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Cientistas que creem: combatendo os estereótipos

Embora alguns cientistas religiosos se sintam desconfortáveis em um meio com maioria de ateus, até eles não são tão antipáticos à fé, argumenta José Ramón Zárate.
Embora alguns cientistas religiosos se sintam desconfortáveis em um meio com maioria de ateus, até eles não são tão antipáticos à fé, argumenta José Ramón Zárate. (Foto: Eli Vieira com Dall-E)

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É um fato que as crenças e práticas religiosas têm diminuído entre os cientistas, especialmente os ocidentais, em sintonia com o que ocorre na população em geral. Mas, ao contrário do que se costuma pensar, isso não implica uma maior hostilidade entre ciência e religião.

Elaine Howard Ecklund, professora de Sociologia na Universidade Rice (Houston) e diretora do Instituto Boniuk para a Tolerância Religiosa, estuda há duas décadas as atitudes em relação à religião de cientistas do Reino Unido, Itália, França, Índia, Taiwan, Hong Kong, Turquia e Estados Unidos. Através de mais de 40.000 entrevistados e quase 2.500 entrevistas confidenciais, ela concluiu que há mais cientistas que acreditam em Deus do que muitas pessoas esperariam: pelo menos 30% dos entrevistados declararam uma afiliação religiosa. Os dados, recolhidos em uma reportagem publicada em maio na reivsta Nature, são semelhantes aos que ela publicou em 2016, com metade dos entrevistados, na revista Socius: Sociological Research for a Dynamic World ("Pesquisa sociológica para um mundo dinâmico", em trad. livre).

Frente aos 85% da população mundial que se identificam como religiosos ou crentes em um ser superior (70% nos países ocidentais), esses 30% não parecem excessivos. Mais ainda, a porcentagem pode estar distorcida pelas maiorias de cientistas crentes na muçulmana Turquia e na hinduísta-budista Índia. Também nos Estados Unidos a proporção é superior à média. Segundo a informação que aparece no recente livro "Deus, a ciência, as provas" (trad. livre, sem edição em português), de Michel-Yves Bolloré e Olivier Bonnassies, uma ampla pesquisa do Pew Research Center realizada nos Estados Unidos em 2009 mostrava que 51% dos cientistas americanos acreditavam em algo transcendente, frente aos 41% que se declaravam ateus.

De qualquer modo, nas últimas décadas observa-se uma tendência à descrença nos cientistas, em consonância com a população em geral.

Âmbitos complementares

O suposto conflito entre ciência e fé remonta principalmente ao Iluminismo. Nas últimas décadas, acirrou-se, sobretudo, por um grupo de ateus militantes: Sam Harris, Christopher Hitchens, Daniel Dennett e Richard Dawkins, entre outros. Frente a essas atitudes, Ecklund tenta corrigir alguns estereótipos e construir pontes entre dois âmbitos que, a princípio, deveriam ser complementares, não antagônicos.

“Os cientistas ateus são muito menos negativos em relação à religião do que nos poderiam fazer crer as vozes mais combativas”

Elaine Howard Ecklund, professora de sociologia

No artigo de 2016, ela disse que nos Estados Unidos apenas um terço dos cientistas vê a relação ciência-fé como conflitante. “O objetivo de promover a compreensão pública da ciência se beneficiaria potencialmente de interações que fomentem a comunicação entre as comunidades científicas e religiosas, o que ajudaria a dissipar mal-entendidos mútuos”.

Ecklund reconhece certo complexo de inferioridade ou de excessiva discrição nos cientistas crentes. “Às vezes, existe a percepção de que outros cientistas não te levarão a sério se você falar sobre sua fé”, diz. É preferível então, pensam, guardar silêncio sobre esses assuntos para evitar desprezo e incompreensão. No entanto, a realidade é mais amigável. “Os cientistas ateus são muito menos negativos em relação à religião do que nos poderiam fazer crer as vozes mais combativas, que muitas vezes pensamos ser as mais numerosas”.

Testemunhos

O mencionado artigo da Nature recolhe os testemunhos de alguns cientistas de diversas crenças.

Mikaela Lee, professora de Ciências Biomédicas na Universidade Solent em Southampton, Reino Unido, diz que sua forte fé cristã — ela pertence à Igreja Reformada Unida — influencia sua visão do mundo. “A maneira como abordo a ciência é como uma forma de glorificar a Deus e descobrir mais sobre sua criação”.

Por sua vez, Benjamin Grandey, cientista climático da Universidade Tecnológica de Nanyang, em Singapura, explica que “minha teologia me ajuda a compreender por que a ciência funciona, porque acredito em um Deus que criou um universo muito ordenado”.

Mas nem todas as histórias são de harmonia. As pressões de um ambiente científico majoritariamente ateu afetam outros pesquisadores. Suzanne Kalka, educadora científica de Manchester, trabalhou com organizações que promovem a harmonia entre ciência e religião, como God and the Big Bang ("Deus e o Big Bang"). Mas, no início de sua carreira, decidiu não manifestar suas crenças (pentecostalismo). “É difícil, porque você vive duas vidas e não quer arriscar sua credibilidade científica sendo abertamente religiosa. Eu queria que me vissem como uma professora muito competente”. Com o tempo, ela foi percebendo essa "esquizofrenia" em sua vida. Ajudou-lhe conhecer um famoso trabalho de 2003, do geneticista Baruch Aba Shalev, que estimava que 75% dos cientistas que ganharam um prêmio Nobel entre 1901 e 2000 eram de fé judaico-cristã. Apenas 10% se declaravam ateus, frente aos 35% dos laureados com o Nobel de Literatura.

Esse temor de ser julgado ou discriminado também foi observado pelo sociólogo Christopher Scheitle, da Universidade da Virgína Ocidental, em uma pesquisa com 1.300 estudantes de pós-graduação sobre suas experiências e atitudes em relação à religião. Uma mulher disse que evitou revelar suas crenças religiosas até que se consolidasse como cientista. “Achava que a rotulariam como uma cientista pouco séria”. Segundo Scheitle, para os estudantes crentes “é bastante comum ouvir comentários negativos ou estereotipados sobre a religião”. Scheitle, que em 2023 publicou o livro The Faithful Scientist ("O cientista de fé", em trad. livre), acrescenta que “esse ocultamento frequentemente termina sendo prejudicial para o próprio bem-estar psicológico e o senso de conexão com os outros”.

No entanto, nem em todos os países existe um contexto cultural difícil para os cientistas crentes. Faadiel Essop, de religião muçulmana, médico fisiologista da Universidade Stellenbosch na Cidade do Cabo (África do Sul) e diretor do Centro de Pesquisa Cardiometabólica, conta que em seu trabalho e em suas viagens para participar de reuniões científicas ele viu que tanto muçulmanos quanto cristãos se sentem “bastante confortáveis ao expressar sua religião”.

Algo semelhante confessa Grandey: “Lembro-me de ter desfrutado de muitas conversas estimulantes com colegas de outros países asiáticos que não tiveram muito contato com o cristianismo. Eles estavam muito abertos a aprender sobre minhas crenças cristãs e também a compartilhar as próprias”.

Barreira para a exploração de ideias

Para Essop, a divisão, muitas vezes rígida, entre ciência e religião, especialmente nos países ocidentais, é uma barreira para a livre exploração de ideias. “A religião foi de certa forma marginalizada, porque ambas, ciência e religião, são consideradas âmbitos separados. Pessoalmente, acredito que são um todo integrado”.

Elaine Howard Ecklund pensa que uma maior aceitação das crenças religiosas no mundo científico ajudaria a fomentar sua diversidade

A partir de seus estudos, Ecklund pensa que uma maior aceitação das crenças religiosas no mundo científico ajudaria a fomentar sua diversidade. As mulheres e as pessoas não-brancas (grupos que a comunidade científica se esforça por atrair e reter) se identificam como religiosas em maior proporção. “Ao despertar suspeitas sobre os crentes, corre-se o risco de manter as minorias raciais e étnicas e as mulheres fora da ciência”.

Como explica o catedrático de Filosofia da Universidade de Granada, Pedro Gómez García, não se trata de introduzir a divindade na pesquisa científica como um fator empírico, pois “teria tão pouco sentido como inserir, no desenvolvimento de uma equação, um poema ou uma melodia musical”.

Tanto um princípio criador quanto o mero acaso ficam de fora do alcance da física e da biologia em questões como a origem do universo e da vida. “A ciência é incapaz de decidir entre essas duas propostas. Ambas são tão prováveis quanto impossíveis de verificar”, nas palavras do astrofísico Trinh Xuan Thuan, grande defensor do princípio antrópico. Seus âmbitos próprios seriam a filosofia e a teologia. Mas esse diálogo entre razão e fé, entre ciência e religião, não pode ficar à margem da vida de cientistas e demais pensadores, como multiversos irreconciliáveis, assim como as considerações éticas, derivadas sobretudo de princípios religiosos, não devem faltar diante de descobertas como a energia nuclear, a engenharia genética ou, agora, a inteligência artificial.

©2024 Aceprensa. Publicado com permissão. Original em espanhol.

Conteúdo editado por: Eli Vieira

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