos em dez camundongos”.
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