A China nunca teve pudores em relação ao seu desejo de adquirir o que se chama de “poder brando” – um tipo de influência cultural e econômica que não pode ser conquistada com poder militar. E Hollywood muitas vezes tem sido seu parceiro nesse projeto.
A fome da China por poder brando chegou aos holofotes na semana passada, quando a Sony Pictures Entertainment formou uma aliança com a Dalian Wanda, uma empresa chinesa que se tornou um dos maiores impérios midiáticos do mundo, num acordo anunciado na sexta-feira. Apesar de a parceria ser menor do que algumas das aquisições anteriores da Dalian Wanda, ela atraiu as atenções, sendo o terceiro grande acordo que a empresa chinesa faz com Hollywood este ano.
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Esses acordos foram motivo de preocupação em relação à influência crescente da China sobre Hollywood e se ela poderia levar a uma maior presença de propaganda pró-China nos filmes norte-americanos. O governo chinês exerce um controle firme sobre o conteúdo midiático do país, e é bem conhecido que os estúdios de Hollywood costumam alterar seus filmes para darem uma maior presença à China ou representar o governo chinês sob uma luz mais positiva, de modo a ganhar acesso ao mercado lucrativo do cinema do país.
Para Hollywood, a China fornece uma combinação ideal para blockbusters de um imenso mercado cinematográfico e fundos de ações prósperos e ansiosos para investir em filmes e companhias de cinema. A bilheteria chinesa segue num ritmo que logo deverá ultrapassar o dos EUA como o maior mercado do mundo, o que talvez aconteça no ano que vem.
Censura
Em 15 de setembro, 16 membros do Congresso citaram a empresa chinesa por nome numa carta que exigia uma maior atenção dada aos investimentos estrangeiros. Os 14 republicanos e 2 democratas disseram que as aquisições da Dalian Wanda trouxeram preocupações “sobre os esforços da China em censurar temas e exercer controle propagandístico sobre a mídia americana”.
Por trás do Batman e dos Dinossauros
A parceria – na qual a empresa chinesa ajudará a promover os filmes da Sony na China e cofinanciar alguns dos maiores lançamentos chineses da Sony – vem logo após duas grandes aquisições. Em janeiro, a Dalian Wanda anunciou a aquisição da Legendary Entertainment, a empresa de produção de Hollywood que está por trás de blockbusters como “Jurassic World: O mundo dos dinossauros” e “O Cavaleiro das Trevas”. Em março, a AMC Entertainment, uma rede de cinemas dos EUA adquirida anteriormente pela Dalian Wanda, fez uma proposta para a Carmike Cinemas que faria do grupo Dalian Wanda o dono da maior cadeia de cinemas dos Estados Unidos.
Ao anunciar o acordo com a Sony Pictures, a empresa chinesa afirmou desejar aumentar a influência da China. Numa declaração, a Dalian Wanda disse que “se esforçaria para destacar o elemento da China nos filmes nos quais investirá”. “A aliança ajudará a fortalecer o poder da Wanda para influenciar a indústria do cinema global e determinar um bom precedente para produtores chineses em seu investimento internacional”, disse a empresa.
O dono e fundador da Dalian Wanda, Wang Jianlin, expressa sem rodeios o seu desejo de expandir a influência da China sobre a mídia global. Wang, o homem mais rico da China, disse numa entrevista à televisão chinesa, em agosto, que gostaria de “mudar o mundo onde as regras são ditadas por estrangeiros”.
Briga com a Disney
Como dono de uma cadeia de parques temáticos em germe, Wang também já trocou farpas com a Disney, que abriu seu primeiro parque na China em junho. “Eles não deveriam ter entrado na China. Temos um ditado: um tigre não é páreo para uma matilha de lobos. Xangai tem uma Disney, enquanto a Wanda, em toda a nação, abrirá de 15 a 20 parques”, disse Wang, segundo a Fortune. “A Disneylândia é inteira construída sobre a cultura americana. Nós damos importância para a cultura local”.
As declarações de Wang sobre a expansão do poder brando são provavelmente também um apelo ao governo chinês, que criou uma política explícita de exportação do conteúdo cultural chinês para aumentar o poder brando do país. No dia 1 de janeiro de 2014, o presidente da China, Xi Jinping, publicou um artigo no jornal estatal Diário do Povo, dizendo que o país precisava promover seu poder brando e construir sua imagem no estrangeiro.
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De uma perspectiva política, essa estratégia segue muito bem a linha da política de mídia chinesa, e Wang Jianlin está alinhado de perto com esses legisladores”, diz Aynne Kokas, professora-assistente de estudos midiáticos na University of Virginia e autora do livro “Hollywood Made in China”, a ser publicado em breve. Por isso, não é um salto muito grande pensar que Wang planeja utilizar seu poder corporativo para expandir a influência da China no estrangeiro, segundo a autora. “Acho que devemos acreditar em Wang Jianlin quando ele nos diz quais serão seus planos”.
Dominação global
A companhia chinesa está se expandindo em outros lugares, adquirindo redes de cinema na Austrália e na Europa, num caminho rumo ao seu objetivo de controlar 20% do mercado cinematográfico global por volta de 2020. Ela faz investimentos pesados na indústria doméstica da China, o que inclui um estúdio de cinema de 400 acres que deverá abrir em 2017, equipado com 30 sets de filmagem, um set submarino e um set permanente que imita uma rua de Nova York.
Controle estatal
As tensões se complicam ainda mais, porque, enquanto os Estados Unidos permitem livremente os investimentos chineses em seu setor de cinema, a China controla com firmeza os investimentos dos EUA em filmes na China. Além disso, está para expirar em fevereiro um acordo entre os Estados Unidos e a China que permite às empresas norte-americanas exportarem um total de 34 filmes ao ano para a China. A necessidade de investimentos norte-americanos na indústria do cinema chinês vem caindo ao longo dos últimos anos, suscitando especulações de que a China poderia restringir ainda mais o número de filmes norte-americanos permitidos em seu mercado.
Ironicamente, a Sony despertou medos parecidos de inclusão estrangeira no mercado norte-americano 27 anos atrás, quando a empresa japonesa comprou a Columbia Pictures Entertainment por US$3,4 bilhões. Foi a maior aquisição até hoje feita por uma firma japonesa. À época, a Sony jurou manter o estúdio de cinema e TV “com o máximo de independência possível, como um membro pleno da indústria do cinema dos EUA”.
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As operações da Wanda nos EUA também chamaram a atenção na quinta-feira, o dia anterior ao anúncio de sua parceria com a Sony Pictures, por ter supostamente utilizado dinheiro estrangeiro para desafiar um referendo local em Beverly Hills, que decidiria um conflito entre a Wanda e o Beverly Hilton em torno dos planos para os desenvolvimentos de uma propriedade local. Um sindicato que representa os funcionários do hotel fez uma denúncia na quinta-feira de que a Wanda havia utilizado dinheiro estrangeiro para influenciar o referendo, em contravenção à lei norte-americana. A Wanda negou as alegações.
*Ana Swanson é repórter do Wonkblog, especializada em negócios, economia, visualização de dados e em temas ligados à China.
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