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Suzie Bohlson está sentada numa praça ensolarada na Califórnia, uma mulher de 53 anos, pálida e magra, com um doutorado em biologia pela Universidade de Notre Dame. Quinze anos atrás, ela se converteu ao catolicismo, uma escolha talvez surpreendente para uma jovem de Los Angeles criada em uma família de cientistas materialistas.
Embora seu avô fosse pastor luterano na zona rural da Pensilvânia, a religião raramente era discutida na casa de sua família em Los Angeles. Seu pai lecionava na UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles), onde sua mãe obteve quatro diplomas. “A física era a religião do meu pai”, diz ela com um leve sorriso. “Fui criada com a crença de que a realidade era física, química e biologia.”
Agora diretora dos programas de Mestrado em Biotecnologia e Gestão de Biotecnologia na Universidade da Califórnia em Irvine, ela passou a acreditar que, ao observar a estrutura da vida biológica, ela conseguia sentir uma inteligência organizadora nos sistemas que estudava. “Comecei a perceber que ciência e religião se complementam.”
Bohlson admite que não compartilhou sua fé católica com a maioria de seus colegas de trabalho até recentemente. “Eu era uma católica enrustida”, diz ela. “Estava em uma cultura científica cheia de opiniões muito antirreligiosas. As pessoas presumem que, se você é católica, tem certas visões conservadoras sobre mulheres e gênero que eu não compartilho.”
Nos últimos meses, no entanto, Bohlson “saiu do armário”, falando abertamente sobre sua fé com colegas e juntando-se às crescentes fileiras de cientistas católicos nos Estados Unidos. Para ela, a tendência não está relacionada à política; como a maioria de seus colegas, Bohlson é democrata. Trata-se de unir conhecimento e fé, abraçando o espírito de Santo Inácio, o fundador da ordem jesuíta. “Em uma universidade onde ninguém fala sobre Deus, é importante que as pessoas vejam como Deus pode te deixar mais feliz e que, ao aprender ciência, aprendemos que sua existência é evidente.”
Independentemente de sua orientação religiosa atual, muitos cientistas espiritualmente inclinados encontram inspiração nos recentes avanços em campos como a biologia e a física, que parecem nos afastar dos resultados mecanicistas e previsíveis sugeridos pela ciência e filosofia do Iluminismo — e nos levar em direção a uma visão na qual a incerteza e o mistério desempenham um papel fundamental.
Talvez o ponto de virada mais importante tenha sido o Big Bang. No início do século XX, cientistas, incluindo o próprio Albert Einstein, acreditavam em um universo estático, sem começo ou fim. Mais tarde, o físico teórico e padre católico Georges Lemaître mostrou como a própria teoria da Relatividade Geral de Einstein se alinhava com as então controversas observações do astrônomo Edwin Hubble de que o universo estava se expandindo e, assim — se o processo fosse seguido para trás no tempo —, teria um início. Hoje, Lemaître é conhecido como o pai da teoria do Big Bang.
À medida que Einstein refletia sobre essas e outras descobertas, suas opiniões, particularmente no final de sua carreira, evoluíram no sentido de reconhecer uma crença em uma força divina. Ele buscou inspiração no filósofo/cientista judeu Baruch Spinoza e falou abertamente sobre abraçar “um sentimento religioso cósmico”. O contemporâneo alemão de Einstein, Werner Heisenberg, descreveu uma evolução semelhante. “O primeiro gole das ciências naturais te transforma em ateu”, escreveu ele, “mas no fundo do copo, Deus está te esperando.”
Para grupos como a Sociedade de Cientistas Católicos, com mais de 2.100 membros e 28 filiais regionais, a noção de que ciência e religião são complementares não é tão controversa quanto pode parecer para alguns. Até o bilionário inovador tecnológico Elon Musk se descreveu como um “cristão cultural”, descrevendo suas crenças como “uma religião de curiosidade” e “de maior iluminação”. Essa visão também ganhou algum respaldo de intelectuais de destaque, como Douglas Murray, o historiador Tom Holland e o psicólogo Jordan Peterson.
O mais notável é que o renascimento da “teologia natural” se baseia fortemente não nas humanidades, mas na ciência. Isso está ocorrendo, observou o falecido físico John Polkinghorne, num momento em que muitos líderes religiosos parecem tímidos demais para abordar questões básicas como as origens da vida ou do universo. Ironicamente, à medida que alguns cientistas com orientação religiosa surgem, é cada vez mais o establishment científico “dominante”, ultrassecular, que está danificando sua credibilidade ao injetar dogmas políticos na pesquisa. No entanto, esse poder político — vinculado ao financiamento de pesquisas para questões como a mudança climática — torna improvável que estejamos testemunhando “a queda do Neoateísmo”, como sugerido pelo apresentador de talk show cristão Justin Brierley. Cerca de metade dos cientistas dos EUA, de acordo com um estudo de 2023, são ateus ou agnósticos. Apenas um terço dos pesquisadores científicos europeus praticam alguma fé, aproximadamente o mesmo número dos que se descrevem como ateus ou agnósticos. Algumas das figuras científicas mais conhecidas de nosso tempo — estudiosos sérios como Richard Dawkins ou Stephen Hawking, bem como figuras populares como Bill Nye e Neil deGrasse Tyson — ainda se descrevem como ateus fervorosos.
Os defensores da “teologia natural” também estão lutando em uma sociedade onde as igrejas estão, em sua maioria, em declínio. Isso é particularmente verdadeiro para as denominações protestantes tradicionais. Outrora poderosas, essas igrejas passaram de ter aproximadamente metade dos americanos como membros para menos de 9%. Mas esse padrão também pode ser observado em quase todas as religiões. Em 1965, uma pesquisa do instituto Gallup descobriu que 70% dos entrevistados disseram que a religião era “muito importante” em suas vidas. Hoje, menos da metade dos americanos (45%) diz que a religião é “muito importante”.
A maioria dos americanos, segundo o instituto Pew, vê conflito, não harmonia, entre religião e ciência (embora uma pequena fração de crentes, cerca de 16%, concorde). Uma pesquisa descobriu que dois terços dos ateus e um terço dos agnósticos acreditam que a ciência torna “a existência de Deus menos provável”. O defesa da harmonia é ainda pior na Europa, onde a proporção de pessoas que afirmam que a religião é importante é de um terço ou até menos. Às vezes, professar certas crenças pode até ser perigoso, levando uma pessoa ao tribunal na Finlândia e causando o desconvite de palestrantes de uma conferência em Amsterdã que, entre outras coisas, insistiram que existem apenas dois sexos.
Ciência e religião pelas culturas
Embora seja muitas vezes esquecido hoje em dia, religião e ciência estiveram fortemente ligadas durante a maior parte da história humana. A busca pela origem e estrutura do universo atrai mentes religiosas, como tem acontecido desde os tempos da Bíblia e dos Vedas. No Egito Antigo, na Mesopotâmia e na Mesoamérica, “astrônomos sacerdotes” fizeram descobertas notáveis sem o benefício da tecnologia moderna. Por algumas estimativas, o calendário maia era mais preciso, em termos astronômicos, do que a versão juliana usada em Roma na época.
Mesmo na Grécia Antiga, que incubou muitos dos princípios científicos básicos aceitos hoje, a maioria dos matemáticos e cientistas não rejeitou os deuses ou a noção do sobrenatural. A crença nos antigos deuses e mitos persistiu até o alvorecer da era cristã e era predominante em todo o mundo científico por um milênio. Ptolomeu escreveu que a astronomia lhe permitia estar na “companhia de Deus”.
Alguns cientistas e historiadores — mais notoriamente o grande escritor britânico Edward Gibbon — viram a disseminação das religiões abraâmicas como prejudicial ao legado racional e científico transmitido pelos gregos e seus acólitos romanos. No entanto, o judaísmo, a raiz tanto do islamismo quanto do cristianismo, geralmente aceitou a ciência como simplesmente outro meio de revelar a obra de Deus, e não um desafio à agência divina.
Edward Reichman, médico e especialista em ética do hospital Montefiore, em Nova York, observa que, embora alguns ramos do judaísmo ortodoxo rejeitem ideias científicas amplamente aceitas, como a evolução, a maioria dos intelectuais ortodoxos abraça a ciência e a descoberta. De fato, a figura mais importante do hassidismo, Menachem Mendel Schneerson, foi treinado como engenheiro na Sorbonne e manteve um interesse vitalício por novas tecnologias. “Para a maioria dos judeus, incluindo os ortodoxos”, observa Reichman, “é impossível distinguir entre religião e ciência porque Deus criou a ciência também.”
Mesmo nos primeiros anos, os cristãos também — Santo Agostinho, entre muitos outros — não rejeitaram a ciência ao abandonarem o paganismo. Como observa o historiador Rodney Stark, muitos dos primeiros padres da Igreja viam a ciência, assim como Bohlson, como reveladora da presença divina. Stark sugere que essa atitude decorre do preceito da religião abraâmica que postula que Deus é “um ser racional e o universo foi sua criação pessoal”, levando os cristãos a desejarem avançar na “compreensão humana” de sua obra.
Nos séculos que se seguiram à queda do Império Romano Ocidental, os monges cristãos estiveram na vanguarda dos esforços para sistematizar o conhecimento, um precursor fundamental para a descoberta científica. Quando a luz do conhecimento estava mais fraca, eles preservaram as tradições científicas clássicas e, em alguns casos, como aconteceu com o Bispo de Lincoln no século XII, desenvolveram novos insights sobre o mundo físico.
Nem a Renascença nem o Iluminismo cortaram os laços entre religião e ciência, como alguns sugerem ao citar, por exemplo, a perseguição de Galileu. Como sugere o físico Stephen Barr, muitos cientistas do Iluminismo — de Francis Bacon a Isaac Newton, de Johannes Kepler a Blaise Pascal — abraçaram abertamente a religião enquanto expandiam as fronteiras da ciência.
A conexão entre religião e ciência não se restringe ao Ocidente. A ciência islâmica, a partir da base fornecida por textos gregos traduzidos, avançou a astronomia, a matemática e a medicina muito além do estado da arte na Europa e, talvez, do resto do mundo. Nos primeiros séculos após Maomé, escreveu o historiador Bernard Lewis, os primeiros califados alcançaram “o nível mais alto até então nas artes e ciências da civilização”. Cientistas, matemáticos e astrônomos islâmicos desenvolveram um arquipélago de centros de aprendizado que se estendia de Toledo a Bagdá, Teerã e Cabul. No entanto, em meio às suas pesquisas, poucos se desviaram da crença em um único Deus e, em vez disso, viam na ciência uma maneira de explicar Sua obra.
A rica e variada tradição religiosa da China, em grande parte confucionista, forneceu o ímpeto para o avanço tecnológico do país. O confucionismo abraçou a ciência como uma forma de aperfeiçoar “a ordem moral cósmica”. Mesmo sob o Partido Comunista, essa noção contribui para a atual busca da China pela liderança tecnológica. A ênfase do confucionismo no aprendizado e na autossuperação continua sendo uma vantagem não apenas para o Império do Meio, mas também para Estados com orientação semelhante, como Coreia do Sul, Taiwan, Cingapura e Japão.
O acolhimento do hinduísmo à ciência e à matemática antecede o das religiões abraâmicas. Eruditos hindus antigos faziam perguntas profundas sobre as origens humanas e especulavam sobre a origem da vida, tanto humana quanto divina. A tradição hindu incorporou ideias científicas e matemáticas até mesmo nos Vedas. No século V, matemáticos e astrônomos hindus como Aryabhata, o Velho, estavam mapeando os céus e desenvolvendo algoritmos; ele criou um calendário anual que acabou sendo apenas 12 minutos mais longo do que a norma aceita atualmente.
Enquanto muitos seguidores das religiões abraâmicas tendem a ver ciência e religião como algo separado, os hindus, segundo um estudo recente do Pew, tendem a vê-las como sobrepostas. A propensão para abraçar a ciência, observa Ashwin Rangan, ex-diretor de informações da ICANN, o órgão supervisor da Internet, ajuda a explicar, em parte, o notável surgimento da Índia como um centro de tecnologia e matemática.
Mecanicismo e materialismo
Suzie Bohlson e seus colegas de mentalidade religiosa se veem descrevendo uma realidade além daquela do ateu, que, nas palavras de Richard Dawkins, oferece um universo movido por “indiferença cega e impiedosa”. O falecido Jonathan Sacks, ex-rabino-chefe do Reino Unido, questionava, como muitos cientistas de orientação religiosa, o que uma visão tão estritamente materialista deixaria em seu rastro. Ele apontava para o trabalho do filósofo israelense Yuval Harari como a criação de uma visão da humanidade reduzida a algoritmos. Sem a bússola moral da religião, Sacks sugere, as sociedades estão condenadas ao fracasso, independentemente de seu nível de tecnologia.
Ao combater a visão mecanicista da vida, cientistas como Bohlson estão redescobrindo uma visão impregnada de um senso de valores humanos — uma compreensão mais humilde de como o mundo é construído. A ciência e a tecnologia, entendidas como disciplinas afastadas ou até superiores a questões de moralidade, não podem fornecer um senso de significado, e isso é motivo de angústia, particularmente para os jovens.
“O mundo está sempre um caos, independentemente da ciência”, sugere Bohlson. “Mas com a religião podemos suportá-lo e fazer nosso trabalho valer a pena. Ganhamos muito em nossa compreensão quando percebemos que Deus permeia a ciência.”
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Joel Kotkin é pesquisador presidencial em futuros urbanos na Chapman University e pesquisador sênior do Civitas Institute na Universidade do Texas em Austin.
Anthony Lemus é professor e diretor de relações com a indústria na Fowler School of Engineering da Chapman University.
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©2024 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês.