“Dinheiro não traz felicidade”, diz o ditado. “Mas é melhor ser infeliz em Paris”, responde a piada. Diversos estudos sobre bem-estar subjetivo – a coisa mais próxima da ideia de “felicidade” que os cientistas conseguem medir – sugerem que existe, de fato, uma correlação entre renda e satisfação pessoal. Mas um trabalho publicado em janeiro deste ano, no periódico “Nature Human Behaviour”, aponta uma sutileza: renda e felicidade andam juntas, sim, mas só até certo ponto. Passando desse teto, que os autores do estudo chamam de “ponto de saciedade”, o dinheiro não acrescenta mais felicidade – na verdade, pode até subtrair alguma.
“Teoricamente, presume-se que não são as rendas elevadas, em si, que levam às reduções no bem-estar pessoal, mas os custos associados a elas. Rendas elevadas frequentemente vêm acompanhadas por exigências elevadas (tempo, carga de trabalho, responsabilidades, etc.) que também podem limitar as oportunidades para experiências positivas”, escrevem os autores do levantamento, baseado em uma pesquisa de opinião que envolveu 1,7 milhão de pessoas de todo o mundo.
O estudo determinou que, na média global, o ponto de saciedade para satisfação pessoal – a renda a partir da qual ganhar mais dinheiro não faz mais a pessoa achar que tem uma vida melhor, e pode até fazer com que ela ache que tem uma vida pior – se encontra em torno de US$ 95 mil anuais (cerca de R$ 300 mil).
Há diferenças regionais: na América Latina, por exemplo, o ponto de saciedade para satisfação pessoal fica em US$ 35 mil (cerca de R$ 110 mil) ao ano. Três regiões não apresentaram “pontos de reversão” – isto é, níveis de renda a partir dos quais o dinheiro passa a prejudicar a felicidade: Oriente Médio, África e Sudeste Asiático.
Também há diferenças relativas a gênero. Globalmente, mulheres precisam de mais renda (US$ 100 mil anuais, ante US$ 90 mil dos homens) para atingir o ponto de saciedade.
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“Este padrão de resultados sugere que o nível de saciedade está relacionado à riqueza geral da região”, apontam os autores, e oferecem algumas hipóteses para explicar o resultado: “Regiões de renda elevada elevam o ponto de saciedade porque os padrões de comparação social são mais altos”, escrevem. “No entanto, também pode acontecer de a renda oferecer mais oportunidades de felicidade em regiões ricas”. Em outras palavras, um país rico oferece mais modos de transformar dinheiro em prazer do que um país pobre.
O impacto de ter um amigo fiel ou um parente devotado é equivalente a um aumento de cinco vezes na renda familiar.
A diferença de gênero não é explicada e, de fato, os autores destacam que ela contraria a hipótese, sugerida pelo senso comum, de que os homens precisariam de mais riqueza do que as mulheres para se darem por satisfeitos.
O que se mede
O bem-estar subjetivo, ou BES, tem três componentes: satisfação geral com a vida, frequência de emoções positivas e frequência de emoções negativas. Cada um deles é avaliado por meio de respostas a questionários.
O estudo sobre renda determinou que cada um desses fatores tem um ponto de saciedade diferente: se o ponto global para avaliação da vida é US$ 95 mil, para emoções positivas – o ponto a partir do qual o dinheiro não ajuda mais a sorrir, ou a ter pensamentos alegres – está em US$ 60 mil (R$ 195 mil) anuais. A saciedade financeira para emoções negativas (quando a renda não parece mais ajudar a evitar a tristeza) fica em US$ 75 mil (R$ 243 mil). Na América Latina, esses pontos de saciedade estão, ambos, em US$ 30 mil (R$ 97 mil).
Por depender de intervenções como questionários – que interrompem o fluxo normal do dia e dão à pessoa tempo para pensar numa resposta – essas medidas de felicidade às vezes são vistas com desconfiança. Afinal, o que elas avaliam é mesmo algo significativo?
O psicólogo americano Ed Diener, uma das principais figuras desse tipo de pesquisa e um dos coautores do artigo sobre dinheiro e felicidade, reconhece que há fatores que podem interferir nas respostas – uma pessoa pode se dizer mais satisfeita com a vida depois de uma boa refeição, ou de achar uma moeda na rua – mas escreve que os questionários usados têm “boa confiabilidade”, ou seja, as mesmas pessoas tendem a dar as mesmas respostas quando refazem o teste depois de algum tempo; e “validade convergente” em relação ao testemunho de terceiros: os níveis de felicidade extraídos dos questionários são próximos aos estimados por amigos e parentes da pessoa estudada.
“Os níveis médios de satisfação com a vida, entre as ‘autodeclarações’ e as declarações de informantes, não costumam ser diferentes e, se há diferenças, as declarações dos informantes tendem a ser um pouco mais altas que as ‘autodeclarações’”, escrevem Diener e outros dois especialistas na área, Shigehiro Oishi e Louis Tay, numa análise histórica do campo dos estudos da felicidade, também publicada em “Nature Human Behaviour”.
“Por milhares de anos, o bem-estar humano foi a província acadêmica da filosofia e da religião, com figuras notáveis como Aristóteles, Confúcio e Buda tentando definir o que é uma boa vida”, escrevem. O que os cientistas agora tentam fazer, segundo Diener, Oishi e Tay, é “não definir o que uma boa vida deve ser, mas sim quais os fatores que levam as pessoas a achar que suas vidas valem a pena”.
Não é só dinheiro
A renda, advertem os pesquisadores da área de bem-estar subjetivo, é parte da felicidade, não o todo. Ela ajuda na medida em que supre necessidades básicas, oferece autonomia e traz satisfação psicológica. Mas de 30% a 40% da “felicidade básica” – o nível a que uma pessoa tende a retornar depois de passar por um evento excepcional que lhe proporciona grande alegria ou grande tristeza – parece ser genético.
Isso significa que de 60% a 70% da felicidade deriva de fatores ambientais. Dinheiro é um deles, mas não o único. “Pessoas que veem seus superiores no trabalho como parceiros são quase tão felizes nos dias úteis quanto nos fins de semana, enquanto os que veem seus superiores como chefes informam níveis significativamente mais baixos de felicidade nos dias de semana”, escrevem os cientistas John F. Helliwell e Lara B. Aknin em outro estudo publicado em “Nature Human Behaviour”.
Confiança e apoio mútuo são ainda mais importantes. “Em todo o mundo, afirmar um nível básico de apoio social – responder ‘sim’ à pergunta da Pesquisa Mundial Gallup ‘Se tiver um problema, você tem amigos ou parentes com quem possa contar sempre que precisar, ou não?’ – é o melhor fator único para prever satisfação com a vida”, escrevem Helliwell e Aknin, no mesmo estudo. O impacto de ter um amigo fiel ou um parente devotado é equivalente, nessa medida de felicidade, a um aumento de cinco vezes na renda familiar.
REFERÊNCIAS:
Happiness, income satiation and turning points around the world
Advances in subjective well-being research
Expanding the social science of happiness
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