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Pesquisa

Cientistas descobrem como a música afeta o cérebro

 | Marcos Chin/NYT
(Foto: Marcos Chin/NYT)

Em pesquisas internacionais, as pessoas quase sempre incluem a música como uma das fontes supremas de prazer e poder emocional em suas vidas. Nos casamos ao som de música, nos formamos ao som de música e enfrentamos o luto ao som de música. Até hoje, todas as culturas estudadas fazem alguma forma de música e entre os objetos artísticos mais antigos já encontrados estão flautas feitas de ossos de mamute, algumas com mais de 43 mil anos – ou seja, 24 mil anos antes das pinturas rupestres de Lascaux.

Em vista da antiguidade, da universalidade e da profunda popularidade da música, muitos pesquisadores presumem há bastante tempo que o cérebro humano seja equipado com algum tipo de “câmara musical”, uma área específica da arquitetura cortical dedicada à detecção e interpretação dos deliciosos sinais sonoros. Ainda assim, por muitos anos os cientistas foram incapazes de encontrar qualquer evidência clara de uma área do cérebro dedicada à música por meio de tecnologias convencionais de escaneamento cerebral, frustrando as tentativas de compreender as bases neurais dessa paixão fundamentalmente humana.

Agora, pesquisadores do MIT desenvolveram uma abordagem radical de análise cerebral que revela dados que estudos anteriores ignoraram. Por meio da análise matemática de exames do córtex auditivo e agrupamento de grupos de neurônios com padrões de ativação similares, os cientistas identificaram caminhos neurais que reagem quase exclusivamente ao som da música – de qualquer música. O ouvinte pode adorar ou detestar a canção apresentada. Não importa. Quando um trecho de música é tocado, um grupo específico de neurônios escondido no córtex auditivo do ouvinte é disparado em resposta.

Outros sons, por sua vez – o latido de um cão, a freada de um carro, a descarga do banheiro – deixam os circuitos musicais intocados.

Nova ferramenta

Nancy Kanwisher e Josh H. McDermott, professores de Neurociência do MIT, e seu colega de pós-doutorado Sam Norman-Haignere relataram os resultados na revista científica Neuron. As descobertas oferecem aos pesquisadores uma nova ferramenta para explorar os contornos da musicalidade humana.

“Por que a música existe? Por que gostamos tanto dela e queremos dançar quando a ouvimos? Em que momento do desenvolvimento humano podemos ver essa sensibilidade à música, e será que ela pode ser aprimorada com a experiência? Essas são algumas questões de primeira ordem muito legais que começamos a tentar responder”, disse Nancy em uma entrevista.

McDermott afirmou que o novo método poderia ser utilizado para analisar os resultados de exames de qualquer aparelho de ressonância magnética funcional – o principal instrumento da neurociência – ajudando a revelar outras pérolas escondidas da especialização cortical. Como prova de princípio, os pesquisadores demonstraram que seu protocolo analítico havia detectado um segundo caminho neural no cérebro, cujas evidências já haviam sido encontradas pelos cientistas, e que entrava em ação ao som da fala humana.

O mais importante é que a equipe do MIT demonstrou que os circuitos ligados à música e à fala ficam em partes diferentes do enorme córtex auditivo do cérebro, onde todos os sinais são interpretados, revelando que cada área é basicamente surda aos estímulos da outra, embora haja uma correspondência quando a música é acompanhada por um cantor.

Tão fundamental quanto a fala

O novo artigo “realiza uma abordagem bastante inovadora e é de grande importância”, afirmou Josef Rauschecker, diretor do Laboratório de Neurociência Integrativa e Cognição da Universidade Georgetown. “A ideia de que o cérebro dá um tratamento especializado ao reconhecimento musical, que ele reconhece a música como uma categoria tão fundamental quanto a fala, é muito empolgante para mim.”

Na verdade, afirmou Rauschecker, a sensibilidade musical pode ser mais fundamental para o cérebro humano do que a percepção da fala. “Existem teorias que apontam que a música seja mais antiga que a fala ou as línguas. Algumas pessoas argumentam inclusive que a fala se desenvolveu a partir da música.”

E embora o valor da música como ferramenta de sobrevivência dos nossos ancestrais não seja tão óbvio quanto o poder de reconhecer palavras, Rauschecker acrescentou: “a música serve para dar coesão a um grupo. Tocar música com outros indivíduos da tribo é uma atividade muito antiga e essencialmente humana”.

Elizabeth Hellmuth Margulis, diretora do Laboratório de Cognição Musical da Universidade do Arkansas, afirmou que quando grupos anteriores de neurocientistas foram incapazes de encontrar um centro musical anatomicamente distinto no cérebro, eles chegaram a uma série de outras razões para explicar os resultados.

“Diziam na época que o que havia de especial sobre a percepção musical é como ela recruta áreas de diversas regiões do cérebro, como envolve o sistema motor, a fala, a compreensão social, e une todas essas áreas”, afirmou. Alguns pesquisadores negam que a música seja um “passatempo auditivo”, que copia outras necessidades comunicativas essenciais. “Esse artigo diz o contrário. Depois de analisar além do nível simplista visto em algumas metodologias, é possível encontrar circuitos muito específicos que respondem mais à música que à fala.”

Trabalho de campo

O laboratório de Nancy Kanwisher é reconhecido em todo o setor por seu trabalho pioneiro a respeito da visão humana e da descoberta de que partes fundamentais do córtex visual são desenvolvidas para reconhecer imediatamente alguns objetos significativos do meio ambiente, como rostos e partes do corpo humano. Os pesquisadores se questionaram se o sistema auditivo pode ser organizado de forma similar para reconhecer a paisagem musical por meio de exames categóricos. Se a resposta for positiva, quais seriam as categorias mais salientes? Quais são os equivalentes musicais de um rosto, ou uma perna humana, os sons ou elementos sonoros tão essenciais que o cérebro dedica um pouco de matéria cinzenta exclusivamente para detectá-los?

Para responder essa questão, McDermott, que já foir DJ de rádio e em festas, e Norman-Haignere, violonista clássico de grande habilidade, começaram a coletar uma discoteca de sons do dia a dia – música, fala, riso, choro, sussurros, freadas, bandeiras tremulando, pratos sendo empilhados, o clique do fogo e o sino de vento. Onde quer que vão, os dois pedem sugestões. Será que esqueceram de incluir alguma coisa?

Eles colocaram a longa lista de sons em votação no serviço de crowdsourcing Amazon Mechanical Turk para determinar quais sons eram os mais facilmente reconhecíveis e os ouvidos com maior frequência. Essa pesquisa em massa ajudou a gerar um conjunto de 165 gravações distintas e imediatamente identificáveis com dois segundos cada. Em seguida, os pesquisadores examinaram os cérebros de 10 voluntários (nenhum deles músico) enquanto ouviam inúmeras séries incluindo as 165 gravações.

Concentrando-se na região auditiva do cérebro – localizada, como seria de se esperar, nos lobos temporais, logo acima das orelhas – os cientistas analisaram matematicamente os voxels (pixels tridimensionais) das imagens para detectar os padrões de ação ou repouso neuronal.

“A força de nosso método é que ele não levantou hipóteses a priori. Simplesmente apresentamos uma série de sons e deixamos que os dados falassem por conta própria”, afirmou McDermott.

Os cálculos geraram seis padrões de resposta básicos, seis formas utilizadas pelo cérebro para categorizar os ruídos. Mas a que correspondem essas categorias? Ao conectarem as gravações a padrões de ativação, os pesquisadores determinaram que quatro desses padrões estão ligados às propriedades físicas do som, como tom e frequência. O quinto estava ligado à percepção da fala, e quanto ao sexto, os dados revelaram o ponto neuronal do córtex auditivo responsável por identificar todas as gravações musicais tocadas pelos pesquisadores.

“O som de um solo de bateria, de assobio, música pop, rap, praticamente tudo que pudesse ser reconhecido como música, seja do ponto de vista rítmico ou melódico, o ativava. É por isso que o resultado nos surpreendeu. Os sinais de fala são muito mais homogêneos”, afirmou Norman-Haignere.

Os pesquisadores ainda devem determinar exatamente quais características acústicas da música estimulam esse caminho neural. A constância relativa do tom de uma nota musical? Suas interações harmônicas? E há até mesmo a dificuldade para se determinar o que pode ser reconhecido como música.

“É difícil fazer uma definição de dicionário. Acho que a melhor forma de definir o que é música é através de exemplos”, afirmou McDermott.

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