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Lula e Cida Gonçalves: pasta das Mulheres é chamada de "Ministério do Assédio" pelo servidores da Esplanada.
Lula e Cida Gonçalves: pasta das Mulheres é chamada de “Ministério do Assédio” pelo servidores da Esplanada.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Quando o “escândalo Silvio Almeida” estourou, no início de setembro, o Ministério das Mulheres rapidamente tratou de se posicionar. 

Não que a chefe da pasta, Cida Gonçalves, não soubesse há meses das acusações de assédio contra o agora ex-ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania. 

Mas já no dia seguinte à divulgação das primeiras notícias sobre o caso, ela postou em suas redes pessoais uma foto sua com Anielle Franco (ministra da Igualdade Racial e uma das supostas vítimas de Almeida) e declarou apoio à “amiga e colega de Esplanada”.

Em seguida,veio um comunicado institucional, em que o ministério classificou as denúncias como graves e cobrou rapidez nas investigações. 

“É preciso que toda denúncia seja investigada de forma célere, com rigor e perspectiva de gênero, dando o devido crédito à palavra das vítimas, e que os agressores sejam responsabilizados de forma exemplar”, dizia a nota. 

O que Cida não esperava é que, menos de dois meses depois, seu nome também seria citado em um pacote de acusações de assédio e até de racismo. 

Abafada por grande parte da imprensa e atropelada pelas eleições, essa nova crise do governo Lula foi deflagrada pelo movimento negro, por meio de uma matéria no site Alma Preta, “especializado na temática étnico-racial”. 

Segundo o texto, 17 servidores afirmam que o ambiente na autarquia é marcado pela tensão e a insegurança, devido ao clima de perseguição instaurado por Cida Gonçalves e sua secretaria-executiva, Maria Helena Guarezi (ex-coordenadora do Programa de Incentivo à Equidade de Gênero da Itaipu Binacional). 

São tantas histórias protagonizadas pela dupla nestes quase dois anos de gestão que a pasta ganhou um apelido pouco elogioso na Esplanada: “Ministério do Assédio”.

Entre os funcionários concursados da casa, há inclusive um consenso de que as condições de trabalho eram bem melhores no governo anterior, quando havia o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, sob a liderança da hoje senadora Damares Alves. 

Cerca de 60 comissionados já foram exonerados na autarquia desde a chegada de Cida – e esse número não inclui a “limpa” natural que acontece na fase de transição de poder. Alguns desses casos são de funcionários que se deligaram por conta própria, alegando problemas de saúde mental causados pela pressão psicológica imposta pelas chefes. 

O Alma Preta teve acesso a um e-mail, disparado por um ex-comissionado para todo o ministério, que revela os procedimentos poucos ortodoxos dos gestores petistas. De acordo com o funcionário, que pediu para sair, o comando atual é “vexatório”, a ponto de uma coordenadora repetir, literalmente, o clichê “manda quem pode e obedece quem tem juízo”. 

Ele ainda revela ser eleitor do presidente Lula, porém não esperava esse tipo de tratamento por parte da nova equipe – caracterizado por agressões que ele temia receber na época do governo Bolsonaro.

Movimento negro denuncia falas racistas da equipe petista do ministério 

As denúncias de assédio moral no Ministério das Mulheres deixaram de ser internas quando Cida, Maria Helena e as demais petistas mexeram com um grupo que conta com uma rede de comunicação espalhada por todo o país: o movimento negro. 

Segundo funcionárias ligadas a entidades raciais, e que pedem às líderes mais políticas voltadas para o segmento, as respostas costumam ser dadas em tom jocoso – “De novo isso de racismo?”, “Já vem com essa de mulher negra”.

Outra situação que extrapolou os corredores da autarquia foi um comentário de Maria Helena sobre a aparência da ativista Carmen Foro, quando esta ainda era a secretária de Articulação Institucional, Ações Temáticas e Participação Política do ministério. De acordo com testemunhas, durante uma reunião realizada em agosto, ela pediu para Carmen se sentar porque seu cabelo (que é crespo) estava atrapalhando a visão dos participantes.

O episódio foi relatado à ministra, que fez pouco caso. Dias depois, a secretária foi exonerada do cargo, sob a justificativa de se dedicar pouco ao trabalho e priorizar a campanha eleitoral em seu estado, o Pará – sendo que a própria Cida apoiou diversos candidatos Brasil afora e chegou a visitar Fortaleza para participar de comícios de Evandro Leitão, único petista eleito prefeito em uma capital. 

Em uma nota emitida após a publicação da reportagem do Alma Preta, o Ministério das Mulheres afirmou ser contra todo tipo de discriminação e que vai “tomar providências em relação a todas as denúncias que são formalizadas nos canais competentes do órgão”. Já a Controladoria-Geral da União abriu uma investigação sobre o caso e pediu “informações oficiais” à pasta.

Janja e Cida na ONU: primeira-dama viajou na condição de socióloga, a convite da ministra.
Janja e Cida na ONU: primeira-dama viajou na condição de socióloga, a convite da ministra. (crédito: Claudio Knebe/Presidência da República)| Claudio Knebe/Presidência da República

“Cidinha” ajudou a fundar um verdadeiro exército de militantes pró-Lula

Cida Gonçalves parece não ter se abalado com a crise. Depois das denúncias, disse à imprensa que continuaria no posto e seguiria trabalhando normalmente. 

Essa não foi a primeira vez que seu cargo esteve em risco. Sempre que Lula precisa montar um novo quebra-cabeças para acomodar aliados, seu nome é cogitado para a degola. 

Sabe-se que a ministra tem um bom relacionamento com a primeira-dama Janja Silva, que a chama de “amiga de governo”. As duas até viajaram juntas, em março, para Nova York, onde participaram de um evento da ONU sobre a situação das mulheres no mundo. Janja foi na condição de socióloga, a convite do ministério. 

Essa amizade, no entanto, não é o motivo de sua permanência no primeiro escalão do poder. Além de petista histórica, Cida Gonçalves é uma das fundadoras da Central dos Movimentos Populares (CMP), um guarda-chuva que abriga um emaranhado de organizações sociais urbanas, sempre pronto para ir às ruas em defesa de Lula e do PT. 

Criado em 1993 sob a benção de Frei Betto (ex-assessor especial do presidente e um dos principais divulgadores da Teologia da Libertação), a CMP é uma espécie de exército de militantes à serviço do Partido dos Trabalhadores. Uma tropa nem sempre pacífica, pois seus atos muitas vezes terminam em vandalismo e enfrentamento com a polícia. 

A central ficou conhecida por promover diversas manifestações do “Fora FHC”, mas ficou meio quieta a partir de 2002, quando os petistas chegaram ao poder. Com o impeachment de Dilma Rousseff, voltou a aparecer, mobilizando gente para protestar contra Michel Temer e Jair Bolsonaro – principalmente durante a pandemia. 

Em 1994, uma reportagem da Folha de S. Paulo já chamava a CMP de “holding da miséria” – uma controladora de pequenas entidades, mantida com recursos de ONGs e entidades estrangeiras. Cida Gonçalves, mais conhecida na central como “Cidinha”, representava um movimento de mulheres do Mato Grosso do Sul e foi uma das primeiras coordenadoras do grupo, liderado pelo advogado Raimundo Bonfim. 

Para ministra, Bolsonaro “destruiu a mulher enquanto ser humano” 

Nascida no interior de São Paulo, Cida tem 60 anos e se apresenta como “especialista em gênero e enfrentamento à violência contra mulheres”. Disputou três eleições pelo PT, e perdeu todas: para deputada constituinte, em 1986, e vereadora de Campo Grande, em 1988 e 2000.

Mas sua atuação na Central dos Movimentos Populares lhe garantiu benesses. Ela foi assessora da Coordenadoria da Mulher da Secretaria de Assistência Social, Cidadania e Trabalho do Mato Grosso do Sul (durante o governo de Zeca do PT) e secretária nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (entre 2003 e 2016, nas gestões de Lula e Dilma). 

Mesmo após o impeachment da petista (em entrevistas a veículos de esquerda, ela faz questão de chamar de “golpe”), Cida Gonçalves não ficou a ver navios. 

Virou presidente da empresa de consultoria Xarés, especializada na “elaboração de projetos técnicos em gênero” – seu trabalho mais conhecido foi um diagnóstico sobre a situação da violência contra a mulher em Teresina (PI), contratado pela prefeitura da cidade com recursos do Banco Mundial. 

Em 2022, quis o destino que a vitória apertada de Lula a levasse de volta à Esplanada, e dessa vez promovida a ministra – incumbida da missão de “reconstruir as políticas sociais que o governo Bolsonaro destruiu”. 

“Eles nos destruíram enquanto ser humano, transformaram as mulheres em apenas corpos para reproduzir”, afirmou no último Dia Internacional da Mulher. 

“Cidinha” ainda costuma dizer que o ex-presidente incentiva a violência de gênero no Brasil, porque trata as mulheres com “agressão e descaso” – exatamente o comportamento que suas funcionárias no Ministério das Mulheres atribuem a ela.

A reportagem da Gazeta do Povo entrou em contato com a assessoria de imprensa do Ministério das Cidades para solicitar uma entrevista com Cida Gonçalves, mas não obteve retorno até a publicação deste conteúdo.

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