A política de filho único gerou diversas consequências sociais e psicológicas para os chineses.| Foto: STR/AFP
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O raciocínio foi relativamente simples. Na década de 70, a China apresentava um desenvolvimento econômico menor do que o crescimento populacional. Havia fome, uma taxa de mortalidade altíssima e inúmeros problemas sociais. A solução: diminuir a população. Assim que, em 1979, a política do filho único foi instituída.

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"Ao longo de mais de vinte anos, desde o início da política do filho único até pouco antes de a lei ser sancionada, a taxa de natalidade na China caiu de 5,44, em 1971, para 1,84, em 1998. Esses quase trinta anos de controle de natalidade resultaram em 238 milhões de crianças a menos na China. Em 2012, esse número havia inchado para aproximadamente 400 milhões de nascimentos a menos", conta a jornalista chinesa Xinran em seu livro Compre-me o céu: A incrível verdade sobre as gerações de filhos únicos da China (Companhia das Letras).

Xinran se sentiu motivada a pesquisar e escrever sobre o assunto quando presenciou uma conversa familiar na China: uma criança pedia que seus pais lhe comprassem o céu. Em vez de responder que isso é simplesmente impossível, os membros da família se revezaram para contar várias desculpas, entre "compramos quando chegarmos em casa" e "será seu presente de aniversário". Não, os chineses não têm uma fórmula secreta para comprar o céu – só não são capazes de dizer não para seus preciosos filhos únicos.

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Para investigar o tema, Xinran entrevista 10 adultos filhos da primeira geração da política, nascidos entre 1979 e 1984, e seus pais. Ela teve contato próximo com a maioria deles na Inglaterra, onde mora desde 1997: filhos de amigos e voluntários na ONG The Mothers' Bridge of Love, são jovens adultos que tiveram suas personalidades expostas ao entrarem em contato com um ambiente estrangeiro.

Explico com um exemplo: um dos primeiros entrevistados de Xinran é Du Zhuang, que morou por algum tempo na casa da autora depois de ter terminado a faculdade na China. A grande questão é que o rapaz não era capaz de fazer nada sozinho. Não sabia cozinhar nem se virar na cozinha, considerada um ambiente perigoso por conter facas e fogo. Não sabia desfazer suas malas e organizar seus pertences no quarto (até então, sua mãe fizera isso). Não sabia se comunicar ou estabelecer relações pessoais.

O cenário se repete, em maior ou menor grau, com todos os entrevistados de Xinran. Com isso, a autora começa a desenhar sua hipótese: a política, que teve algum êxito econômico, foi uma catástrofe emocional e psicológica para as famílias chinesas.

"Seria possível argumentar que se trata de uma grande contribuição para o controle de população global. Porém, é mais difícil avaliar o custo daquilo que duas gerações chinesas tiveram de aguentar. Incontáveis famílias financeiramente arruinadas por multas, números incalculáveis de bebês do sexo feminino abandonados, um envelhecimento catastrófico da população e gerações de filhos únicos que perderam a chance de experimentar as estreitas relações entre irmãos", resume a autora.

O centro do mundo

Os pais da primeira geração de filhos únicos passaram pela Revolução Cultural, um período de grande instabilidade política e social, e tinham suas experiências e relacionamentos marcados por isso. "Os filhos dessas famílias eram o produto da derradeira era chinesa de políticas extremas, em uma época em que a família e a educação social ainda eram ditadas por tradições fechadas e campanhas de terrorismo político", conta Xinran.

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Assim, ao serem obrigados a ter um único filho, todas as expectativas são concentradas em apenas uma pessoa. Tradicionalmente, o filho é quem mantém a tradição familiar. A morte de um filho único mais velho, quando o casal provavelmente não terá mais filhos, é o fim de uma família (o que aconteceu com a morte de 250 mil pessoas no terremoto de Sichuan em 2008). O que justifica o cuidado extremo (ou absurdo) em manter o filho vivo.

Ao mesmo tempo, todo o conforto material que antes seria diluído entre uma família numerosa também é concentrado em apenas uma pessoa. Xinran relata: "os sociólogos chineses sustentam que desde tenra idade os filhos únicos chineses são mimados pelos pais, por amigos e familiares, e ensinados e treinados na escola de tal forma que nunca têm a oportunidade de se responsabilizar pelas coisas".

Xinran acredita que a política criou gerações de indivíduos mimados e sem capacidade de empatia ou de se ver em sociedade, além de criar uma relação tensa entre pais e filhos. Ela cita um relatório chinês que indica que conflitos e distância entre pais e filhos marcam as relações de pelo menos metade dos lares. Tanto que a autora resume essa relação familiar e social complexa com duas palavras: "bicho de estimação" (como os filhos se sentem em relação aos pais) e "escravo" (como os pais se sentem em relação aos filhos). Filhos se ressentem em relação aos pais quando percebem que não têm as habilidades necessárias para viver no mundo; os pais se ressentem dos filhos que tiveram todas as oportunidades de uma vida plena e não as aproveitaram.

Futuro

Em outubro de 2013, a política do filho único foi reformulada, principalmente pelo envelhecimento da população, e o número agora se encontra em dois filhos. Ainda assim, a política que durou 34 anos deixou marcas profundas na sociedade.

"A primeira geração de filhos únicos da China, que eu estivera acompanhando por dez anos, atingiu a idade de casar e de ter filhos em 2002. Agora, mais de 10 milhões de famílias dessa geração estão criando seus próprios filhos. Isso deu lugar a uma 'idade de pais-filhos únicos' inédita na história chinesa", conta Xinran. Em geral, eles não estão interessados em ter filhos e não sabem lidar com as responsabilidades de uma vida adulta. Para Xinran, é uma geração tão acostumada a ser o centro das atenções que ressentem os filhos por conta do tempo e espaço que tomam.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]