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Embrião de camundongo
Embrião de camundongo com 11 dias de idade, próximo ao estágio de desenvolvimento atingido pelos embriões sintéticos, de 8,5 dias.| Foto: Bigstock / Natalia Sinjushina & Evgeniy Mey

Um novo estudo conduzido por cientistas britânicos, americanos e israelenses teve sucesso em produzir embriões de camundongos a partir de células-tronco, sem necessidade de fecundação ou até de útero. Fruto de uma década de tentativas, os embriões apresentam coração com batimentos e rudimentos de cérebro, um resultado que pode levar ao cultivo de órgãos humanos em laboratório para transplante. Uma versão preliminar do artigo com a descoberta foi publicada na revista Nature, na última quinta-feira (25), trazendo novamente ao debate a ética no uso de células-tronco embrionárias.

Os cientistas acreditam que uma vantagem da técnica seria a clonagem de órgãos do paciente que irá recebê-los, eliminando a rejeição pelo sistema imunológico. Fundador da empresa de biotecnologia israelense Renewable Bio e um dos autores do estudo da Nature (além de líder de outro estudo similar publicado na revista Cell), Jacob Hanna disse à Sky News Austrália que quer replicar os resultados usando células humanas — incluindo as de seu próprio organismo.

Pesquisador no Departamento de Genética Molecular do Instituto Weizmann em Israel, ele crê que os problemas éticos poderão ser resolvidos se os embriões sintéticos humanos não tiverem pulmões, coração ou cérebro. O diretor executivo da Renewable Bio, Omri Amirav-Drory, disse que a empresa não pretende prometer coisas demais, nem assustar.

Além do Instituto Weizmann, o estudo foi conduzido por cientistas da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e outras instituições como o Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech). A novidade de desenvolvimento dos fundamentos do cérebro é o que mais empolga os pesquisadores. “Isso abre novas possibilidades para estudar os mecanismos de neurodesenvolvimento em um modelo experimental”, afirma Magdalena Zernicka-Goetz, professora de biologia, engenharia biológica e desenvolvimento de mamíferos em Cambridge e no Caltech, em cujo laboratório foi realizado o experimento. “É inacreditável que fomos tão longe. Esse tem sido o sonho da nossa comunidade por anos, e o maior foco do nosso trabalho por uma década, e finalmente conseguimos”, comemora.

O debate ético

Em entrevista ao jornal britânico The Guardian, Jacob Hanna disse que os embrioides (que têm semelhanças, mas não trazem a identidade completa de um embrião) não conseguem se desenvolver em camundongos completos e por isso não são “reais”. Porém, como no caso da criação de uma célula “sintética” há uma década pelo famoso bioquímico e empresário americano Craig Venter, que competiu com o governo americano no começo dos anos 2000 para sequenciar o genoma humano, o que está sendo chamado de “sintético” na verdade é ainda, na maior parte, feito pela natureza.

Para quem considera que a vida humana existe já no zigoto, a primeira célula do organismo resultante da fecundação entre espermatozoide e óvulo (evento também chamado de “concepção”), ressalvas como a de Hanna a respeito de evitar o desenvolvimento do cérebro não fazem sentido. Inclusive porque no estudo divisor de águas publicado na Nature o desenvolvimento do cérebro no embrioide roedor é um dos principais resultados aplaudidos.

No começo do milênio o debate do uso de células-tronco embrionárias eclodiu nos Estados Unidos. De um lado, ativistas como o ator tetraplégico Christopher Reeve, já falecido, viam nessas pesquisas uma esperança para pessoas paralisadas voltarem a andar. A posição tem correlação com uma defesa do aborto em fases iniciais da gestação, uma vez que muitos nesse grupo acreditam que o início do indivíduo humano está na formação do cérebro, o que tornaria permissível a interrupção de fases anteriores — para a pesquisa inclusive.

Na revista Bioethics, em 2003, o filósofo moral da Universidade de Oxford Julian Savulescu faz a concessão, para fins de argumento, que o embrião é uma pessoa. No entanto, ele acredita que em alguns casos “matá-lo é justificado”, e esses casos seriam a possibilidade de pessoas inocentes se beneficiarem da pesquisa com células-tronco derivada das mortes e a possibilidade de suas chances de sobrevivência serem maiores em um mundo em que essa pesquisa é conduzida. O filósofo chama essa abordagem de “matar para reduzir riscos”. Ele pensa que a concepção de justiça do filósofo John Rawls, que nos convida a pensar que sociedade seria justa sob um “véu da ignorância” de qual posição teríamos nela, “endossa em alguns casos matar uma pessoa para salvar outra quando ambas de outra forma morreriam”, explica.

Do outro lado da questão está, por exemplo, a Academia Pontifícia para a Vida, do Vaticano, que publicou no ano 2000 uma declaração. “O primeiro problema ético”, diz o documento, “pode ser formulado assim: É moralmente lícito produzir e/ou usar embriões humanos vivos para a preparação de células tronco embrionárias? A resposta é negativa”.

O professor de filosofia Jason T. Eberl, do Centro de Bioética da Universidade de Indiana, EUA, aplica em um livro de 2006 princípios da filosofia de Tomás de Aquino à bioética. Eberl mostra que os mesmos princípios tomísticos são aplicados com diferentes resultados por diferentes pensadores. Enquanto alguns tomistas como Norman Ford e Joseph Donceel defendem que antes da implantação uterina ou a formação do córtex cerebral “um ser humano não existe porque o embrião não recebeu uma alma racional”, outros, como o teólogo americano Benedict Ashley, pensam que o embrião “é um ser humano, pois só requer um ambiente uterino receptivo para se desenvolver em um ser pensante racional”. Eberl concorda com Ashley e defende que a alma racional está presente desde o zigoto.

Como a descoberta foi possível?

Uma razão de Zernicka-Goetz e seus colegas estarem estudando as primeiras fases do desenvolvimento embrionário é entender por que algumas gestações terminam em aborto espontâneo nesse período. “O modelo embrionário das células-tronco é importante porque nos dá acesso à estrutura de desenvolvimento em um estágio que normalmente é escondido de nós por causa da implantação do pequeno embrião no útero da mãe”, explica a cientista. Tendo acesso a essa estrutura, os cientistas podem então desligar alguns genes para ver o seu efeito no desenvolvimento e associar a problemas já conhecidos. O estudo já relata alguns resultados nesse sentido.

Para as pesquisas, os cientistas utilizaram três tipos de células individuais para reconstruir os embriões. Um tipo dá origem aos tecidos do organismo do camundongo, e os outros tipos, chamados de células-tronco extraembrionárias, fazem duas estruturas importantes para o desenvolvimento do embrião: a placenta e o saco vitelino, dentro do qual ele é abrigado.

As células foram postas em meio de cultura e espontaneamente se juntaram e se replicaram, formando embriões. Os pesquisadores ajudam o processo, ligando genes específicos coordenadores do desenvolvimento. Até então, o resultado era um embrião rudimentar apelidado de “gastruloide”, com um tubo neural (precursor do sistema nervoso) e os rudimentos do sistema digestivo. Desta vez, os cientistas conseguiram estimulá-los para além dessa fase, ao ponto de formarem coração com batimentos e estruturas mais complexas na direção da formação do cérebro. O produto do estudo são embriões sintéticos semelhantes a embriões naturais de camundongos com oito dias e meio de desenvolvimento. Ao chegar nesse estágio, eles param de se desenvolver. Uma meta dos pesquisadores é ampliar o período de desenvolvimento.

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